Por Flavio Roberto Bezerra Ferreira
Cumprir o
projeto político para o qual foi eleito, de maneira efetiva
e consistente, é o sonho de qualquer governante.
Tal legado permitirá não só que deixe o
poder de cabeça erguida, mas também que se torne um exemplo a ser seguido pelos sucessores. No oposto temos
o governante incapaz de deixar alguma marca
pessoal relevante, e, por isso, fadado ao
esquecimento. Não é difícil situar o governo da presidente Dilma nesse contexto, já que até o momento pode ser definido
como uma gestão sem nenhum projeto próprio
marcante, e, portanto, sem legado particular.
Entretanto, parece que algo está mudando neste aspecto.
Embora um pouco tarde, tendo em vista que o seu
mandato se encerra no final de 2014, ela
resolveu implantar o programa "Mais Médicos", como uma espécie de vitrine de governo. Temos que reconhecer
que o projeto de levar médicos até os
rincões mais remotos do país é algo importante e merece elogios. Entretanto, a forma escolhida para
implantar o programa é totalmente
irregular.
Segundo amplamente noticiado, o Ministério da
Saúde responsável pelo programa "Mais
Médicos" não conseguiu preencher o número de vagas abertas com profissionais brasileiros. Assim, optou por
contratar médicos estrangeiros para o
preenchimento das vagas remanescentes, tendo
inclusive assinado um convênio com a Organização Panamericana de Saúde (Opas) para trazer quatro mil médicos cubanos para
o país.
Basicamente todos os profissionais médicos
contratados receberão um salário mensal de
R$ 10.000,00 além de uma ajuda de custo e moradia.
Ocorre que a análise do modelo de gestão do
programa traz a lume inúmeras falhas. Em primeiro lugar, ao arrepio das
normas legais vigentes, o governo brasileiro dispensou a
validação dos diplomas dos profissionais
estrangeiros contratados, de maneira que é impossível aferir se realmente possuem capacidade para exercício da
medicina no país. Essa é uma questão
delicada. Como se sabe, um médico brasileiro, em caso de falha na prestação de seu trabalho, além de responder
civil e penalmente, também pode ser julgado
pelo tribunal de ética profissional, do
Conselho Regional de Medicina no qual está inscrito, podendo até receber pena de cassação do exercício
profissional. Ora, os profissionais
contratados no programa "Mais Médicos" não estão vinculados a nenhum conselho de medicina, e,
portanto, não serão fiscalizados e nem devidamente punidos nos casos
de falhas profissionais. Deve-se ressaltar, ainda, que é até
provável que os erros dos médicos sem diploma validado sejam
encobertos pelas autoridades que permitiram o seu ingresso no país,
temerosas de sua própria responsabilização civil e criminal.
Infelizmente esta é a natureza humana. Portanto, para segurança da
população é preciso restabelecer os mecanismos preconizados em Lei
para o exercício da medicina no Brasil. Com a palavra o Ministério
Público, que tem obrigação constitucional de exigir esclarecimento
e transparência nessa matéria. Em tempo, recentemente o governo
brasileiro negou a autorização para abertura de novos cursos de
medicina e, inclusive, cancelou a licença de funcionamento dos cursos de
algumas faculdades que não estavam qualificando adequadamente os
formandos, porém no momento, incoerentemente está aceitando importar
profissional estrangeiro sem sequer aferir o seu conhecimento e
nem comprovar a sua qualificação técnica. Não tem sentido isso.
Em segundo lugar, temos a questão trabalhista. No
caso dos médicos cubanos, o Ministério da Saúde fará o repasse do
valor acertado para o governo cubano, o qual será o responsável pelo
pagamento dos profissionais que vão trabalhar no Brasil. O
detalhe curioso é que segundo amplamente noticiado, o governo cubano
embolsará cerca de 70% do valor transferido pelo
Ministério da Saúde, repassando para os médicos apenas o restante. Ora,
como foram contratados para prestar serviço no Brasil, os
médicos cubanos estarão sujeitos a lei brasileira, independentemente dos
acertos e conchavos na esfera governamental. Nesse particular em
muitos aspectos essa forma de contratação afronta as regras
estabelecidas pela CLT, especialmente porque será impraticável aferir se a
quitação do salário
se deu na forma e prazos legais, no valor
estipulado etc. Ademais, como ficará a questão da subordinação dos médicos
cubanos? Devem prestar contas a quem os contratou (governo
brasileiro) a quem os selecionou (Opas) ou a quem efetivamente pagará os
salários (governo cubano)? Em caso de doença e/ou acidente
ocupacional, quem será o responsável? Por outro lado, com relação aos
profissionais cubanos existe ainda um agravante. Embora contratados para
atendimento através do programa "Mais Médicos" do governo federal, vão
receber um salário equivalente a 30% daquele pago aos profissionais
de outras nacionalidades. Isso é ilegal, tendo em vista que
se o profissional cubano executou o mesmo trabalho que o seu colega
espanhol ou português, deve receber idêntico salário.
Portanto, se o programa "Mais Médicos" paga R$ 10.000,00 pelo serviço de
qualquer profissional contratado independentemente da nacionalidade,
sendo que o governo de Cuba recebe o dinheiro, porém, repassa para os
médicos cubanos apenas R$ 3.000,00 é fato que o Ministério da Saúde terá
um grande problema, de vez que após três anos, quando findar o prazo
da contratação, o médico cubano que se sentir lesado poderá entrar
na Justiça do Trabalho, pleiteando a diferença de salário entre
o que deveria ter recebido e o que efetivamente lhe foi pago no mês,
que corresponde a R$ 7.000,00. Par se estimar o montante total da
dívida, a conta é simples: 3 (número de anos da vigência do
programa) multiplicando por 12 (número de meses do ano) multiplicado por R$
7.000,00 (valor que recebeu a menos em cada mês), porém, o resultado é
assustador. Ao findar o convênio, cada médico cubano teria
direito de receber do governo brasileiro R$ 252.000,00 valor que seria
efetivamente atualizado mês a mês, com juros e correção
monetária. Agora imaginemos que não apenas um, mas sim, os quatro mil médicos
cubanos resolvam pleitear na Justiça do Trabalho a isonomia de
salário que a lei brasileira lhes garante? O prejuízo será
bilionário. Difícil de acontecer? De maneira nenhuma. O ministro da Saúde
deveria saber que no judiciário trabalhista se aplica de maneira
inflexível o seguinte adágio popular: "Quem paga mal paga duas vezes".
Será que o nosso governo está ciente desse problema e do risco de
condenação na Justiça do Trabalho? Em caso positivo, está tomando alguma
providência? As respostas ainda são incógnitas. Entretanto,
recente declaração do advogado geral da União pode trazer algum subsídio
para esclarecer essas importantes questões. De fato, segundo nota
de imprensa(http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/08/1331205-medicos-cubanos-nao-terao-direito-a-asilo-politico-diz-advogado-geral-da-uniao.shtml
- link acessado dia 25/08/2013) ele foi enfático ao
afirmar que após o fim do convênio do programa, os
cubanos deverão retornar para Cuba, e, em caso de recusa, serão
forçados a isso. Essa proibição de permanência no País e a pressa no
retorno para Cuba seria uma forma de dificultar e, até mesmo impedir o
acesso dos médicos cubanos ao nosso judiciário trabalhista? Esse é um
assunto que o Ministério Público do Trabalho deve esclarecer.
Entretanto, se for comprovada essa intenção de impedir o acesso à
Justiça, estaremos diante de um crime absurdo, verdadeiro atentado
contra as relações de trabalho, e, diga-se, praticado pelo governo
federal que deveria primar pelo respeito às nossas leis. Ademais não
podemos esquecer
outras questões que atingem todos os médicos
contratados e não apenas os cubanos, as quais podem representar um
agravamento expressivo do passivo trabalhista que será criado no programa "Mais Médicos", tais como férias, 13º salário, fundo de garantia, horas
extras, adicional noturno e outros. São matérias reguladas na
Constituição Federal e no ordenamento jurídico infraconstitucional, e,
portanto, precisariam de
um estudo mais aprofundado. Entretanto o fato
concreto é que a Justiça do Trabalho não vai aceitar documentos assinados
por empregados abdicando de direitos previstos em lei.
Frequentemente cláusulas de acordos e até convenções coletivas são anuladas
pela justiça especializada, por incorrerem nesse erro.
Entretanto, se a Justiça do Trabalho aceitar a flexibilização irregular de
direitos trabalhistas no caso dos profissionais contratados pelo
programa, está aberta a porta para aceitar o mesmo em
relação a todos os demais empregadores do país. É um fato.
Em terceiro lugar, porque o governo de Cuba vai
receber o pagamento destinado aos médicos cubanos que virão trabalhar
aqui no Brasil, e com que direito e a que título reterá 70% do valor
total disponibilizado pelo governo brasileiro? É
importante que o Ministério Público Federal faça uma investigação dos termos
desse acordo com Cuba. Afinal, estamos falando de quase trinta
milhões de reais por mês. Essa falta de clareza e transparência pode
servir para encobrir alguma fraude financeira. Não podemos esquecer que
infelizmente o nosso país ultimamente tem sido sacudido por inúmeras
notícias de corrupção e desvio de dinheiro público. É uma
cautela necessária.
Em resumo, esse “imbróglio” todo na aplicação do
programa "Mais Médicos" faz lembrar as ações de uma criança
mimada, que bate o pé, grita e chora exigindo alguma coisa, mesmo a
despeito dos alertas de adultos. Parece que a presidente Dilma resolveu
que a grande ação social que representará o legado de seu governo
será o programa, e, portanto, ela decidiu que vai
implantá-lo "a ferro e fogo" independentemente de qualquer argumento
contrário. Levar os médicos para as regiões mais remotas do país é uma
necessidade, porém, que isso se faça respeitando as particularidades
técnicas desse tipo de programa, bem como prestigiando o nosso
ordenamento jurídico. É o típico caso de uma ideia boa, porém, infelizmente
aplicada de maneira errada.
Flávio Roberto
frbferreira@ig.com.br
Um comentário:
Prezado Dimas,
É um prazer receber o seu contato. Fiquei feliz em compartilhar o meu
texto com uma pessoa tão esclarecida, bem como, com o seleto público
do site. Como deixei claro no artigo, desejo que em todos os rincões
desse imenso Brasil, a população tenha um atendimento médico fácil,
rápido e de qualidade. Entretanto, com relação ao programa "Mais
Médicos", é preciso ser realista. O governo federal deve respeitar o
nosso ordenamento jurídico. Acho que não é pedir muito.
Quero lhe desejar muito sucesso.
Atenciosamente
Flávio Roberto
(11) 99590-7799
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