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sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Cine Íris: a saudade e o adeus


 

Na “ArquTexto”, revista da Associação Profissional dos Arquitetos de Feira de Santana (Apafs), que começou a circular nesta sexta-feira, 27, a matéria de capa trata sobre memória arquitetônica do Cine Theatro Íris: “o prédio contador de histórias”, um resgate histórico que conta com as lembranças do jornalista Dimas Oliveira


Cine Theatro Íris: o prédio contador de histórias
            Com a realidade de um filme com tecnologia 3D,                               Feira de Santana assistiu silenciosa, como em uma sala de cinema, a demolição do Íris em março e abril deste ano.        Diante dos olhos de muitos, remakes de cenas vividas no prédio que fez parte da paisagem feirense por quase 70 anos.
31 de março de 1946. Era aberta pela primeira vez a grande sala do Cine Theatro Íris. A partir de então, os moradores de Feira de Santana passaram a se reunir diante da pouca luz que iluminava a tela que projetava histórias ainda em preto e branco, em uma sala com mil lugares e uma tela hipnótica. O Íris impressionava em diversos aspectos. A sala imponente e o sistema de filmagem em 35mm com projeção panorâmica, só asseguravam o cenário que chamava a atenção de todos desde a fachada, desenhada com torres que se destacavam entre os casarões que compunham a vizinhança na ainda Rua Senhor dos Passos.
O Cine Íris viveu sua glória entre as décadas de 40 e 60, quando surgiu para atender a demanda do crescente interesse pelos filmes, tornando-se um dos programas favoritos da sociedade feirense. Oito décadas e muitas mudanças depois, o Íris encerrou sua trajetória em 2012, quando exibia apenas filmes pornográficos, e foi demolido entre março e abril deste ano.
Desde a sua inauguração, o Cine Íris influenciou na dinâmica social e cultural da cidade. "Ver filmes sempre foi um programa interessante. Casais, famílias iam ao cinema em busca de cultura e conhecimento. Mas, também existia o viés social, de ver e ser visto na sala de espera, na sala de projeção. A prática também agregava as pessoas antes e depois da sessão", conta o jornalista e crítico de cinema, Dimas Oliveira.
As histórias contadas na tela inspiravam muitas outras que aconteciam alí, na plateia, em uma época em que o cinema protagonizava e possibilitava experiências.   "No escurinho do cinema, o flerte, o toque furtivo de mãos e para os mais ousados, um beijo roubado na garota ao lado. Ver filmes na sala escura, sala grande, proporcionava um clima onde o que era exibido na tela envolvia o público, detalhe já não existe  mais", lembra o jornalista.
Nos anos 50 e 60, a exibição do filme "Nascimento, Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo" - ou simplesmente "Vida de Cristo" -, em toda Sexta-Feira da Paixão, é um exemplo da influência do cinema na rotina social da cidade. "Eram sessões praticamente contínuas, a partir das 14 horas, que atraíam muita gente às salas, sempre com a mesma cópia estragada que parecia pertencer ao cinema. Assistir ao filme religioso fazia parte da cultura e tradição do dia santo, antes, durante ou depois de participar da procissão do Senhor Morto".
Mais do que tela, o Íris foi palco. Como Theatro, recebeu espetáculos de outras praças que passavam em turnê pela cidade. "Tivemos aqui a apresentação de grandes nomes da música dos anos 60 e nos anos 80, shows musicais do Projeto Pixinguinha, principalmente".
A programação quase sempre era feita através de matinês, que ficaram marcadas, inclusive, na literatura local, como neste verso do poeta e escritor, Iderval Miranda: "Velhas matinês e a certeza de ter nascido antes".
Tudo isso acontecia em um cenário tradicionalista, de acordo com o que ditava a arquitetura da época. Pé direito alto, sala de espera, cabine de projeção e bombonière. Em 1958 foi reaberto após uma grande reforma, onde passou a ter duas galerias e marquise em toda a fachada. Cadeiras e pisos foram trocados, mas a grande espera era mesmo pela "tela do CinemaScope, que fez do Íris o primeiro cinema do interior com tela retangular e espetacular". Para a estreia, Burt Lancaster, Tony Curtis e Gina Lollobrigida viveram uma história de amor e ambição em "Trapézio", de Carol Reed, diante dos olhos atentos dos espectadores.
Ainda que a autoria do projeto arquitetônico do Íris seja desconhecida, o prédio marcou uma época e deixou registrado na história da cidade de que forma a arquitetura, ligada visceralmente à outras artes, compõe o processo de transformação social.
"Com a decadência das grandes salas no centro - não só em Feira de Santana, como em todas as capitais e grandes cidades brasileiras - cinemas quase não existem fora de shoppings. Em março deste ano, a lenta derrubada do que existia do prédio, principalmente a fachada, representou uma perda, mesmo com o prédio já não mais funcionando como sala de exibição", avaliou Oliveira.

"Quando em 1986, o letreiro do Íris anunciava o fechamento para reforma, ao invés de um filme qualquer, surgiu um questionamento: 'será que chegaremos a passar em frente ao Íris e não veremos o Íris?'. Hoje, em seu lugar vemos um canteiro de obras. O tradicional Cine Theatro Íris, desapareceu", finalizou o jornalista.
BOX 01
Existem duas informações sobre qual foi o primeiro filme a ser exibido no Cine Theatro Íris: "Eram Cinco Irmãos", de Lloyd Bacon, 1944, com Anne Baxter e Thomas Mitchell; e "Cinco Covas no Egito", de Billy Wilder, com Franchote Tone e Anne Baxter. Ambos sobre a Segunda Guerra Mundial.
BOX 02
O empreendimento inicial no Cine Theatro Íris foi de um grupo de feirenses, entre eles o empresário Ideval Alves. Nos anos 60 foi adquirido pelos irmãos Newton e Normando Alves Barreto. Já esteve arrendado a empresas exibidoras de Salvador e à Cooperativa Brasileira de Cinema (com aval da Embrafilme, em 1978). Por fim, em 2003, foi arrendado a Walter Perdiz, ex-funcionário do cinema.
BOX 03
Em 1955, Dimas Oliveira entrou pela primeira vez em um cinema para assistir "Rei dos Reis", de Cecil B. de Mille, em exibição no Cine Íris.

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