Na “ArquTexto”, revista da Associação Profissional dos Arquitetos de Feira de Santana (Apafs), que começou a circular nesta sexta-feira, 27, a matéria de capa trata sobre memória arquitetônica do Cine Theatro Íris: “o prédio contador de histórias”, um resgate histórico que conta com as lembranças do jornalista Dimas Oliveira
Cine
Theatro Íris: o prédio contador de histórias
Com a realidade de um filme com
tecnologia 3D, Feira
de Santana assistiu silenciosa, como em uma sala de cinema, a demolição do Íris
em março e abril deste ano. Diante dos olhos de muitos,
remakes de cenas vividas no prédio que fez parte da paisagem feirense por quase
70 anos.
31 de março de
1946. Era aberta pela primeira vez a grande sala do Cine Theatro Íris. A partir
de então, os moradores de Feira de Santana passaram a se reunir diante da pouca
luz que iluminava a tela que projetava histórias ainda em preto e branco, em
uma sala com mil lugares e uma tela hipnótica. O Íris impressionava em diversos aspectos. A sala
imponente e o sistema de filmagem em 35mm com projeção panorâmica, só
asseguravam o cenário que chamava a atenção de todos desde a fachada, desenhada
com torres que se destacavam entre os casarões que compunham a vizinhança na
ainda Rua Senhor dos Passos.
O Cine Íris viveu
sua glória entre as décadas de 40 e 60, quando surgiu para atender a demanda do
crescente interesse pelos filmes, tornando-se um dos programas favoritos da
sociedade feirense. Oito décadas e muitas mudanças depois, o Íris encerrou sua
trajetória em 2012, quando exibia apenas filmes pornográficos, e foi demolido
entre março e abril deste ano.
Desde a sua
inauguração, o Cine Íris influenciou na dinâmica social e cultural da cidade. "Ver filmes sempre foi um programa interessante. Casais, famílias iam ao cinema
em busca de cultura e conhecimento. Mas, também existia o viés social, de ver e
ser visto na sala de espera, na sala de projeção. A prática também agregava as
pessoas antes e depois da sessão", conta o jornalista e crítico de cinema,
Dimas Oliveira.
As histórias
contadas na tela inspiravam muitas outras que aconteciam alí, na plateia, em
uma época em que o cinema protagonizava e possibilitava experiências.
"No escurinho do cinema, o flerte, o toque furtivo de mãos e para
os mais ousados, um beijo roubado na garota ao lado. Ver filmes na sala escura,
sala grande, proporcionava um clima onde o que era exibido na tela envolvia o
público, detalhe já não existe mais", lembra o jornalista.
Nos anos 50 e 60, a
exibição do filme "Nascimento, Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus
Cristo" - ou simplesmente "Vida de Cristo" -, em toda
Sexta-Feira da Paixão, é um exemplo da influência do cinema na rotina social da
cidade. "Eram sessões praticamente contínuas, a partir das 14 horas, que
atraíam muita gente às salas, sempre com a mesma cópia estragada que parecia
pertencer ao cinema.
Assistir ao filme religioso fazia parte da cultura e tradição do dia santo,
antes, durante ou depois de participar da procissão do Senhor Morto".
Mais do que tela, o
Íris foi palco. Como Theatro, recebeu
espetáculos de outras praças que passavam em turnê pela cidade. "Tivemos aqui a
apresentação de grandes nomes da música dos anos 60 e nos anos 80, shows
musicais do Projeto Pixinguinha, principalmente".
A programação quase
sempre era feita através de matinês, que ficaram marcadas, inclusive, na
literatura local, como neste verso do poeta e escritor, Iderval Miranda: "Velhas matinês
e a certeza de ter nascido antes".
Tudo isso acontecia
em um cenário tradicionalista, de acordo com o que ditava a arquitetura da
época. Pé direito alto, sala de espera, cabine de projeção e bombonière. Em
1958 foi reaberto após uma grande reforma, onde passou a ter duas galerias e
marquise em toda a fachada. Cadeiras e pisos foram trocados, mas a grande
espera era mesmo pela "tela do CinemaScope, que fez do Íris o primeiro cinema
do interior com tela retangular e espetacular". Para a estreia, Burt Lancaster,
Tony Curtis e Gina Lollobrigida viveram uma história de amor e ambição em "Trapézio", de Carol Reed, diante dos
olhos atentos dos espectadores.
Ainda que a
autoria do projeto arquitetônico do Íris seja desconhecida, o prédio marcou uma
época e deixou registrado na história da cidade de que forma a arquitetura,
ligada visceralmente à outras artes, compõe o processo de transformação social.
"Com a
decadência das grandes salas no centro - não só em Feira de Santana, como
em todas as capitais e grandes cidades brasileiras - cinemas quase não
existem fora de shoppings. Em março deste ano, a lenta derrubada do que existia
do prédio, principalmente a fachada, representou uma perda, mesmo com o prédio
já não mais funcionando como sala de exibição", avaliou Oliveira.
"Quando em 1986, o
letreiro do Íris anunciava o fechamento para reforma, ao invés de um filme
qualquer, surgiu um questionamento: 'será que chegaremos a passar em frente ao
Íris e não veremos o Íris?'. Hoje, em seu lugar vemos um canteiro de obras. O
tradicional Cine Theatro Íris, desapareceu", finalizou o jornalista.
BOX 01
Existem duas
informações sobre qual foi o primeiro filme a ser exibido no Cine Theatro Íris:
"Eram Cinco Irmãos", de Lloyd Bacon, 1944, com Anne Baxter e Thomas
Mitchell; e "Cinco Covas no Egito", de Billy Wilder, com Franchote
Tone e Anne Baxter. Ambos sobre a Segunda Guerra Mundial.
BOX 02
O empreendimento
inicial no Cine Theatro Íris foi de um grupo de feirenses, entre eles o empresário
Ideval Alves. Nos anos 60 foi adquirido pelos irmãos Newton e Normando Alves
Barreto. Já esteve arrendado a empresas exibidoras de Salvador e à Cooperativa
Brasileira de Cinema (com aval da Embrafilme, em 1978). Por fim, em 2003, foi
arrendado a Walter Perdiz, ex-funcionário do cinema.
BOX 03
Em 1955, Dimas Oliveira entrou pela primeira vez em
um cinema para assistir "Rei dos Reis", de Cecil B. de Mille, em exibição no
Cine Íris.
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