Leiam sem pressa os quatro
parágrafos, transcritos em negrito, extraídos de um artigo publicado pelo Estadão sob o título "A corrupção e
morte da cidadania". Volto em seguida com o nome do autor e a data da
publicação.
A corrupção
representa uma violação das relações de convivência civil, social, econômica e
política, fundadas na equidade, na justiça, na transparência e na legalidade. A
corrupção fere de morte a cidadania. Num país tomado pela corrupção, como o
Brasil, o cidadão se sente desmoralizado porque se sabe roubado e impotente.
Sabe-se impotente porque não tem a quem recorrer. Descobre que os
representantes traem a confiabilidade do seu voto, que as autoridades ou são
corruptas ou omissas e indiferentes à corrupção, que os próprios políticos
honestos são impotentes e que a estrutura do poder é inerentemente corruptora.
Dessa impotência
se firmam as noções de que "nada adianta" e de que no fundo "são todos iguais".
A fixação desses sentimentos representa o fim da cidadania, pois ela se baseia
na participação ativa do indivíduo na luta por direitos e na cobrança e
fiscalização do poder. Quanto mais agonizante a cidadania, mais ativa se torna
a corrupção. O corrupto sente-se à vontade para se justificar e até para
solicitar o aval eleitoral para continuar na vida política.
O poder no
Brasil protege os corruptos. A estrutura do poder público é corruptora. Em
paralelo, a estrutura fiscalizadora favorece a impunidade. Mas se a corrupção,
sua proteção e a impunidade se tornaram estruturais, há uma vontade explícita
de manter intacta a estrutura corruptora. Essa vontade se manifesta de várias
formas. A principal é a falta de iniciativa das autoridades constituídas. Outra
ocorre pelo bloqueio das mudanças institucionais e legais que visam a ampliar e
aperfeiçoar os instrumentos de combate à corrupção. No Congresso, medidas de
combate à corrupção e mudanças moralizadoras da Lei Eleitoral foram
sistematicamente derrotadas pela maioria governista, com o apoio de chefes dos
poderes superiores.
A sociedade já
percebeu que a corrupção estrutural está albergada na falta de vontade de mudar
e de punir e na vontade explícita de proteger. A racionalidade do cidadão não
consegue compreender o porquê e o como de tantos casos de corrupção não
resultarem em nenhuma prisão dos principais envolvidos. E porque a razão não
consegue compreender essa medonha impunidade, o cidadão sente-se desmoralizado.
A corrupção assume a condição de normalidade da vida política do país. A
degradação e a ineficiência do poder público atingiram tão elevado grau que não
se pode mais acreditar que, apesar de lentas, as mudanças virão.
O autor só pode ser algum
falso moralista enfurecido com a transformação do embargo infringente em primo
do habeas corpus, certo? E o texto só pode ser coisa da elite golpista ainda
inconformada com a derrota decidida pelo voto do ministro Celso de Mello,
certo? Errou duplamente quem embarcou nessas deduções. O artigo saiu na edição
de 29 de abril de 2000. E foi escrito por José Genoino, então - como agora -
deputado federal do PT paulista. Parece mentira, mas é ele mesmo.
Também parece mentira que
há menos de 14 anos, quando já ia longe o ataque aos cofres estaduais e
municipais controlados pelo partido, as vestais de araque ainda reivindicassem
aos berros o monopólio da ética. Na virada do século, embora Delúbio
Soares já ocupasse o posto de tesoureiro da quadrilha em formação, José
Dirceu seguia recitando de meia em meia hora, com sotaque de Passa Quatro, o
mantra hoje reduzido a refrão do hino do Clube dos Cafajestes: "O PT não róba
nem dêxa robá". É compreensível que o deputado federal José Genoino, sem ficar
ruborizado, resolvesse exigisse cadeia para quem fizesse o que ele faria na
presidência do partido que acabou transformando o assalto ao dinheiro público
em programa de governo.
O artigo publicado pelo Estadão sugere que são até brandas as
penas aplicadas pelo STF aos companheiros condenados por corrupção ativa: 7
anos e 11 meses para José Dirceu, 6 anos e 8 meses para Delúbio
Soares e 4 anos e 8 meses para Genoíno. Não há embargo infringente que dê jeito
nisso: para recorrer à esperteza que poderá livrá-los da punição por formação
de quadrilha, os três mensaleiros precisariam de quatro ministros dispostos a
não enxergar uma trinca de corruptos ativos juramentados. Dirceu, condenado por
8 a 2, teve o apoio de Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Genoino (9 a 1) só
foi socorrido por Lewandowski. Delúbio (10 a 0) não comoveu sequer o ministro
da defesa.
A seita que prometia acabar
com a ladroagem, quem diria, agora luta para conseguir que três sacerdotes
corruptos se safem do castigo reservado a quadrilheiros. Já eufóricos com o
prorrogação da sobrevida do embargo infringente, os devotos programam um
carnaval temporão caso os condenados sejam contemplados com a prisão em regime
semiaberto. Pena que a festa precise acabar no fim da tarde: os três destaques
terão de dormir na cadeia.
Fonte: "Direto ao Ponto"
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