Por
André Setaro
O que se observa atualmente dentro das salas de exibição
cinematográfica é um, por assim dizer, ato de selvageria, que determina os
gestos predatórios, os comportamentos esdrúxulos e incompatíveis com o homem
civilizado. O filme pouco importa para aqueles que o assistem nos complexos
(Multiplex, Cinemark…), constituindo-se num mero pretexto - ou, mesmo,
consequência - do ato de ir ao shopping ou, se quiser, shoppear.
Após
a tomada do circuito exibidor pelas multinacionais estrangeiras, com a entrada
em cena dos complexos Multiplex, e, depois, outros complexos (Cinemark…),
conseguiu-se fechar os cinemas de rua, restando, apenas, pequenos oásis fora
desse esquema, podendo-se observar, desde 1998 - data da inauguração do
Multiplex, uma mudança nos hábitos, nas maneiras, no comportamento diante do
espetáculo cinematográfico.
Estimulados
pelo modelo americano, os jovens associam o cinema à pipoca e as empresas
procuram lhes dar a consciência de que é preciso comer para ver. Assim, a
comilança tornou-se uma regra, com as companhias estabelecendo em suas salas de
espera verdadeiros centros de fast food. O comer para
ver virou um reflexo condicionado a ponto de os jovens não admitirem assistir a
um filme sem a complementação das bacias de pipocas e refrigerantes
gigantescos, além de hambúrgueres variados.
E,
para pasmo geral, como não bastassem tal festim de colesterol, vendem-se,
agora, dentro das salas, os estimulantes guloseimosos que tanto desesperam os
cinéfilos que gostam, em paz e sossego, de ver um filme. Acrescente-se a isso,
as conversas laterais, o atendimento solícito de celulares em plena audiência
fílmica, os risos fora de hora, que geram a total ausência de integração entre
a emissão da obra cinematográfica e a sua recepção. Para o amante do bom
cinema, ir aos complexos de salas tornou-se um inferno. Registram-se, com isso, dois
fenômenos: o da incivilidade e o da falta de educação.
Mas
o interessante a observar é que no passado havia certo respeito, um
comportamento diferente mesmo nos chamados cinemas populares, os poeiras. Se,
atualmente, nota-se uma apatia e desinteresse diante do filme, o que se
observava antes era uma interação, ainda que barulhenta em salas de segunda,
entre o público e o espetáculo cinematográfico. Gritava-se e batia-se nas
cadeiras (de pau) quando a cavalaria chegava a tempo de salvar os personagens
de um ataque de índios, torcia-se pelo herói, aplaudia-se um beijo romântico
etc.
Qual
a causa dessa selvageria, dessa decadência, dessa brutalidade? Entre outros
fatores, um poderoso: a influência devastadora da teledramaturgia que
condicionou o receptor a uma passividade absoluta. Considerando que um filme
tem uma duração limitada, todo e qualquer plano lhe é importante. O que não
ocorre na televisão com as novelas, pois, aqui, o enchimento tradicional de
linguiça se faz no sentido de possibilitar a quem as assista uma desatenção já
prevista.
Assim,
quem assiste a três capítulos de uma novela pode deixar de ver quatro ou cinco
e quando retorna encontra a história perfeitamente inteligível. A história é
sempre repetida em vários ângulos a fim de dar ao receptor uma possibilidade de
encontrá-la sempre compreensível. Resultado: a deformação provocada pela
teledramaturgia televisiva - no modo de recebê-la, no modo de assisti-la fez
com que a nova geração pratique a mesma atitude descompromissada quando diante
de uma obra cinematográfica.
Pensa-se
numa choldra de débeis mentais, numa escumalha de aloprados imberbes,
alucinados diante da tela luminosa da sala de projeção. Uma patuléia desvairada
que se agita no escuro à procura de um modo de ser mais peculiar às tribos
ágrafas. Ir aos complexos, hoje, principalmente nas sessões vespertinas de fim
de semana, é um convite ao desespero, salvo se a pessoa também faz parte dessa
patuleia, dessa choldra, dessa escumalha.
Fonte: "Blog do André Setaro"
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