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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

"O PODER LEGISLATIVO FICA DE PÉ: Dois dias depois da eleição, Câmara dos Deputados derruba decreto bolivariano de Dilma que pretendia criar 'conselhos populares' à margem da Constituição"



Por Ricardo Setti
O Legislativo brasileiro mostrou que não morreu, que está vivo e que, vez por outra, cumpre com rigor o papel que dele esperam os brasileiros amantes da liberdade e da democracia.
Foi o que ocorreu com a aprovação, pela Câmara dos Deputados, de projeto de decreto legislativo prevendo a anulação do decreto com o qual a presidente Dilma e o PT queriam instituir "conselhos populares" - não eleitos pelo povo, em eleições regulares e legais -, como existentes em países como a Venezuela, à margem da Constituição e das instituições que ela criou.
Barrando essa ameaça à liberdade dos cidadãos, a Câmara dos Deputados se reabilita de vexames e omissões e volta a viver um grande momento, honrando suas melhores tradições.
É preciso ressaltar que para a derrubada do decreto contribuiu decisivamente a posição do PMDB e do presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves (PMDB-RN), além das articulações feitas junto a outros partidos pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) - muitas vezes criticados neste espaço, mas que agora merecem o justo reconhecimento.
Leia a reportagem
Por Marcela Mattos, de Brasília, para VEJA.com
A Câmara dos Deputados reagiu e, enfim, derrubou nesta terça-feira o decreto bolivariano da presidente Dilma Rousseff, destinado a criar "conselhos populares" em órgãos da administração pública.
A matéria foi assinada no final de maio em uma canetada da presidente e foi alvo de críticas de juristas e parlamentares. O Senado ainda tem de avaliar o projeto de decreto legislativo para que a determinação do Planalto seja suspensa.
A derrubada da matéria é uma reivindicação antiga da oposição e se deu dois dias após as eleições, indicando a turbulência que Dilma encontrará no Congresso no novo mandato. "Essa derrota é para mostrar que o discurso de conversa com o Congresso não poder ficar só na teoria", resumiu o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA).
Tão logo foi apresentado, no início de julho, o projeto que sustava o texto palaciano teve adesão maciça de partidos de oposição e da base, contando inclusive com o apoio do PMDB, maior aliado do governo. Na Câmara, a matéria ganhou regime de urgência, o que permitiu que fosse direto ao plenário antes de tramitar pelas comissões.
O projeto de decreto legislativo que pedia a suspensão da canetada de Dilma foi incluído na pauta dos trabalhos desta terça pelo deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), presidente da Casa que saiu derrotado na disputa ao governo do Rio Grande do Norte.
Alves credita sua derrota à falta de apoio da presidente Dilma e ao fato de que o ex-presidente Lula chegou a participar da propaganda eleitoral do adversário Robinson Faria (PSD), eleito para o governo potiguar. Durante a sessão, o presidente convocou os deputados para que se mantivessem no plenário e garantissem a aprovação do texto.
A derrubada do decreto foi aprovada em votação simbólica, ou seja, sem que fossem contados os votos um a um. Em tais casos, o presidente da Câmara diz ao plenário: "Os senhores deputados que aprovam a medida tal ou qual permaneçam como estão." A votação de cada deputado, pelo painel eletrônico, só ocorre se um líder de partido solicitá-la à Mesa Diretora.
'Sociedade civil'
O decreto número 8.243/2014 foi criado sob o pretexto de instaurar a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS). Mas, na prática, prevê a implantação de "conselhos populares", formados por integrantes de movimentos sociais, vinculados a órgãos públicos.
A matéria instituiu a participação de "integrantes da sociedade civil" em todos os órgãos da administração pública. Porém, ao trazer uma definição restritiva de sociedade civil, representa um assombroso ataque à democracia representativa e à igualdade dos cidadãos ao privilegiar grupos alinhados ao governo.
O decreto do Palácio do Planalto é explícito ao justificar sua finalidade: "consolidar a participação social como método de governo". Um dos artigos estabelece, em linhas perigosas, o que é a sociedade civil: "I - sociedade civil - o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações". Ou seja, segundo o texto assinado por Dilma, os movimentos sociais - historicamente ligados ao PT - são a representação da sociedade no Estado Democrático de Direito.
A votação, que se arrastou por mais de duas horas, foi marcada por debates acalorados.
- Numa democracia, quem escolhe o representante é o cidadão, é o povo. Com esse decreto, a presidente quer que essa escolha seja feita pelo próprio PT. Isso é um regime autoritário - afirmou o líder do PSDB, deputado Antônio Imbassahy (BA).
O líder do Democratas, deputado Mendonça Filho (PE), por sua vez, afirmou:
- A Casa tem de se pronunciar. Não há espaço para que haja uma omissão do Parlamento brasileiro tendo em vista um quadro tão grave. A presidente Dilma prega dialogar, chama a nação para uma ampla negociação, mas impõe, via decreto presidencial, um modelo de consulta à população que é definido pelo Poder Executivo. É uma forma autocrática, autoritária, passando por cima do Congresso Nacional. Esse é um decreto bolivariano que realmente afronta o Poder Legislativo.
O PT tentou evitar a derrota a todo custo. Sabendo que não funcionaria no diálogo, o partido apresentou uma série de requerimentos, entre eles para adiar a sessão e retirar a matéria de pauta, mas todos foram rejeitados.
Fonte: "Coluna do Ricardo Setti"

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