A presidente reeleita, Dilma Rousseff, resolveu tirar o terninho
vermelho de campanha e de debates. Em seu lugar, vestiu o branco. Há a hora do
Falcão e a hora da pomba. No discurso da vitória, falou em nome da paz.
Cumprimentou todos os parceiros de jornada, com salamaleques especiais a Lula -
nem poderia ser diferente. Entre os presentes, Ciro Nogueira, o presidente do
PP, citado no escândalo do petrolão. No discurso, aquela que, segundo Alberto
Youssef, sabia das vigarices na Petrobras, prometeu combater a corrupção. Ciro
Nogueira aplaudiu com entusiasmo.
Dilma negou que o país esteja dividido, rachado ao meio - embora
ela saiba que está, mas esse é tema para outro comentário, que ainda farei
aqui. Venceu a eleição com pouco mais da metade dos votos válidos, numa disputa
em que 27,44% dos eleitores se negaram a sufragar um nome: 1,71% dos votantes
decidiram pelo branco; 4,63%, pelos nulos, e 21,1% se ausentaram. De fato, ela
é presidente por vontade de 38% dos eleitores aptos a participar do pleito. É
bem menos do que a metade. É a reeleita legítima, mas isso não muda os números.
Assim, cumpre que Dilma busque ganhar a confiança não apenas dos
51.041.155 que votaram em Aécio, mas também dos 32.277.085 que não quiseram
votar em ninguém. Juntos, eles são 83.100.453, bem mais do que os 54.501.118
que a escolheram. Neste blog, eu adverti várias vezes para esse fato, não é
mesmo? Critiquei severamente a campanha suja movida pelo PT porque ela acabaria
deixando um rastro de ressentimentos, de rancor.
No discurso da vitória, leiam a íntegra abaixo, Dilma afirma, por
exemplo:
"Toda eleição tem que ser vista como forma pacífica e segura. Toda eleição é uma forma de mudança. Principalmente para nós que vivemos em uma das maiores democracias do mundo."
"Toda eleição tem que ser vista como forma pacífica e segura. Toda eleição é uma forma de mudança. Principalmente para nós que vivemos em uma das maiores democracias do mundo."
Pois é. Posso concordar em parte ao menos, embora, de fato, nas
democracias, eleições signifiquem, antes de mais nada, conservação de um
método: recorre-se às urnas para decidir quem governará o país. Mas sigamos. Quando
o PT e Dilma transformaram os adversários em verdadeiros satãs, que fariam o
país recuar nas conquistas sociais; quando os acusaram de representantes de "fantasmas do passado" - sim, essa expressão foi empregada; quando lhes
atribuíram um passado que não tiveram e intenção que não teriam, será que a
presidente e seu partido expressavam, de fato, fé na democracia?
Quando a chefe da nação, ainda que nas vestes da candidata,
investe contra um veículo de comunicação que apenas cumpriu o seu dever,
estimulando milicianos a atacar uma empresa jornalística, onde estava essa
Dilma que agora veste o branco? Quando Lula comparou os opositores do PT a
nazistas, acusando-os de golpistas, onde estava o PT da paz e do entendimento? "Ah, mas Aécio Neves não criticou Dilma?" É certo que sim! Mas nunca deixou de
reconhecer avanços nas gestões petistas. Uma coisa é criticar a condução de
políticas; outra, distinta, é acusar o adversário de articular, de forma
deliberada, o mal do país.
A fala pacificadora de Dilma não me convence - até porque Gilberto
Carvalho, seu secretário-geral da Presidência, quase ao mesmo tempo, falava uma
linguagem de guerra. Tratarei dele em outra oportunidade. E não me convence por
quê? Porque Dilma afirmou que a principal e mais urgente tarefa de seu governo
é a reforma política. Ainda voltarei muitas vezes a esse assunto. Mas a tese é
falaciosa. Diz a presidente reeleita que pretende conduzir o debate por meio de
plebiscito - para que e com que pergunta? Em debates na TV, expressou o
entendimento absurdo de que o mal essencial do nosso sistema está no
financiamento de campanhas por empresas. Errado! O mal essencial no que diz
respeito ao Estado está no aparelhamento do bem público em favor de partidos e
camarilhas. Ou não vimos um agente do petismo, disfarçado de presidente da
Agência Nacional de Águas, a fazer proselitismo eleitoral em São Paulo de
maneira descarada?
Ignorar a crise de fundamentos - para ser genérico - que hoje
assola a economia brasileira e que deixa o país sem perspectiva de futuro para
brincar de plebiscito, constituinte exclusiva, como ela já defendeu, e reforma
política corresponde a apagar incêndio com gasolina. Dilma não tenha a ilusão
de que gozará de um período de lua de mel. Com ou sem razão, espero que sem (e
também sobre isso falarei em outra ocasião), naquelas partes do Brasil em que
pouco se olha quem sobe ou desce a rampa, desconfia-se até da inviolabilidade
das urnas eleitorais.
Se a dita reforma política vai ser o seu "chamamento à união",
então, posso afirmar, com pouca chance de errar, que ela está é querendo
provocar ainda mais conflitos. Não adianta vestir um terninho branco quando a
alma segue vermelha, governanta.
Em seu discurso, Dilma insiste que o Brasil votou para mudar - é,
talvez para que o governo mude os métodos. No que concerne às instituições, o
voto crescente é para "conservar" - no caso, conservar instituições. Espero que
também as oposições se deem conta disso e não tergiversem, como já fizeram no
passado, na defesa dos fundamentos da democracia representativa.
No que me diz respeito, é preciso bem mais do que um terninho
branco para me comover. Ademais, sigo a máxima de que um indivíduo se dá a
conhecer muito mais por seus atos do que por suas palavras.
As palavras recentes da presidente-candidata estimularam uma
milícia de vagabundos a atacar uma empresa de comunicação. Por enquanto, não
tem a minha simpatia nem meu voto pessoal de confiança - sei que é irrelevante
para ela, mas é meu, e dele, cuido eu. E também não consigo imaginar que alguém
que proponha constituinte exclusiva para fazer reforma política esteja com boa
intenção. Bondade assim, já vi antes na Venezuela, no Equador e na Bolívia.
Ainda não será desta vez que Dilma vai sentir falta do meu mel.
Fonte: "Blog
Reinaldo Azevedo"
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