Fiz
uma ponta no filme interpretando um jornalista 'foca' chamado Peçanha, o qual
falhou na cobertura da chegada do Nobel e descoberta de Pedro Archanjo
Por Tasso Franco
Com a morte de Nelson Pereira dos Santos, lembrei-me de sua passagem por Salvador, em 1975/76,
para produzir o filme "Tenda dos Milagres" baseado na obra de Jorge
Amado, cujo romance editado em 1969 tinha esse mesmo nome.
No romance, Jorge retrata a
chegada a Bahia do prêmio Nobel James Levenson, que provoca o maior alvoroço na
imprensa local. O professor americano vinha em busca de quatro livros que
documentam a formação do povo baiano, de autoria de Pedro Archanjo (interpretado
por Juarez Paraíso), ambientação do começo do século XX, época em que se
passaram as proezas do pobre, pardo, boêmio e mulherengo Archanjo.
Na juventude, diz João José
(historiador) Archanjo conheceu Lídio Corró, um "riscador de milagres", que virou
parceiro na luta contra o preconceito racial e religioso. A Tenda dos Milagres,
no Pelourinho, lugar onde os amigos trabalhavam, era também palco de candomblé
e capoeira de Angola. E os folhetos de literatura popular e os livros de
Archanjo impressos na tipografia da Tenda transformaram-na em uma espécie de
universidade livre da cultura popular.
Bedel da Faculdade de
Medicina da Bahia, Archanjo inspirou-se no convívio com os catedráticos da
instituição e passou a estudar a história do povo baiano. Mas suas teorias, que
valorizavam a miscigenação, despertam o ódio do professor Nilo Argolo, para
quem os mestiços eram "degenerados".
Quando Nelson chegou a Salvador
com sua equipe, em plena ditadura militar, eu era o editor chefe do 'Diário de
Notícias', com sede na rua Carlos Gomes (hoje, Centro Cultural da Caixa), comandando
uma turma de jovens jornalistas que tentavam retirar o 'DN', uma das massas
falidas dos Diários Associados de Assis Chateaubriand, do buraco.
Eu ainda não tinha completado 30
anos de idade e já havia passado pelo 'Jornal da Bahia' e 'Tribuna da Bahia', mas,
aceitei o convite dos irmãos Raw para mudar a cara do 'DN', com uma nova
linguagem e impetuosidade no jornalismo. A oficina do 'DN', onde trabalhava Batatinha, parecia uma 'tenda do demo' com composição a quente, linotipos,
chumbo, fumaça, um horror.
Para entrevistar o prêmio Nobel e
também entrevistar Archanjo, a produção de Nelson (Tizuka Yamasaki) escolheu a
turma do 'DN' e o cenário da redação do jornal, nessa época, em casarão estilo
colonial, máquinas de datilografia velhas, mesas de ferro, janelões e a antiga
sala de Odorico Tavares envidraça. Um belo cenário, natural.
Foi então que conhecemos Nelson
Pereira dos Santos - ele adorou o local - e fui escolhido para ser 'Peçanha', o
jornalista 'foca' que ficou com a missão de entrevistar o Nobel descobrir quem
era o tal do Pedro Archanjo.
Cenas foram filmadas no Hotel da
Bahia, na redação do 'DN' e na Galeria 13, com esse grupo de jornalistas e outros
figurantes. Participaram: Raimundo Machado, Pedro Formigli, Paulo Tavares,
Césio Oliveira, Carlos Navarro, Rino Marconi (depois, fotógrafo de cenas do
filme) turma que já frequentava os bares do Centro Histórico - o Cacique, o
Tabuleiro da Baiana, o Moreira, Tabaris, Cantina da Lua e as boites e bares da
noite, em especial, o Sandoval do Pau da Bandeira com João da Matança, o falido
Tabaris, o Maria da Vovó, Melancia, Cynara, entre outros.
No elenco estavam Hugo Carvana,
Sonia Dias, Anecy Rocha, Juarez Paraíso, Jards Macalé, Nildo Parente, Jofre
Soares, Nilda Spencer, e gente da Bahia como Mirinha do Portão, Luis da
Muriçoca, Jeová de Carvalho, França Teixeira e outros. Uma das músicas do filme
que nunca mais saíram das nossas cabeças foi 'Babá Alapalá', de Gilberto Gil.
Eu já tinha lido o livro e salvo
engano, como era fã de Jorge Amado (ele havia escrito um artigo em 'A Tarde' quando editei meu primeiro livro sobre Serrinha, em 1971) tenho-o autografado.
A produção do "Tenda" foi um
congraçamento, uma união, uma farra permanente no centro de Salvador, em
especial, na Galeria 13 de Deraldo, onde também filmamos e bebíamos (fora da
produção do filme) até tarde da noite.
Nessa época, todas as redações
dos jornais, salvo a 'Tribuna da Bahia', eram no centro. E, até hoje não sei
porque Nelson optou pela redação do 'DN' quando a de 'A Tarde' era mais organizada e
tinha um prédio belíssimo. Ainda se praticava o jornalismo boêmico, já no seus
estertores.
Fizemos uma amizade passageira
com essas pessoas que durou alguns anos. Nós, todos, da imprensa, no entanto,
éramos jornalistas e salvo Wilson Melo, Nilda Spencer e outros que já eram
atores de teatro, seguimos no jornalismo e certamente essa foi a única
experiência cinematográfica. Eu mesmo, 50 anos de jornalismo, nunca participei
de um segundo filme.
São os acasos da vida,
imprevisíveis, gratificantes e que ficam para sempre. Ainda hoje, Carlos
Navarro, só me chama de 'Peçanha' e quando me encontro com Machado (depois foi
meu repórter em 'A Tarde'/politica, anos 1989/90), já beirando os 80 anos de
idade, lembramos do filme.
Também, em tempos idos, quando encontrava com França Teixeira, no Porto Moreira, lembrávamos do filme. França já faleceu, assim como o poeta e advogado Jeová de Carvalho, parceiro de inúmeras farras na Cantina e no Sandoval, com Rêmulo Pastore (já falecido), Rui Espinheira, Agnaldo Azevedo (Siri) - já falecido, assistente do filme - e outros.
Também, em tempos idos, quando encontrava com França Teixeira, no Porto Moreira, lembrávamos do filme. França já faleceu, assim como o poeta e advogado Jeová de Carvalho, parceiro de inúmeras farras na Cantina e no Sandoval, com Rêmulo Pastore (já falecido), Rui Espinheira, Agnaldo Azevedo (Siri) - já falecido, assistente do filme - e outros.
O Centro Histórico ainda não tinha passado por
sua revitalização e a rua Laranjeiras, a parte do Maciel de Baixo, ainda era
povoada de casas de sexo e familiares. Havia uma convivência pacífica e algumas
casas de família tinham uma tabuleta na porta com essa indicação. Era o mundo
amadiano na real, mas, em decadência. O marginal mais famoso dessa época era
Sergipinho, freguês da Cantina.
Uma Salvador onde não havia
assaltos nem se furtavam veículos como hoje e ficava-se no Pelourionho até a
aurora amanhecer. Em Tenda, salvo engano, com Jofre Soares, vimos os sinos da
capela amanhecendo algumas vezes.
O lançamento do "Tenda", em 1977,
foi uma grande festa em Salvador, em especial, para os participantes do filme,
um orgulho imenso. Hoje, passados 43 anos lá se foi Nelson, aos 89 anos de
idade. Muitos dos que participaram do filme também já se foram e estou eu aqui
ainda vivo, nas teclas, contando essa história.
Fonte: http://www.bahiaja.com.br
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