Por Olneyzinho São Paulo
Poxa. Essa semana foi difícil. Cerca pra fazer, pois minha cachorra Thalya tem alguns pretendentes e eu não quero que minha filha se perca por falta de cerca. Melhor eu consertar essa bendita cerca da roça antes que "...um aventureiro lance mão…". Sentei aqui na varanda da frente, com minha mulher, minha cachorra e minha cachaça olhando pro poente. O sol poente aqui na roça é algo de magistral. Desce delineando os mandacarus, as caatingas de porco, os pés de icó e vai formando um horizonte belo e de peculiar recortado. Um horizonte com cheiro de presente que vive ainda no passado, mas deixa espaço para um futuro. Não sei como explicar bem, mas é como se os tempos não existissem, ou melhor, existissem só no presente. Passado e futuro estando reais no presente. Parece maluquice, mas é como se nada existisse como eu aprendi. É como se fosse tudo novo e bonito. Mas isso deve ser o resultado das minhas costas que me queimam a vida. Fazer cerca é danado, mas, mais danado é o cachorrão que cerca minha filhinha Thalinha. É estranho como a gente se projeta nas coisas. Eu aqui olhando o poente e esses postes horríveis na paisagem, me lembram um poema de Ruy Espinheira Filho, Os Canhões de Amaralina, onde em determinado momento do poema ele interroga o porque daqueles canhões na paisagem de Amaralina. Assim são esses postes. O que fazem esses postes no horizonte do poente, do meu poente? por que a luz do sol tem que passar por entre os furos desses horríveis postes? por que a luz tem que cintilar nesses horríveis fios que cortam as poucas nuvens desse meu céu de sertão? As vezes eu realmente não consigo entender o mundo. É tanta coisa estranha que minha cabeça roda como um pião. Não consigo entender nem os postes nem os canhões de Amaralina. Eu também não consigo entender a coisa da dona Dilma. Sim. Falo dona Dilma porque não a conheço, mas parece que era uma menina direita. Parece até que ela foi injustiçada pela malvadeza dos homens. Enfim. Essa menina era uma menina boa e tiraram ela e botaram um bocado de gente ruim que quer fazer mal pra toda a gente. Depois prenderam um presidente do Brasil que fez muito pelos pobres. É... eu sei... ninguém faz nada pelos pobres, mas dizem que ele fez. E isso não sou eu quem diz. Eu… Eu só olho e me perco. Nem sei mais onde devo olhar. Não sei mais de nada. Ainda bem que o sol "nasce ainda no poente e morre no nascente". Pelo menos é assim que eu quero que seja agora. Assim me desintegro nesse momento "histérico" que vivemos, o qual não sei entender. Quando o meu avô nasceu, parece que foi em 1912, Hermes da Fonseca inventava um Estado Burguês no Brasil, moldado e cravado para o futuro. O meu pai nasceu em 1936. Dia 7 de agosto de 1936. Um ano depois da Intentona Comunista. Getúlio semeava o terror nessas Terras Brasilis. Eu nasci no último instante do último dia de 1961. Quando nasci já era o primeiro segundo de 1962. Meu presidente era Goulart e um mês antes de eu nascer ele restabelece relações diplomáticas com a União Soviética de Nikita Kruschev. Acho que eram uns caras legais. Eu não sei. Aliás… não sei de nada. Ainda no mesmo ano que eu nasci teve um problema com um negócio de mísseis. Acho que queriam colocar uns foguetes em Cuba e aí deu problema. Engraçado que um ano antes o tal do Kennedy tentou algo na Baía dos Porcos em Cuba e se deu mal. O povo foi junto a Fidel defender sua ilha e parece que o Brasil apoiou a Ilha. Bom… Acho que esses caras eram uns caras legais. Talvez não o Kennedy. Enfim. Depois de mim, meus irmãos nasceram. O Ilya em 13 de setembro de 1963. Parece que nesse ano o povo brasileiro aclamou em plebiscito João Goulart, o Jango como presidente. Algumas pessoas não queriam ele como presidente, mas o povo sim e restabeleceu o presidencialismo com Jango. Depois, em 26 de outubro de 1964 nascia o Irving, meu outro irmão. Poxa… Outubro de 1964 a barra já pesava e anunciava maus ventos. Cara amaldiçoado por nascer em 1964. Nem tanto? Só foi e pra caramba! Morreu cedo e de desgraça arquetipicamente matada, mas enfim, apesar de suas dores ele deixou a pata dele no Brasil. Um bocado de gente lembra e gosta dele. Só sei que o tempo foi passando e tudo ficando muito difícil. Houve um tempo onde as coisas eram muito duras mesmo. Mas quero apenas lembrar de minha lembrança de menino. Não quero interpretar. Quero lembrar, mas é duro lembrar das circunstâncias num Estado de Exceção. Houve muita crueldade e tristeza. Todos estavam muito traumatizados. Foi muito duro que nem lembro mais lembrar. Sei que fizeram mal para o meu pai. Fizeram muita maldade com ele e com muitos amigos dele e com muitas outras pessoas que nem eram amigas dele. E ele nem tinha feito nada. Só um filme. Um filme bacana. Todo o mundo gosta desse filme. Mas fizeram bastante malvadezas com ele. Minha mãe sofreu muito e teve que brigar com os policiais para nos proteger enquanto nosso pai estava preso. Foi muito triste isso. E fez muito mal pra eles, nossos pais. Isso eu lembro bem. Eles eram bem sofridos nessa época. Foi muito longo esse período. Eles tentavam de tudo ver novamente a felicidade, como eu aqui na roça olhando o pôr do Sol, mas era muito difícil o sol varar a cortina de dor que fechava o horizonte deles. Aí eu fico pensando. Os fios elétricos no meu poente atrapalham mas o sol passa pelos postes. O sol passa e contorna esses fios. O sol mesmo com os postes faz de meu poente uma vida melhor. E assim foi nesses tempos sofridos. No inverno desse tempo que durou muito, chegou um pouco de primavera, assim como os raios do poente entre os furos dos postes. Normalmente no Brasil ela, a primavera, chega por volta de 20 de março, mas mesmo com o assassinato de Lamarca e já com três anos de AI-5 e muita, mas muita maldade mesmo, nesse ano ela chegou em maio. Dia 11 de maio chegou a primavera nos corações da família São Paulo. Um sorriso lindo brotou nos rostos de meus pais, nos nossos rostos. Um sorriso de esperança, de amor. Um sorriso sereno nos sorrisos de seus padrinhos, Dunga e Conceiça de Frutas. Um sorriso de roupas brancas com cheiro de sol e malva, como meu pôr do sol. Neste 11 de maio, chega no meu coração de poucos anos, o poder da primavera, o encanto do renascer. Nesse dia eu me descobri como homem feito para um outro, apesar de ainda menino. E fala de uma princesa. Fala de uma alegria, fala de um sorriso. Ela era tão linda. Tão tranquila, tão desapercebida do mundo horrível onde chegava. O mundo tão ruim para quem, seus olhinhos pretos (OLHÕES ENORMES) e grandes bochechas só faziam sorrir, como se a malvadeza dos homens não existisse. Grandes olhos e grandes bochechas enfrentando a barbárie com a tranquilidade da inocência, como três anos mais tarde, talvez inspirados nesse momento nosso, em Portugal, cairá Salazar com o poder do amor. Nesse 11 de maio, um sorriso nasceu na rua Cristovão Barcelos em Laranjeiras, nossa
Poxa. Essa semana foi difícil. Cerca pra fazer, pois minha cachorra Thalya tem alguns pretendentes e eu não quero que minha filha se perca por falta de cerca. Melhor eu consertar essa bendita cerca da roça antes que "...um aventureiro lance mão…". Sentei aqui na varanda da frente, com minha mulher, minha cachorra e minha cachaça olhando pro poente. O sol poente aqui na roça é algo de magistral. Desce delineando os mandacarus, as caatingas de porco, os pés de icó e vai formando um horizonte belo e de peculiar recortado. Um horizonte com cheiro de presente que vive ainda no passado, mas deixa espaço para um futuro. Não sei como explicar bem, mas é como se os tempos não existissem, ou melhor, existissem só no presente. Passado e futuro estando reais no presente. Parece maluquice, mas é como se nada existisse como eu aprendi. É como se fosse tudo novo e bonito. Mas isso deve ser o resultado das minhas costas que me queimam a vida. Fazer cerca é danado, mas, mais danado é o cachorrão que cerca minha filhinha Thalinha. É estranho como a gente se projeta nas coisas. Eu aqui olhando o poente e esses postes horríveis na paisagem, me lembram um poema de Ruy Espinheira Filho, Os Canhões de Amaralina, onde em determinado momento do poema ele interroga o porque daqueles canhões na paisagem de Amaralina. Assim são esses postes. O que fazem esses postes no horizonte do poente, do meu poente? por que a luz do sol tem que passar por entre os furos desses horríveis postes? por que a luz tem que cintilar nesses horríveis fios que cortam as poucas nuvens desse meu céu de sertão? As vezes eu realmente não consigo entender o mundo. É tanta coisa estranha que minha cabeça roda como um pião. Não consigo entender nem os postes nem os canhões de Amaralina. Eu também não consigo entender a coisa da dona Dilma. Sim. Falo dona Dilma porque não a conheço, mas parece que era uma menina direita. Parece até que ela foi injustiçada pela malvadeza dos homens. Enfim. Essa menina era uma menina boa e tiraram ela e botaram um bocado de gente ruim que quer fazer mal pra toda a gente. Depois prenderam um presidente do Brasil que fez muito pelos pobres. É... eu sei... ninguém faz nada pelos pobres, mas dizem que ele fez. E isso não sou eu quem diz. Eu… Eu só olho e me perco. Nem sei mais onde devo olhar. Não sei mais de nada. Ainda bem que o sol "nasce ainda no poente e morre no nascente". Pelo menos é assim que eu quero que seja agora. Assim me desintegro nesse momento "histérico" que vivemos, o qual não sei entender. Quando o meu avô nasceu, parece que foi em 1912, Hermes da Fonseca inventava um Estado Burguês no Brasil, moldado e cravado para o futuro. O meu pai nasceu em 1936. Dia 7 de agosto de 1936. Um ano depois da Intentona Comunista. Getúlio semeava o terror nessas Terras Brasilis. Eu nasci no último instante do último dia de 1961. Quando nasci já era o primeiro segundo de 1962. Meu presidente era Goulart e um mês antes de eu nascer ele restabelece relações diplomáticas com a União Soviética de Nikita Kruschev. Acho que eram uns caras legais. Eu não sei. Aliás… não sei de nada. Ainda no mesmo ano que eu nasci teve um problema com um negócio de mísseis. Acho que queriam colocar uns foguetes em Cuba e aí deu problema. Engraçado que um ano antes o tal do Kennedy tentou algo na Baía dos Porcos em Cuba e se deu mal. O povo foi junto a Fidel defender sua ilha e parece que o Brasil apoiou a Ilha. Bom… Acho que esses caras eram uns caras legais. Talvez não o Kennedy. Enfim. Depois de mim, meus irmãos nasceram. O Ilya em 13 de setembro de 1963. Parece que nesse ano o povo brasileiro aclamou em plebiscito João Goulart, o Jango como presidente. Algumas pessoas não queriam ele como presidente, mas o povo sim e restabeleceu o presidencialismo com Jango. Depois, em 26 de outubro de 1964 nascia o Irving, meu outro irmão. Poxa… Outubro de 1964 a barra já pesava e anunciava maus ventos. Cara amaldiçoado por nascer em 1964. Nem tanto? Só foi e pra caramba! Morreu cedo e de desgraça arquetipicamente matada, mas enfim, apesar de suas dores ele deixou a pata dele no Brasil. Um bocado de gente lembra e gosta dele. Só sei que o tempo foi passando e tudo ficando muito difícil. Houve um tempo onde as coisas eram muito duras mesmo. Mas quero apenas lembrar de minha lembrança de menino. Não quero interpretar. Quero lembrar, mas é duro lembrar das circunstâncias num Estado de Exceção. Houve muita crueldade e tristeza. Todos estavam muito traumatizados. Foi muito duro que nem lembro mais lembrar. Sei que fizeram mal para o meu pai. Fizeram muita maldade com ele e com muitos amigos dele e com muitas outras pessoas que nem eram amigas dele. E ele nem tinha feito nada. Só um filme. Um filme bacana. Todo o mundo gosta desse filme. Mas fizeram bastante malvadezas com ele. Minha mãe sofreu muito e teve que brigar com os policiais para nos proteger enquanto nosso pai estava preso. Foi muito triste isso. E fez muito mal pra eles, nossos pais. Isso eu lembro bem. Eles eram bem sofridos nessa época. Foi muito longo esse período. Eles tentavam de tudo ver novamente a felicidade, como eu aqui na roça olhando o pôr do Sol, mas era muito difícil o sol varar a cortina de dor que fechava o horizonte deles. Aí eu fico pensando. Os fios elétricos no meu poente atrapalham mas o sol passa pelos postes. O sol passa e contorna esses fios. O sol mesmo com os postes faz de meu poente uma vida melhor. E assim foi nesses tempos sofridos. No inverno desse tempo que durou muito, chegou um pouco de primavera, assim como os raios do poente entre os furos dos postes. Normalmente no Brasil ela, a primavera, chega por volta de 20 de março, mas mesmo com o assassinato de Lamarca e já com três anos de AI-5 e muita, mas muita maldade mesmo, nesse ano ela chegou em maio. Dia 11 de maio chegou a primavera nos corações da família São Paulo. Um sorriso lindo brotou nos rostos de meus pais, nos nossos rostos. Um sorriso de esperança, de amor. Um sorriso sereno nos sorrisos de seus padrinhos, Dunga e Conceiça de Frutas. Um sorriso de roupas brancas com cheiro de sol e malva, como meu pôr do sol. Neste 11 de maio, chega no meu coração de poucos anos, o poder da primavera, o encanto do renascer. Nesse dia eu me descobri como homem feito para um outro, apesar de ainda menino. E fala de uma princesa. Fala de uma alegria, fala de um sorriso. Ela era tão linda. Tão tranquila, tão desapercebida do mundo horrível onde chegava. O mundo tão ruim para quem, seus olhinhos pretos (OLHÕES ENORMES) e grandes bochechas só faziam sorrir, como se a malvadeza dos homens não existisse. Grandes olhos e grandes bochechas enfrentando a barbárie com a tranquilidade da inocência, como três anos mais tarde, talvez inspirados nesse momento nosso, em Portugal, cairá Salazar com o poder do amor. Nesse 11 de maio, um sorriso nasceu na rua Cristovão Barcelos em Laranjeiras, nossa
Grândola, Vila Morena. Muita gente renasceu de seus martírios, muita dor passou a ser mais branda, Um mundo nasceu, novo, belo e cheio de esperanças. No coração do Rio de Janeiro, nasceu Maria Pilar e com ela, os
aniversários da Pilar.
Eu te amo filha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário