No caso da espionagem dos
EUA, a combinação da indignação com a inação já compromete a seriedade da cena.
Dilma Rousseff vive a terceira onda de indignação. Dessa vez, indignou-se com a
notícia de que foi alvo direto da bisbilhotagem americana. O problema é que o
governo da doutora reage como o sujeito que prometeu quebrar a cara do outro e,
depois de dois meses, ainda não levantou da cadeira.
Duas coisas já estão
entendidas: 1) os EUA espionam e não têm a menor intenção de parar de fazer
isso. 2) o Brasil, por inepto, continuará sendo um bisbilhotado indefeso. O
país não dispõe nem de satélite próprio. Ainda que quisesse, não conseguiria
desativar as escutas. Portanto, a "indignação" deve ser vista como o que
realmente é: um teatro. Mas o governo não precisava transformar tragédia em
comédia.
O novo chanceler Luiz
Alberto Figueiredo convocou novamente o embaixador americano em Brasília,
Thomaz Shanonn. Exigiu explicações. Dessa vez, "por escrito". O ministro José
Eduardo Cardozo (Justiça) informou que Brasília vai "aguardar a explicação
norte-americana" antes de anunciar as providências que irá adotar. A reiteração
do pedido de esclarecimentos é praxe acadêmica. Mas o governo já flerta com o
ridículo.
Os repórteres perguntaram
se Dilma vai cancelar a viagem a Washington, marcada para outubro? E
Figueiredo: "Não vou comentar sobre a viagem porque hoje o tema não é viagem."
Heimmmm?!? A hora não é de desconversa, mas de afirmação. Recolhendo os punhos
de renda, o chanceler poderia ter dito algo assim: "É evidente que, diante de
respostas insatisfatórias, o cancelamento da viagem da presidente entra na
pauta."
Figueiredo ficaria ainda
melhor na fita se jogasse outras duas cartas sobre a mesa. Numa, brandiria a
hipótese de mandar de volta para os EUA os espiões que operam na embaixada de
Brasília sob disfarce diplomático. Noutra, aventaria a possibilidade de
devolver a Washington o próprio embaixador Shanonn, forçando o companheiro
Barack a nomear um substituto mais crível.
Vale a pena recordar: em 7
de julho, Dilma e o então chanceler Antonio Patriota já haviam ficado "indignados" com a revelação de que a NSA, a agência de segurança dos EUA,
bisbilhota as comunicações nacionais. Convocado, o embaixador Shanonn dissera
que são perscrutados apenas os "metadados", não o conteúdo das comunicações.
Seis dias depois, de
passagem por Brasília, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, levara o
lero-lero do embaixador às fronteiras do paroxismo. Em encontros com Dilma e
Patriota, Kerry respondera à "indignação" de ambos com a afirmação de que
Washington não abre mão de xeretar as comunicações alheias.
Falando aos jornalista do
lado de Patriota, Kerry soara assim: "Vamos continuar tendo esse diálogo para
ter certeza de que seu governo entenda perfeitamente e esteja de acordo com o
que precisamos fazer para garantir a segurança não apenas para
norte-americanos, mas para brasileiros e pessoas no mundo."
Traduzindo: em matéria de
espionagem, a Casa Branca acha que tem uma missão no mundo. E espera dos outros
países que compreendam que essa missão, de inspiração divina, é inquestionável.
O Planalto e o Itamaraty continuaram "indignados".
Decorridos mais 35 dias, a
polícia inglesa deteve por nove horas no aeroporto de Heathrow o brasileiro
David Miranda. Fez isso com o conhecimento do governo dos EUA. Companheiro do
jornalista americano que divulgou os documentos secretos vazados da NSA, David
vinha de Berlim. Após a escala, voaria para o Rio.
David carregava uma nova
remessa de dados do arsenal de Edward Snowden, o funcionário terceirizado da
CIA que estourou o aparelho de espionagem americano. Confiscaram-lhe o celular,
o pendrive e a máquina fotográfica. Retornou para o Brasil de mãos abanando.
Em novo surto de "indignação", o governo da presidenta
falou pela boca do ministro Patriota: a detenção imotivada de cidadão
brasileiro “não é justificável”. E a embaixada da Grã-Bretanha: o assunto pode
ser debatido, mas “continua sendo uma questão operacional da Polícia
Metropolitana de Londres”.
Na semana passada, uma
missão chefiada pelo ministro Cardozo reuniu-se em Washington com o
vice-presidente americano Joe Biden. Falaram sobre espionagem. A certa altura,
Cardozo sugeriu que, em casos de perseguição a criminosos, os EUA deveriam
requerer ao Judiciário brasileiro a interceptação das comunicações dos
suspeitos. Nada feito, respondeu Biden.
Cardozo retornou a Brasília
na sexta-feira. Menos de 48 horas depois, estava reunido com Dilma no Alvorada
para debater a penúltima novidade: o papelório secreto vazado por Edward
Snowden revela que Dilma e seus auxiliares foram alvos diretos da máquina espiã
dos EUA. No limite, o próprio ministro da Justiça pode ter sido lido ou
escutado. Pela terceira vez, Dilma ficou "indignada".
De diferente na cena,
apenas a fisionomia de Figueiredo. O substituto de Patriota reconvocou o
embaixador Thomaz Shanonn - aquele mesmo personagem que, em julho, informara ao
Itamaraty que a NSA só farejava "metadados". "Eu prefiro o exercício do
contraditório antes de expressar juízo definitivo de valor", contemporizou o
ministro Cardozo. "O que afirmo é: se confirmados os fatos, isto revelará uma
violação inaceitável, inadmissível de nossa soberania." Mas isso já não estava
entendido?
Conhecida por deixar sem
voz os subordinados que a contrariam, Dilma frequenta o palco da controvérsia
com os EUA com um pavio quilométrico. Ou migra rapidamente da "indignação" para
a ação ou a comédia vai ficar sem graça.
Fonte: "Blog do Josias"
Nenhum comentário:
Postar um comentário