Por Reinaldo Azevedo
Em artigo publicado no Globo neste domingo, o "new kid on the
black bloc" Caetano Veloso tenta se explicar. Sugere que a foto para a qual
posou, com um pano preto na cara, foi posta na rede à sua revelia. Parece que
ele também teria sido enganado pela turma de Pablo Capilé. Acho que, nesse caso
ao menos, Capilé é inocente. O texto é um daqueles primores de que ele é capaz,
vazado numa linguagem caudalosa, porém ancorada no "cogito interruptus". Volto
a ele mais tarde para cobrar, como leitor, que desenvolva algumas ideias - se
possível, no plano terreno. De toda sorte, noto que realizou seu intento:
conseguiu ser notícia. Divirtam-se. Ah, sim: ele diz não ter ainda a certeza se
é ou não anticapitalista. Pelo visto, está pensando no assunto. As alternativas
existentes, como Cuba e Coreia do Norte, certamente o ajudarão a fazer uma
escolha. Que bom!
Caetano precisa logo deixar claro a seus patrocinadores se acata o
capitalismo (ainda que de face humana, é lógico!) ou incita os black blocs a
depredar agências bancárias, por exemplo, uma vez que, segundo diz, eles "fazem
parte" (não fica claro do quê…). O texto que está no site do jornal segue
conforme vai abaixo, com aquele estranho começo. E a gente fica sabendo até que
ele comeu sashimi. Engraçado… Black bloc, pra mim, remete mais a carne
sangrando. Não adianta agora tentar tirar o corpo fora sem um pedido de
desculpas. Caetano se tornou, quando menos, corresponsável moral pelo grotesco
espetáculo de violência patrocinado pelos black blocs, especialmente no Rio. Na
Alemanha pré-nazista (estamos longe disso; só vou ao limite para que fique bem
claro do que se trata), ninguém que quisesse paz dava piscadelas aos
baderneiros de Ernst Röhm. Era tão claro o que ele queria que ninguém
poderia reivindicar o benefício da ignorância. O texto de Caetano Black Bloc
suscita outras questões. Ficarão para outro post. Acredito que o tenha escrito
para provocar o debate. Eu cumpro a sua expectativa.
*
Um dia aventuroso
Agora vejo aqui que eles puseram a foto na rede e logo alguém tuitou
que sou oportunista e incito a violência. Não. Entendo que Black Bloc faz
parte. Mas nem anticapitalista convicto eu sou. E quero paz.
Nossa carta pedia a atenção do secretário para a necessidade de um
protocolo de ação da polícia durante as manifestações. Na conversa com ele,
reiteramos a necessidade do esclarecimento do que ocorreu com Amarildo;
quisemos entender por que a polícia, que atirara gás e balas de borracha na
multidão que se aproximava da casa de Cabral na Praia do Leblon, sumiu quando
poucas dezenas depredavam bancos e lojas na Ataulfo de Paiva; sugerimos o
abandono do uso de balas de borracha; exigimos que pessoas imobilizadas não
mais fossem vistas apanhando. O secretário é mais inteligente se tem tempo para
desenvolver suas ideias do que parece ser nos poucos segundos em que o vemos na
TV. E ele parece sincero. Mais do que tudo, expõe as enormes dificuldades que
enfrentará quem tente fazer a polícia passar para um patamar diferente daquele
em que está há séculos. As UPPs, grande trunfo do governo estadual, são obra
sua. Todos os que foram falar-lhe reconhecem quão importante é o que elas
esboçam. Dói em todos que elas estejam com o prestígio ameaçado. Uma profunda
necessidade de Waismann nos havia levado ali. Ele precisa que as manifestações
sejam pacíficas: descobriu que a violência não é arma eficaz. O 7 de Setembro
vinha sendo anunciado como um dia de grandes demonstrações. Muito poderá ter se
definido nesse dia.
Estou escrevendo ao chegar em casa, de volta, não da secretaria, mas
do apê da turma da Mídia Ninja. É que Sidney queria falar com alguém que
estivesse mais perto dos manifestantes. Saímos da Central, ele, Olga Bronstein,
Yvonne Maggie e eu, de metrô, rumo à Zona Sul. Paramos no Largo do Machado,
elas seguiram de táxi, e nós dois fomos comer sashimi. Sidney estava certo de
que havia uma reunião da Mídia Ninja na UFRJ e me arrastou com ele. Chegamos ao
enorme prédio da universidade e ninguém sabia nos dizer onde se dava a tal
reunião. Numa portaria indicada, o porteiro fez umas ligações para descobrir.
Daí apareceu uma moça, bonita e elegante em sua simplicidade, e nos disse que
Carioca estava num apartamento ali em frente. Sidney ainda perguntou se a
reunião era lá. Não era "a" reunião, mas eles estavam lá e queriam falar
conosco. Andamos com ela. Carioca nos encontrou na faixa de travessia de
pedestre. Muito doce, ele foi conversando até entrarmos no apê. Tudo muito
limpo e alegre. Contava que um membro do Black Bloc tinha ido à reunião da
véspera e que os aconselhara a não sair no dia 7. Eles, blocs, iam, mas os
outros não deviam ir. Perguntei se isso seria uma ameaça. Não parecia, ele
disse. Contava mais para mostrar como os discursos dos manifestantes têm sido
variados. Repetia sempre a palavra querida dos Fora do Eixo: "narrativa". Mas a
conversa dele era boa. Ele explicava o sentido de certos atos violentos, mas
entendia os argumentos de Sidney. Um outro rapaz e uma outra moça estavam na
sala quando chegamos. Já no meio do papo chegou uma terceira. Só a menina que nos
levou até eles não é moradora. Nem mesmo ninja. Ela é da Maré e vive em Parada
de Lucas. Diz que prefere ação a palavras. Mas fala muito bem. Desiludiu-se com
as UPPs, nas quais tinha posto fé no início. Mas conta que o pai, morador da
Maré, é defensor da inovação de Beltrame. Essa conversa foi muito reveladora da
alma do Rio neste momento. Antes disso, os ninjas me pediram para gravar uma
fala sobre a proibição do uso de máscaras. Eu sou apenas um velho baiano mas
moro aqui há muitos anos e acho que proibir máscaras numa cidade como o Rio é
violência simbólica. E sugeri que no dia 7 todos saíssem com máscaras,
respondendo com beleza e sem violência. Daí eles me pediram para posar com uma
camiseta preta atada ao rosto para eles mostrarem a Emma, que, segundo eles,
gostou do meu texto sobre ela. Agora vejo aqui que eles puseram a foto na rede
e logo alguém tuitou que sou oportunista e incito a violência. Não. Entendo que
Black Bloc faz parte. Mas nem anticapitalista convicto eu sou. E quero paz.
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
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