A
palavra mais odienta a ser pronunciada no país ainda é "capitalismo". Este
sistema de iniciativa privada, sem controle estatal da economia, foi o sistema
que mais enriqueceu os pobres - na análise
de Thomas Sowell, se um americano hoje nasce entre os 20% mais pobres,
ele tem mais chances de terminar a vida entre os 20% mais ricos do que
continuar entre os mais pobres. Todavia, sempre que for citado, deve ser "admitido" a contragosto, como alguém espiando a esposa do amigo: "é, o
capitalismo até deu uma vencida no comuno-fascismo, sim…"
O
intelectual de esquerda Vladimir Safatle (este estranho conceito do que a
esquerda chama de "intelectual"), ao criticar a democracia durante o movimento Occupy
Wall Street, é taxativo: "a democracia parlamentar é incapaz de impor
limites e resistir aos interesses do sistema financeiro". Ou seja, a
democracia, como diz Slavoj Žižek, é o problema, e o que a esquerda quer, mesmo sabendo que
o capitalismo é melhor, é impedir trocas comerciais e financeiras livremente.
A
esquerda, que já transitou de Rousseau e Karl Marx a Marcuse e Pol-Pot, é
pródiga em se reinventar para se livrar de termos que, historicamente,
demonstraram seu caráter totalitário e miserável. Apenas dos termos, e não do
conteúdo, claro. Basta ver como partidos de extrema-esquerda com nítida
inspiração trotskysta (PSTU, PSOL, PCO) ou mesmo flertes pouco disfarçados com
o stalinismo (PCB, PCdoB) não usam a palavra "comunismo", hoje
consabidamente mais assassino do que o nazismo. A própria presidente Dilma
Rousseff, em campanha, numa entrevista
a José Luiz Datena (que tem quadros de Che Guevara em sua casa), fala
esquisitamente que lutava por uma sociedade "socialista, e não comunista", como
se isso fizesse sentido.
A
esquerda, reinventada hoje sob a égide do "progressismo", é ainda o mesmo
movimento (talvez o único movimento no Ocidente com continuidade histórica,
reconhecimento de seus líderes passados e com o mesmo projeto futuro), tanto é
que seu lado mais "democrata", como o da presidente Dilma Rousseff, nunca rompe
seus laços de amizade com ditaduras decrépitas do meio da Guerra Fria, como o
totalitarismo de Cuba, uma das ditaduras mais longevas do planeta, causadora da
morte de cerca de 100 mil pessoas em mais de meio século.
Não
há nenhuma ruptura, nenhum "progresso", nenhuma mudança nessa seara: o PT
continua com seus laços socialistas no Foro de São Paulo (expulsando
a imprensa que não concorde obedientemente com as atas), continua fazendo
parte do mesmo projeto de poder transcontinental, continua acreditando no sonho
cubano. No máximo, seus quadros mais abertamente socialistas (vide José Dirceu,
Aldo Rebelo, Tarso Genro, Celso Amorim, Maria do Rosário etc) não ficam mais no
Executivo central, aquele que precisa ganhar eleições com marketing.
Quem
não se lembra de Lula
defendendo o socialismo? Que tal a propaganda
partidária venezuelana que Lula fez para o proto-ditador Nicolás Maduro? E
do PCdoB, principal partido aliado da base governista do PT, declarando
seu apoio (?!) ao ditador da Coréia do Norte Kim Jong-un? Que tal Lula
chamando o trânsfuga Muammar Kadafi de "meu
amigo, meu irmão, meu líder" (sic),
sem que nenhuma voz na imprensa cobrasse um pronunciamento de Lula após o
próprio povo se rebelar contra o "grande líder" totalitário? Por que os setores "progressistas" defendem o totalitário homofóbico Mahmoud Ahmadinejad e as
feministas, durante a campanha para eleger Dilma, se
calam sobre este mesmo ditador matar mulheres "adúlteras" (por "traírem"
maridos mortos) à morte por apedrejamento, senão por um continuísmo
histórico, que sabe que o PT nasce do socialismo, e seu objetivo final ainda é
o mesmo, numa continuidade
histórica?
Quando
o governo socialista de Dilma Rousseff importa médicos, ninguém se escandaliza.
Pessoas, numa sociedade livre, são livres para trabalhar onde bem quiserem.
Analistas políticos do Brasil, por exemplo, devem ser livres para trabalhar
diretamente da Suíça, sendo financiados para tal, abanados e tendo cotas de
Ovomaltine suíço quentinho todo dia. Apenas se surpreendeu quando os médicos que vieram ao
Brasil não-livremente
foram médicos cubanos.
O
discurso unificado "progressista" funciona como uma seita: todos devem pensar o
mesmo. Para tal, veículos de comunicação, reproduzindo a ladainha oficial (a
hegemonia faz com que, cada vez mais, imprensa
e governo se imiscuam), lança o chamado dog whistle: o apito que faz só a militância ouvir, e
que faz com que todas as críticas ao governo sejam respondidas
em uníssono de uma mesma maneira. Como se viu nas redes sociais nos últimos
dias, todas as críticas à importação de médicos cubanos foi pechada de "racista",
sem que nenhum progressista pensasse o mesmo quando a blogueira
cubana dissidente Yoani Sánchez foi até agredida
no aeroporto por estes mesmos que hoje enaltecem o tráfico humano do
governo petista.
Ninguém
criticou médicos cubanos, e
sim o ato do governo de importá-los. Pior: importá-los como gado, como
mercadoria que pertence a uma ditadura
totalitária que ficará com 3/4 do seu salário, não liberará seus
passaportes, não lhes permitirá conversar com a imprensa e, caso queiram
trabalhar livremente no país, como todo ser
humano pode depois de trabalhar num país, será impedido por um
acordo ditatorial entre Cuba e o PT, que lhes nega asilo político já de cara.
Mas
essas esquisitices que só acontecem com os médicos cubanos (ninguém ouviu sobre
algum modelo de gestão humana parecido a respeito de médicos portugueses,
espanhóis ou bolivianos) são vistas apenas como um desvio, um acidente de percurso pelo fato
de Cuba ser uma ditadura (e culpa-se sempre a América por isso, como se a culpa
da ditadura norte-coreana também fosse… do Ocidente). São analisadas como notas
de rodapé que ninguém lê antes de assinar.
Na
verdade, não é um acidente no projeto "progressista", e sim sua
consubstanciação mais inescapável. Os progressistas, que odeiam o mercado
("imperialista" e "desigual", embora queiram acabar com o embargo comercial a
Cuba para salvá-la da miséria que é viver sem mercado, sem perceber a
contradição), não podem suportar
a ideia de que as pessoas trabalhem para quem quiserem, que circulem livremente
(basta pensar em Cuba, ou no Muro de Berlim, quando não há um mar de tubarões
ao redor), que ajam por seus próprios desejos individuais, ao invés de
subordiná-los à força estatal.
Como
o progressista quer uma sociedade programa, centralizada, dirigida, com um
projeto único a ser obedecido, sem liberdade de ação autônoma para fora do que
foi previamente mandado, é uma consequência óbvia de que é a favor da
estatização completa não apenas da economia, mas da própria vida humana - que perde seu poder de
livre associação, sendo obrigada, sempre, a só obedecer
ao Estado.
É
assim que o progressista acaba com as variações do mercado, com
a "desigualdade", com o desemprego - no dizer de P. J. O'Rourke, a Constituição soviética garante a todos um emprego.
Uma ideia bastante assustadora, eu diria. Se essa sociedade
planejada "para o bem de todos" não pode conter "acidentes", desigualdade,
concentração, exploração e outras palavras
de forte apelo emocional, mas que só mascaram a realidade com uma
interpretação insana, esses médicos que vieram para cá, fazendo teatrinho já no
aeroporto (como descer de jaleco e estetoscópio no pescoço depois de uma viagem
transcontinental), é insofismável que essas pessoas poderão apenas trabalhar
para o Estado. E para quem o Estado original, o dono de sua força de trabalho, permitir.
Se
há a possibilidade de livre associação em uma sociedade liberal, os médicos
cubanos são a prova de que, na sociedade "progressista", há a hierarquia, o
controle, a disciplina e a obediência. O trabalho de médicos que serão
obrigados a mais-valiar para a ditadura cubana, sem direito a ter por aqui
uma vida normal, que todo
progressista que elogia o ato do governo tem, é prova de que a escravidão é o
destino dessa sociedade com política e economia "planejada" e estatal.
Fonte: "Implicante"
Nenhum comentário:
Postar um comentário