O filósofo que quer salvar
você da estultice
Entrevista com Olavo de Carvalho
Por Marco Rodrigo Almeida
RESUMO Novo livro de Olavo de Carvalho,
que reúne ensaios publicados em jornais e revistas, tornou-se um best-seller
quase instantâneo. Em entrevista, o filósofo radicado nos EUA analisa
criticamente tanto a esquerda brasileira como uma parte da "direita
nascente", que ele diz serem formadas e formadoras de idiotas.
O mínimo que todo mundo
precisa saber para não ser um idiota não é tão mínimo assim. Ao menos na visão
de Olavo de Carvalho, ela engloba quase 200 textos, espalhados por 616 páginas.
Abarca uma miríade de temas - como história, democracia, religião, ciência,
linguagem, educação, guerra (mas não só). Todo esse material, publicado
originalmente pelo filósofo em jornais e revistas entre 1997 e 2013, é agora
reunido em "O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Ser um Idiota"
[Record; 616 págs.; R$ 51,90].
Felipe Moura Brasil foi
responsável pela seleção do material. "E agora o reparto com você, leitor,
na esperança de que também se afaste da condição de bichinho e se eleve à
altura dos anjos", escreve o jornalista na empolgada apresentação do
volume.
Apontar um idiota,
reconhece o livro, é tarefa fácil. Mais difícil é não sê-lo, nem fazer papel de
um. Na nada modesta cruzada de livrar o leitor de toda forma de idiotice, o
volume elege como alvo principal o pensamento de esquerda que considera
hegemônico no país.
Dispara contra políticos e
intelectuais (também sobra munição para a "direita nascente"),
artistas, o MST, o movimento gay e as recentes manifestações no país. O autor
destas parcas linhas também leva seu quinhão de farpas.
Olavo de Carvalho é um dos
principais representantes do pensamento conservador no Brasil. Publicou
diversos livros ("O Imbecil Coletivo", "O Futuro do Pensamento
Brasileiro") e criou o site "Mídia Sem Máscara" (www.midia semmascara.org).
Seus textos e aulas on-line
têm conquistado um público fiel ao longo dos anos. O novo livro vendeu em
apenas uma semana, segundo a editora Record, 10 mil exemplares. Dos Estados
Unidos, onde vive desde 2005, Olavo de Carvalho concedeu à Folha a
seguinte entrevista por e-mail.
Folha - O título do
livro é um tanto provocativo, até mesmo para atrair o leitor. Mas não seria
pouco filosófico chamar de "idiota" quem não compartilha certas
ideias?
Olavo de Carvalho - Ninguém é ali chamado de idiota
por "não compartilhar certas ideias", e sim por pretender julgar o
que não conhece, por ignorar informações elementares indispensáveis e
obrigatórias na sua própria área de estudo ou de atuação intelectual.
Nesse sentido, creio ter
demonstrado meticulosamente, neste e em outros livros, que alguns dos
principais líderes intelectuais da esquerda brasileira, assim como uns quantos
da direita nascente, são realmente idiotas e fabricantes de idiotas.
O sr. comenta que a
normalidade democrática é a concorrência "efetiva, livre, aberta, legal e
ordenada" entre direita e esquerda. Mas também que todo esquerdista é
"mau, sem exceção". Como é possível equilibrar esses dois aspectos?
Depende do que você chama
de esquerda. Há uma esquerda que aceita concorrer democraticamente com a
direita, sair do poder quando perde as eleições e continuar disputando cargos
normalmente sem quebrar as regras do jogo. O Partido Trabalhista inglês é
assim. Nosso antigo PTB era assim. Disputavam o poder, mas sabiam que, sem uma
oposição de direita, perderiam sua razão de ser.
Há uma segunda esquerda que
deseja suprimir a direita pela matança dos seus representantes reais ou
imaginários. Esta governa Cuba, a China, a Coreia do Norte etc., assim como
governou a URSS e os países satélites.
Há uma terceira esquerda
que, aliada da segunda, diverge dela em estratégia: pretende conquistar
primeiro a hegemonia, de modo que, nos termos de Antonio Gramsci, o seu partido
se torne "um poder onipresente e invisível, como um mandamento divino ou
um imperativo categórico"; e, em seguida, tendo controlado a sociedade por
completo, apossar-se do Estado quando já não haja nem mesmo a possibilidade
remota de uma oposição de direita. Só aí virá um toque de violência, para dar
acabamento à obra-prima.
A existência da primeira
esquerda é essencial ao processo democrático. A segunda e a terceira devem ser
expulsas da política e dos canais de cultura porque sua essência mesma é a
supressão de todas as oposições pela violência ou pela fraude e porque se
infiltram na primeira esquerda, corrompendo-a e prostituindo-a.
Ninguém pode apoiar esse
tipo de esquerda por "boa intenção". Você já viu algum militante
dessa esquerda sonhar em implantar o socialismo e depois ir para casa e viver
como um humilde operário do paraíso socialista? Eu nunca vi.
Cada militante se imagina
um futuro primeiro-ministro ou chefe da polícia política. Quando matam, é para
conquistar o direito de matar mais, de matar legalmente. São porcos selvagens
--sem ofensa aos mimosos animais.
O sr. argumenta que o
brasileiro é maciçamente conservador, mas desprovido de representação política.
Por que não temos políticos e partidos que tomem tal bandeira?
Já está respondido na
pergunta anterior. O método da "ocupação de espaços" realizou no
Brasil o ideal gramsciano de fazer com que todo mundo nas classes falantes seja
de esquerda mesmo sem sabê-lo, de modo que toda ideia que pareça "de
direita" já seja vista, instintivamente, sob uma ótica deformante e
caluniosa, com chances mínimas ou nulas de argumentar em defesa própria.
Suas próprias perguntas
ilustram o sucesso dessa operação no Brasil. Você pode não ser um militante de
esquerda, mas raciocina como se fosse, porque na atmosfera mental criada pela
hegemonia esquerdista isso é a única maneira "normal" de pensar, às
vezes a única maneira conhecida.
Por isso, você, ao formular
as perguntas, fala em nome dos meus críticos de esquerda, como se eles, e não o
público que gosta do que escrevo, fossem os juízes abalizados aos quais devo
satisfações. Suas ideias podem ser consideradas de direita?
Algumas sim, outras não.
Nem tudo no mundo cabe numa dessas categorias. Você não viu a turma da direita
enfezada cair de paus e pedras em cima de mim quando afirmei que
homossexualismo não é doença nem "antinatural"? É ridículo tomar uma
posição ideológica primeiro e depois julgar tudo com base nela por mero
automatismo, embora no Brasil de hoje isso seja obrigatório.
Em quais pontos suas
ideias podem ser classificadas de direita e em quais não?
Não tenho a menor ideia,
nem me interessa. O coeficiente de esquerdismo ou direitismo está antes nos
olhos do observador e varia conforme as épocas e os lugares.
Só gente muito estúpida
- isto é, a esquerda brasileira praticamente inteira - imagina que direita e
esquerda são categorias metafísicas imutáveis, a chave suprema para a
catalogação de todos os pensamentos.
Outros, principalmente na
direita, dizem que direita e esquerda não existem mais, o que é também uma
bobagem, porque basta uma corrente se autodefinir como "de esquerda"
para que todos os que se opõem a ela passem a ser julgados como se fossem a
"direita", querendo ou não. A esquerda define-se a si mesma e define
seu adversário, por menos que este se encaixe objetivamente na definição.
Nos EUA, alinho-me
nitidamente à direita, porque ela existe como agente histórico, é definida e é
autoconsciente, mas no Brasil essas coisas são uma confusão dos diabos na qual
prefiro não me meter. O sr. Lula não foi, na mesma semana, homenageado no Fórum
Econômico de Davos por sua adesão ao capitalismo e no Foro de São Paulo por sua
fidelidade ao comunismo?
A última moda na esquerda
nacional é cultuar o russo Alexandre Duguin, que é o suprassumo do
reacionarismo, enquanto na "direita liberal" muitos adoram abortismo
e casamento gay, pontos essenciais da estratégia esquerdista. Prefiro manter
distância da direita brasileira, seja isso lá o que for.
No capítulo sobre o
golpe de 64, o senhor diz que Castelo Branco foi "um grande
presidente", e Médici, "o melhor administrador que já tivemos".
Comenta ainda que está na hora de repensar o governo militar. Qual é sua
opinião hoje?
No Brasil de hoje não se
pode louvar um mérito específico e limitado sem que imediatamente a plateia
idiota transforme isso numa adesão completa e incondicional. Neste país, as
pessoas, mesmo com algo que chamam de "formação universitária", só
sabem louvar ou condenar em bloco, perderam totalmente o senso das comparações,
das proporções e das nuances. Isso é efeito de 30 anos de deseducação.
Os méritos dos governos
militares no campo econômico, administrativo e das obras públicas são óbvios e,
comparativamente, bem superiores a tudo o que veio depois. Ao mesmo tempo,
esses governos destruíram a classe política, infantilizaram os eleitores e, por
timidez caipira de entrar na guerra ideológica ostensiva, preferiram matar
comunistas no porão (embora em doses incomparavelmente menores do que os
próprios comunistas matavam em Cuba ou no Camboja) em vez de mover uma campanha
de esclarecimento popular sobre os horrores do comunismo. Tudo isso foi uma
miséria.
Foi o que eu sempre disse,
mas, hoje em dia, se você reconhece uma pontinha de mérito em alguém, já o
transformam em devoto partidário dele. Não distinguem nem mesmo entre aplaudir
um governo enquanto ele está no poder e tentar avaliá-lo com algum senso de
objetividade histórica depois de extinto, mesmo se você, como foi o meu caso, o
combateu enquanto durou. O fanatismo idiota tornou-se obrigatório. É disso que
o meu livro fala.
O sr. é bastante crítico
ao movimento gay. Não acredita que ele foi o responsável por conquistas
importantes?
No começo, quando lutava
apenas contra a discriminação e a violência anti-homossexual, esse movimento
parecia bom e necessário. Mas isso foi só a fachada, a camuflagem do que viria
depois: um projeto de dominação total que proíbe críticas e não descansará
enquanto não banir a religião da face da Terra ou criar em lugar dela uma
pseudorreligião biônica, dócil às suas exigências.
O que o sr. pensa sobre
o projeto da cura gay?
Ninguém pede ajuda a um
psicólogo para livrar-se de uma conduta indesejada se é capaz de controlá-la
pessoalmente ou se não quer abandoná-la de maneira alguma. Quando alguém vai a
uma terapia com o propósito de livrar-se do homossexualismo, é porque não o
vivencia como uma tendência natural da sua pessoa, e sim como uma compulsão
neurótica que o escraviza.
É bem diferente de alguém
que é homossexual porque quer, ou de alguém que deixou de ser homossexual
porque quis e teve forças para isso. Proibir o tratamento de uma compulsão é
torná-la obrigatória, é fazer de um sintoma neurótico um valor protegido pelo
Estado. É uma ideia criada por psicopatas e aplaudida por histéricos.
O sr. apoiou a invasão
do Iraque em 2003. Nos anos seguintes, vários abusos e atrocidades dos soldados
americanos foram divulgados. Acredita que, no saldo geral, a guerra foi
positiva?
Não apoiei a invasão do
Iraque. De início fui contra. Foi só depois, quando os americanos começaram a
exumar os cadáveres das vítimas de Saddam Hussein e viram que eram mais de 300
mil, que comecei a achar que a guerra era moralmente justificável.
Das tais "atrocidades
americanas", a maioria é pura invencionice, e as genuínas, inevitáveis em
qualquer guerra, nem de longe se comparam ao que Saddam Hussein fez contra o
seu próprio povo em tempo de paz.
A guerra, em si, foi
positiva do ponto de vista moral, mas a tentativa de forçar o Iraque a adotar
uma democracia de tipo ocidental foi ridícula e suicida. A primeira Guerra do
Golfo foi bem-sucedida porque se limitou às metas militares, sem sonhos
"neocons" de reformar o mundo.
E como o sr. avalia as
recentes manifestações em cidades do Brasil?
Tudo começou como uma
tentativa de golpe, planejada pelo Foro de São Paulo [coalizão de partidos de
esquerda latino-americanos] e pelo governo federal para fazer um "upgrade"
no processo revolucionário nacional, passando da fase de "transição"
para a da implantação do socialismo "stricto sensu".
Isso incluía, como foi bem
provado, o uso de gente treinada em guerrilha urbana para espalhar a violência
e o medo e lançar as culpas na "direita". Aconteceu que os
planejadores perderam o controle da coisa quando toda uma massa alheia à
esquerda saiu às ruas, e eles decidiram voltar atrás e esperar por uma chance
melhor. Isso foi tudo. Não há um só líder da esquerda que não saiba que foi
exatamente isso.
Fonte: "Folha de S.Paulo"
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