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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

"Infidelidade consentida"

Editorial do jornal "O Estado de S. Paulo", edição de terça-feira, 6:
Foi como se a Justiça Eleitoral não tivesse resolvido, em 2007, que os partidos são os donos das cadeiras ocupadas nas câmaras legislativas pelos candidatos que por eles se elegeram - e que, portanto, perderia o mandato o político que, a qualquer momento, saltasse de uma legenda para a outra, salvo em poucas circunstâncias previamente estipuladas, tendo o partido prejudicado o direito de preencher a vaga aberta com o primeiro da lista de seus suplentes.
Nos últimos dias, dezenas de políticos, para ficar apenas no plano federal, correram a mudar de sigla enquanto houvesse tempo - a um ano das próximas eleições, terminou no dia 4 o prazo para a filiação a alguma legenda de quem queira disputá-las.
O chamado instituto da fidelidade partidária, logo se vê, ainda não pegou.
Mais uma vez os políticos em trânsito escancararam para a opinião pública que eles só têm compromissos com as suas chances nas urnas e que, na maioria esmagadora dos casos, os partidos não passam de hospedarias em que a entrada e a saída de trânsfugas são reguladas, não pelas leis, muito menos por qualquer coisa parecida com identidade de ideias, mas pelos cálculos de conveniência de parte a parte - as afinidades eletivas, para dar à expressão de Goethe o mais raso sentido literal.
Em 2005, quando nada obstava o ir e vir pelas agremiações, cerca de 60 políticos de maior projeção trocaram de alojamento - uma troca de seis por meia dúzia, diria um cínico -, quase sempre para se candidatar a prefeito no ano seguinte.
Agora, embora a infidelidade esteja sujeita a punição, houve 31 transferências.
Em parte, a culpa é da própria Justiça Eleitoral. Dos 18 políticos julgados por pular a cerca desde a entrada em vigor da resolução concebida para dar consistência ao sistema de partidos, apenas um, o deputado federal Walter Brito, perdeu o mandato - e isso depois de encarniçada resistência do então presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia.
Em geral, os trânsfugas conseguem se safar invocando as condições em que a transferência é permitida (perseguição política é o pretexto de praxe).
Em parte, a culpa é dos partidos, quando - também por cálculos políticos - abrem mão de cobrar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a cadeira que poderia lhes ser devida, com a remoção do ocupante que os deixou.
Em tese, por exemplo, o PT poderia reivindicar o lugar da senadora Marina Silva, que se mudou para o PV. O PSDB poderia fazer o mesmo com a cadeira do vereador paulistano Gabriel Chalita, que se bandeou para o PSB (o qual, aliás, acaba de acolher o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, de quem o baronato industrial paulista decerto não suspeitava que fosse um socialista camuflado).
Mas é evidente que, naqueles casos, petistas e tucanos pagariam um elevado preço político - e eleitoral - se tentassem se vingar dos seus ex-correligionários.
Às vezes, os partidos tratam de agir preventivamente para enquadrar os caídos em tentação.
Na undécima hora, o DEM do Distrito Federal impediu a transferência do seu senador Adelmir Santana para o PSB. Com a mesa da festa já posta, ele sucumbiu. "Vão tomar meu mandato", avisou aos convidados. "Não dá para sair".
Em outras situações, o mesmo DEM não moveu uma palha para enquadrar os migrantes em potencial - o que levanta uma indagação que parece dividir as opiniões dos juristas: quando uma legenda desiste da reparação a que teria direito, consentindo, pelo silêncio, com a saída de um parlamentar a ela filiado, deve a Justiça Eleitoral tomar a iniciativa de desalojá-lo da cadeira por transgressão à regra da fidelidade partidária?
Para o ministro Fernando Gonçalves, do TSE, citado pela Folha de S.Paulo, "não é só o partido que tem legitimidade para requerer a perda do mandato".
Poderiam fazê-lo tanto o suplente que iria para a vaga como - e principalmente - o Ministério Público Eleitoral. O primeiro estaria agindo em defesa de um direito particular; o segundo, em defesa de um interesse difuso, a salvaguarda de uma norma com força de lei.
Mas o presidente do TSE, Carlos Ayres Britto, discorda. "Se o partido não se sente traído", interpreta, "tenho dificuldade de entender por que o Ministério Público sentiria ciúme por ele".
Brito acredita que "com o tempo, a fidelidade partidária se tornará um verdadeiro dogma jurídico".
Não, se depender só dos políticos.

Um comentário:

Unknown disse...

Acho que cada caso é um caso. O DEM não iria ficar parado só perdendo parlamentares e deixando de aceitar um ou outro que por ventura viesse ter com eles, ora! Ninguém se mexendo e os oportunistas saindo...se a lei fôsse cumprida, com certeza o DEM teria mais a receber do que devolver.