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sexta-feira, 23 de agosto de 2024

"Revoada", o martelo que forja

Confira a programação de "Revoada" nos cinemas do Brasil e vá conferir esse belo filme do cineasta José Umberto Dias


Em 3 de agosto de 2014, a convite de Jorge Alfredo Guimarães, escrevi sobre "Revoada" para o Caderno de Cinema, uma revista que muito nos faz falta. Transcrevo aqui o que foi publicado há 10 anos exatamente, palavras que são frutos da minha sensorialidade sobre o filme, não sou crítica.
"Revoada", o martelo que forja

Por Carollini Assis
Depois de oito anos, eis que "Revoada" está pronto para alcançar as mais de duas mil salas brasileiras, independente da atual situação de ocupação do cinema nacional. Poderíamos falar de política, mas vamos nos ater à poesia.
É, este "Revoada", a versão final do diretor José Umberto Dias, e por isso tão especial. Quem acompanhou o imbróglio em que se viram, diretor e obra, envolvidos durante esses anos, entende porque Zé Umberto afirmou que solidariedade é a palavra que marca o filme. Dentre os agradecimentos, a homenagem especial a André Setaro, a quem o diretor dedicou a matinê na UCI Orient do Shopping Barra.
Anteriormente apenas exibido numa sessão em que estavam diretor e técnico, esta segunda exibição é, na verdade, a primeira desse retorno ao ponto de partida. "Revoada" é bando voltando para o lugar de início: seja a morte, seja a fuga, seja nova vida.
Este é "Revoada"... narra José Umberto Dias, como ele creditou no início da obra. Me encantei com o "narra" nos créditos. Com esse afastamento da figura simbólica da direção. Narrar, "arranjar uma sequência de fatos na qual os personagens se movimentam num determinado espaço à medida que o tempo passa...". E o mote do que é narrativa está intrinsicamente relacionado com o roteiro do filme. A agonia do cangaço nos sertões, a bravura e o lamento de morte no peito dos que ora encarnavam senhores da honra, da vingança e da justiça, ora da truculência e violência sem limites. A morte era um espetáculo, continuar vivo um desafio, definhar era entregar a alma para a salvação, e a divina era a única possível para aqueles homens e mulheres no sertão brasileiro.
"Revoada" nos apresenta o bando remanescente de Lampião, após a sua morte em 1938, em Angico, sertão de Sergipe. Oito homens e duas mulheres em fuga, perseguidos pelos macacos, vivendo uma série de conflitos internos. Do medo à bravura, da vaidade ao despojo, da utopia e sonho à realidade. Eles não viveram apenas o crepúsculo do cangaço, mas o amanhecer de um mito. Em palavras do próprio filme, "a carne descansa, o espírito fica".
Muito interessante a forma como o filme atribui à proximidade com a água, a perda da força, o enfraquecimento diante da polícia. A terra seca é como o cabelo de Sansão na odisseia bíblica, é toda a força daquele grupo. Quanto mais próximos da água, mas fragilizados estavam. Fraqueza e força ligados à terra do sertão.
Um vôo belíssimo do nosso diretor baiano, com diálogos ricos em detalhes, em verossimilhança, impregnados de Nordeste. Brilham na tela: Jackson Costa (Lua Nova), Edlo Mendes (Gato), Aldri Anunciação (Gitirana), Annalu Tavares (Jurema) e um elenco todo baiano, aposta do narrador Zé Umberto, que acreditou e acredita nos atores da terra. Christiane Veigga interpretando a baronesa de Água Branca ao piano, destilando ódio aos negros, mestiços, humildes, cangaceiros e justiceiros, tendo como interlocutor o destemido Lua Nova, é um dos belos destaques de interpretação em "Revoada". Do caricato ao magistral em segundos.
Durante todo o filme lembrava de Maiakovski: "Injeta sangue no meu coração, enche-me até o bordo das veias!". Essa frase palpitava em meu pensamento todo o tempo, um poema de amor me remetia ao cangaço de Zé Umberto. Mas refletindo cheguei na fonte do porquê lembrava de Maiakovski. O poeta russo estava certo ao afirmar que a arte não é um espelho para refletir o mundo e sim um martelo para forjá-lo.
"Revoada" é o cinema baiano que nos surpreende, e nos forja.
Enviado por José Umberto Dias

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