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sábado, 10 de agosto de 2024

"Revoada": Da estética à luta de classes

A face sedutora e cruel da última vingança do cangaço


Já distinguido com três Cacto de Ouro, em Encontro de Cinema e Vídeo em Floriano, no Piauí, "Revoada" tem início com uma introdução quase didática, como diríamos de um alerta ao público que vai assistir ao filme. O lançamento tem estreia nacional programada para o dia 15 de agosto, após a pré-estreia em São Paulo, dia 12, e sessão especial dia 17, ao entrar em cartaz em Feira de Santana. O filme - último gravado em película na Bahia - aborda o fim do cangaço após a morte de Lampião.
Sim, como um aviso ou reconhecimento do terreno a ser percorrido no âmbito da história, o texto atravessa as faces do breu noturno, mas poderia ser do sol causticante da caatinga, para além da ficção e do embate de classes em que nos faz adentrar o roteiro e a direção cinematográfica de José Umberto Dias, como reza a legenda esclarecedora em três parágrafos sobre as primeiras cenas:
"O cangaço foi a face atávica do banditismo na era pré-industrial. Ele transcorreu no latifúndio improdutivo da civilização do couro do nordeste do Brasil".
"O regionalismo do cangaço se associa ao caráter arcaico do guerreiro nômade universal. E o modo de pensamento do cabra agia por conta da sua intuição".
"O bando cumpria a sentença de fazer justiça com as próprias mãos: a punição por vingança promete lavar a honra com o próprio sangue. Esta rebeldia primitiva germinou como reação ao poderoso coronelismo". 
Como sabemos, o fenômeno político, social, econômico e cultural do cangaço - único gênero genuinamente brasileiro, ressalte-se - é uma fonte inesgotável de inspiração para artistas das mais diversas expressões. Seja da Literatura ao Cinema, do Teatro às Artes Plásticas, tanto na vertente erudita quanto na popular - tem sua estética singular exacerbada nos trajes e equipamentos dos cangaceiros.  
Vale enfatizar, entretanto, que no entendimento do comportamento arcaico, o homem está ligado e dependente ao sobrenatural, em nome do qual ele exerce uma missão, lidera um grupo, desafia porque se acredita protegido e inviolável e, de fato, desligado do componente da morte. 
Essa explicação, embora sumária, de algum modo justifica a incidência da superfluidade ornamental - a dizer da abundância desnecessária, do destemor do excesso - no traje do cangaceiro que, antes de sua implicação mística, deriva do traje do vaqueiro.
Na saga construída por José Umberto, e de "parabelo na mão", o grupo se mantém unido, mesmo envolto em desafios internos, mas demonstrando o espírito vivo da resistência, na busca por vingar o líder morto e em meio ao desespero da fuga. O amor e o ódio calçam a mesma alpercata de couro. Uma volante os persegue e parece estar sempre próxima. No encalço. 
Na invasão da fazenda da Baronesa da Água Branca, uma viúva de marido assassinado por Lampião, muito bem interpretada por Christiane Veigga, em diálogo travado com Lua Nova, o chefe do bando, vivido de modo impagável e implacável por Jackson Costa, o viés da conversa é sinalizado pela arrogância da Baronesa frente à rebeldia vingativa do cangaceiro contra a exploração do coronelismo, em exemplo claro da luta de classes que demarca a saga dos bandoleiros e leva à impactante cena do estupro.
Responsáveis por promoverem saques, assassinatos, torturas e estupros como forma de vingar as injustiças que suas famílias sofreram na mão das oligarquias - como foi o caso do próprio Lampião - ainda assim os cangaceiros ganham a simpatia de algumas comunidades no universo rural do Nordeste brasileiro, onde eram tratados como heróis justiceiros, aos quais os coiteiros e mesmo autoridades forneciam abrigo, alimento, armas e munições.
O filme percorre locações por diversos pontos da exuberante Chapada Diamantina e há  sequências de diálogos em que as cenas transitam, simultaneamente, por diversas dessas cavernas e  montanhas rochosas. 
Ainda que o filme sinalize aspectos políticos e relações de poder, o certo é que o cangaço (1870-1940) teve o seu fim a partir da decisão do então presidente da República, Getúlio Vargas (inclusive em ordem ao interventor em Alagoas), de eliminar todo e qualquer foco de desordem sobre o território nacional. 
O regime ditatorial, denominado Estado Novo (1937-1945), incluiu Lampião e seus cangaceiros na categoria de extremistas, com as cabeças a prêmio sob vultosas recompensas. A lenda, contudo, e pelo visto, continua viva. "Revoada" é a melhor prova disso. 
Sim, é um emblema mais que simbólico o fato de "Revoada" ter sido laureado com o Troféu Cacto de Ouro nas categorias "Melhor Atriz" - Analu Tavares, "Melhor Figurino" - Zuarte Júnior, e "Melhor Maquiagem" – Wilson D'Argolo, no 10° Encontro Nacional de Cinema e Vídeo dos Sertões, em Floriano, no Piauí. 

Fonte: Tribuna da Bahia

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