Por Percival Puggina
Nossa lei penal, nosso processo penal, nossos
tribunais são zonas de litígio. Quase nada está pacificado fora da letargia das
gavetas e dos arquivos. Nas cortes, as posições divergem segundo el color
del cristal con que sus miembros miran. No STF, há a turma do assim, e a
turma do assado. Um ministro manda soltar e o outro manda prender. Não se
entendem entre si, mas esperam ser compreendidos. Integram um poder político,
fazem política sem voto, curtem a celebridade, mas querem ser tratados como se
fossem exclusivamente poder jurídico imune às adversidades de relacionamento
social e às críticas inerentes à vida pública. Topar com um cidadão é um
desconforto que os faz enrubescer. Vergonha do STF!
Nesta quinta-feira (17/10), os senhores
ministros retomam o trôpego caminho por onde têm elucubrado e andado nesta
aparentemente indeterminável questão: quando deve ser preso o réu condenado em
2º grau de jurisdição, sobre cuja culpa não incide mais a presunção de
inocência? Retornar ao criminoso patrocínio da eterna impunidade e da
prescrição, ou manter vigente a interpretação que interrompeu a atividade
criminosa nos negócios com o Estado brasileiro? É preciso, afirmam, pacificar
essa questão.
Pois "pacificar" é uma boa palavra. Se tudo
andar como pretendem os ministros, essa "pacificação" vai soltar algo entre
quatro mil e 84 mil criminosos. Eles retornarão a seus negócios, às nossas
ruas, estradas, parques. Somar-se-ão a outras centenas de milhares de inimigos
da sociedade, à qual declararam uma guerra de conquista e formação de servidão.
Ocupam território no meio urbano e rural; tomam o patrimônio e a vida de
tantos; atacam nossas mulheres, nossas crianças e, em grande número, se
constituem como estado paralelo dentro do Estado, a exigir integral submissão
às suas determinações. Se não fui inteiramente entendido, esclareço: há uma
parcela dessa bandidagem agindo com representatividade e vigor nas nossas
instituições.
É essa a "pacificação", sinônimo dolorido da nossa
submissão, que muito provavelmente receberá notável reforço logístico da
maioria do lamentável, desastrado e escandaloso Supremo Tribunal Federal
brasileiro. O simples emprego da palavra "pacificar" é uma afronta e uma
evidência suplementar da relação doentiamente alienada que o Poder mantém com a
sociedade. A Corte vive num universo paralelo onde o brasileiro não conta, onde
a realidade nacional é informação desconhecida. Nesse universo, a dubiedade dos
tratados de Direito e dos precedentes contraditórios fazem o pretensioso
cotidiano para que o próprio querer se imponha. Haverá muito mais bandido nas
nossas ruas, a guerra contra a população recrudescerá, mas o STF "pacificou".
Ufa! Cairá a noite sobre um Brasil mais triste, mais desesperançado, mais
perigoso, mais roubado, mas violento.
A grande celebração do crime, que fez do STF
santuário de suas devoções, atravessará a noite. Metralhadoras, em festa,
matraquearão balas perdidas arrepiando os morros. Abstêmios na prisão, grandes
corruptos reabrirão suas garrafas de uísque. Farão o mesmo aquelas figuras
conhecidas que exalam os maus odores da ira quando um endinheirado é preso.
Como obra de suas mãos, o Brasil se terá tornado um
país pior para se viver. A vontade e a dignidade nacional sangrarão no
pelourinho! Mas quem se importa com isso no STF? Lisboa, onde eles passam mais
tempo, e a civilização ficam logo ali.
Percival
Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas
de jornais e sites no país. Autor de "Crônicas Contra o Totalitarismo", "Cuba, a Tragédia da Utopia", "Pombas e Gaviões", "A Tomada do Brasil". Integrante do grupo
Pensar+.
Fonte: http://www.puggina.org
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