De J. R. Guzzo, na revista "Veja", edição desta semana:
"Como 1 500 professores que erram todas
"Como 1 500 professores que erram todas
as perguntas feitas num exame para avaliar
sua capacidade são autorizados
a dar aulas na escola pública?
Vão ensinar o quê?"
Num artigo que escreveu para VEJA algum tempo atrás, o professor Claudio de Moura Castro, um dos peritos mais competentes do Brasil em questões de educação, relatou um fato espantoso. Numa palestra que fez para 800 professores, ele perguntou quantos, entre os presentes ali no auditório, tinham aprendido a ensinar a regra de três nas faculdades de educação que haviam frequentado. Resposta: ninguém. Nem um, pelo menos, entre os 800? Nem um. Não é preciso ser um especialista em pedagogia para ver o tamanho da encrenca em que estão metidos os alunos desses professores todos. O problema não é com "o Brasil", "a sociedade" ou a "educação nacional" – é com os alunos mesmo, em carne e osso. Se os seus professores não sabem ensinar a regra de três, os alunos não vão aprender; e, se não sabem ensinar a regra de três, é provável que não saibam ensinar uma porção de outras coisas. Para os alunos, a situação está ruim hoje e vai ficar pior amanhã. Pois, enquanto não aprendem, com certeza outros, em outras escolas e com outros professores, estão aprendendo – e são esses que, lá adiante, vão disputar com eles um lugar melhor na vida. Quem terá mais chances, então? Se já é difícil para quem sabe, imagine-se para os que não sabem. Vão ter de contar com o acaso – coisa notoriamente arriscada, pois, como se sabe, há vidas sem acaso.
O Brasil seria um país de sorte se o episódio narrado pelo professor Moura Castro fosse uma exceção. Mas não é. Para qualquer lado da educação que se olhe, a qualquer momento, o que se vê é mais do mesmo – e nada poderia comprovar isso tão bem quanto a extraordinária disputa que acaba de dividir, em São Paulo, a secretaria estadual da educação e professores temporários da rede pública. Como foi noticiado, a secretaria realizou em dezembro último uma prova de avaliação, anunciada desde maio, para medir a competência desses professores e selecionar os melhores. Aconteceu que 1 500 deles tiraram nota zero no teste; conseguiram não acertar nenhuma das 25 questões a que tinham de responder. Até aí, realmente, nada capaz de causar grande surpresa, quando se leva em conta a história da regra de três já descrita. Mas conseguiu-se, no caso, um prodígio: os 1 500 professores que tiraram nota zero vão, sim, dar aulas neste ano letivo de 2009 no ensino público paulista. O sindicato da categoria alegou que se tratava de uma "provinha", recorreu à Justiça e convenceu uma juíza da Fazenda Pública a suspender, através de liminar, a aplicação dos resultados do teste. Para não tumultuar o início das aulas, a secretaria desistiu de contestar a decisão; fica assim mesmo, e depois se vê.
Os detalhes técnicos da disputa, é claro, continuarão a ser discutidos, mas fica de pé uma questão impossível de evitar: como, pela lógica mais rudimentar, poderá dar certo uma situação na qual 1.500 professores que erram todas as perguntas feitas num exame para avaliar sua capacidade são autorizados a dar aulas na escola pública? Vão ensinar o quê? A juíza e o sindicato acham justo preservar o emprego dos "nota zero". Talvez não achassem a mesma coisa se cidadãos reprovados nos testes para obter um brevê de piloto, por exemplo, recebessem licença para dirigir aviões de carreira. Mas os prejudicados no caso são apenas alunos; quem se importa? Se vão ter aulas com professores que não sabem nada, problema deles. O resultado desse tipo de atitude já está mais do que definido. Garante-se hoje, com 100% de certeza, a produção de desigualdade para amanhã.
Isso, sim, deveria espantar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva – ele, que quase caiu da cadeira, outro dia, ao citar um dado grosseiramente falso sobre o analfabetismo em São Paulo. Mas o seu interesse real, no caso, era falar mal do governo paulista, só isso; tendo conseguido o que queria, mudou de assunto e seguiu em frente. A educação brasileira, antes e depois, continuou exatamente na mesma: um mundo onde o que realmente importa são verbas, salários de professores, direitos de funcionários, partilha de cargos e só no fim, bem no fim, a função de ensinar. O governo vive dizendo que o Brasil tem, com o Bolsa Família, o "maior programa de inclusão social" do mundo. Tem também, com o conjunto do sistema público de ensino, o maior programa de exclusão social que um país seria capaz de organizar. O encontro de uma coisa com a outra, infelizmente, não acaba em zero a zero. A primeira é propaganda política; em matéria de inclusão, só faz manter os pobres incluídos na pobreza. A segunda, ao contrário, não tem nada de fantasia.
Num artigo que escreveu para VEJA algum tempo atrás, o professor Claudio de Moura Castro, um dos peritos mais competentes do Brasil em questões de educação, relatou um fato espantoso. Numa palestra que fez para 800 professores, ele perguntou quantos, entre os presentes ali no auditório, tinham aprendido a ensinar a regra de três nas faculdades de educação que haviam frequentado. Resposta: ninguém. Nem um, pelo menos, entre os 800? Nem um. Não é preciso ser um especialista em pedagogia para ver o tamanho da encrenca em que estão metidos os alunos desses professores todos. O problema não é com "o Brasil", "a sociedade" ou a "educação nacional" – é com os alunos mesmo, em carne e osso. Se os seus professores não sabem ensinar a regra de três, os alunos não vão aprender; e, se não sabem ensinar a regra de três, é provável que não saibam ensinar uma porção de outras coisas. Para os alunos, a situação está ruim hoje e vai ficar pior amanhã. Pois, enquanto não aprendem, com certeza outros, em outras escolas e com outros professores, estão aprendendo – e são esses que, lá adiante, vão disputar com eles um lugar melhor na vida. Quem terá mais chances, então? Se já é difícil para quem sabe, imagine-se para os que não sabem. Vão ter de contar com o acaso – coisa notoriamente arriscada, pois, como se sabe, há vidas sem acaso.
O Brasil seria um país de sorte se o episódio narrado pelo professor Moura Castro fosse uma exceção. Mas não é. Para qualquer lado da educação que se olhe, a qualquer momento, o que se vê é mais do mesmo – e nada poderia comprovar isso tão bem quanto a extraordinária disputa que acaba de dividir, em São Paulo, a secretaria estadual da educação e professores temporários da rede pública. Como foi noticiado, a secretaria realizou em dezembro último uma prova de avaliação, anunciada desde maio, para medir a competência desses professores e selecionar os melhores. Aconteceu que 1 500 deles tiraram nota zero no teste; conseguiram não acertar nenhuma das 25 questões a que tinham de responder. Até aí, realmente, nada capaz de causar grande surpresa, quando se leva em conta a história da regra de três já descrita. Mas conseguiu-se, no caso, um prodígio: os 1 500 professores que tiraram nota zero vão, sim, dar aulas neste ano letivo de 2009 no ensino público paulista. O sindicato da categoria alegou que se tratava de uma "provinha", recorreu à Justiça e convenceu uma juíza da Fazenda Pública a suspender, através de liminar, a aplicação dos resultados do teste. Para não tumultuar o início das aulas, a secretaria desistiu de contestar a decisão; fica assim mesmo, e depois se vê.
Os detalhes técnicos da disputa, é claro, continuarão a ser discutidos, mas fica de pé uma questão impossível de evitar: como, pela lógica mais rudimentar, poderá dar certo uma situação na qual 1.500 professores que erram todas as perguntas feitas num exame para avaliar sua capacidade são autorizados a dar aulas na escola pública? Vão ensinar o quê? A juíza e o sindicato acham justo preservar o emprego dos "nota zero". Talvez não achassem a mesma coisa se cidadãos reprovados nos testes para obter um brevê de piloto, por exemplo, recebessem licença para dirigir aviões de carreira. Mas os prejudicados no caso são apenas alunos; quem se importa? Se vão ter aulas com professores que não sabem nada, problema deles. O resultado desse tipo de atitude já está mais do que definido. Garante-se hoje, com 100% de certeza, a produção de desigualdade para amanhã.
Isso, sim, deveria espantar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva – ele, que quase caiu da cadeira, outro dia, ao citar um dado grosseiramente falso sobre o analfabetismo em São Paulo. Mas o seu interesse real, no caso, era falar mal do governo paulista, só isso; tendo conseguido o que queria, mudou de assunto e seguiu em frente. A educação brasileira, antes e depois, continuou exatamente na mesma: um mundo onde o que realmente importa são verbas, salários de professores, direitos de funcionários, partilha de cargos e só no fim, bem no fim, a função de ensinar. O governo vive dizendo que o Brasil tem, com o Bolsa Família, o "maior programa de inclusão social" do mundo. Tem também, com o conjunto do sistema público de ensino, o maior programa de exclusão social que um país seria capaz de organizar. O encontro de uma coisa com a outra, infelizmente, não acaba em zero a zero. A primeira é propaganda política; em matéria de inclusão, só faz manter os pobres incluídos na pobreza. A segunda, ao contrário, não tem nada de fantasia.
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