Por Steven Pinker
Por que tanta gente
escreve tão mal? Por que é tão difícil entender uma decisão de governo, ou um
artigo acadêmico, ou as instruções para configurar uma rede sem fio em casa?
A explicação mais popular é que a
prosa opaca é uma escolha deliberada. Burocratas insistem em fazer uso de
jargões para cobrir sua anatomia. Escritores de tecnologia de visual hispter se
vingam dos atletas que chutaram areia em seus rostos e das meninas que se
recusaram a namorá-los. Pseudointelectuais cheios de biquinhos usam de um
palavreado obscuro para esconder o fato de não terem nada a dizer, na esperança
de enganar seu público com jargões pretensiosos.
Mas esta teoria enganosa torna muito
fácil demonizar as pessoas, deixando-nos fora do gancho. Ao explicar qualquer
falha humana, a primeira ferramenta a qual recorro é a Navalha de Hanlon: nunca
atribua à malícia o que é adequadamente explicado pela estupidez. O tipo de
estupidez que tenho em mente não tem nada a ver com a ignorância ou o baixo QI;
na verdade, muitas vezes são os mais brilhantes e mais bem informados que mais
sofrem disso.
Frustrações diárias
Certa vez fui a uma palestra sobre
biologia dirigida ao grande público em uma conferência sobre tecnologia,
entretenimento e design. A palestra também estava sendo filmada para
transmissão pela Internet a milhões de outros leigos. O orador era um biólogo
ilustre que havia sido convidado para explicar seu recente avanço nos estudos
da estrutura do DNA. Ele fez uma apresentação técnica repleta de jargões,
adequada a seus colegas biólogos moleculares, e logo ficou evidente para todos
na sala que ninguém entendia patavinas e ele estava perdendo o seu tempo.
Evidente para todos, isto é, exceto para o biólogo. Quando o anfitrião
interrompeu e pediu-lhe para explicar o trabalho de forma mais clara, ele
pareceu genuinamente surpreso e nem um pouco irritado. É desse tipo de
estupidez que estou falando.
É a chamada Maldição do Conhecimento:
a dificuldade de imaginar como é para alguém não saber algo que você sabe. O
termo foi cunhado por economistas para ajudar a explicar por que as pessoas não
são tão astutas na negociação quanto poderiam ser, sendo que muitas vezes
possuem informações que o seu adversário não tem. Os psicólogos às vezes chamam
isso de cegueira mental. Em um experimento didático para comprová-la, uma
criança vem ao laboratório, abre uma caixa de confeitos de chocolate M&Ms e
fica surpresa ao encontrar lápis ali. Não só a criança pensa que outra criança
que entrar no laboratório de alguma forma saberá que a caixa está cheia de
lápis, como vai dizer que ela mesma sabia que havia lápis ali o tempo todo!
A Maldição do Conhecimento é a melhor
explicação do porquê as pessoas boas escrevem numa prosa ruim. Simplesmente não
ocorre a elas que seus leitores não sabem o que elas sabem - que não dominam o
jargão de seu meio, que não conseguem adivinhar os passos perdidos que parecem
demasiadamente óbvios para serem mencionados, que não têm como visualizar uma
cena que para elas é tão clara como o dia. E assim, o escritor não se preocupa
em explicar o jargão, ou em explicitar a lógica, ou em fornecer os detalhes
necessários.
Qualquer um que deseje acabar com a
Maldição do Conhecimento primeiro deve avaliar o quão diabólica é esta
maldição. Tal como um bêbado que está ébrio demais para perceber que não tem
condições de dirigir, nós não notamos a maldição porque ela mesma nos impede de
perceber. Trinta estudantes me mandaram arquivos de seus trabalhos com o nome "trabalho.doc psicologia". Se entro em um site de seguros de viagens, devo
decidir se clico em GOES, Nexus, GlobalEntry, Sentri, Flux ou FAST, termos
burocráticos que nada significam para mim. Meu apartamento está cheio de
gadgets dos quais nunca consigo me lembrar como utilizar por causa de botões
inescrutáveis que devem ser pressionados por um, dois ou quatro segundos, às
vezes dois de cada vez, e que muitas vezes fazem coisas diferentes, dependendo
de "modos" invisíveis acionados por outros botões. Tenho certeza de que tudo
estava perfeitamente claro para os engenheiros que os projetaram.
Multiplique essas frustrações diárias
por alguns bilhões de vezes, e você começará a ver que a maldição do
conhecimento é uma chatice generalizada sobre os esforços da humanidade, a par
com a corrupção, doenças e entropia. Quadros de profissionais caríssimos - advogados, contabilistas, gurus de computador, atendentes de suporte de
empresas - drenam enormes quantias de dinheiro da economia para esclarecer
textos mal redigidos.
Olhar para o outro
Há um velho ditado que diz: "Por
falta de um prego a batalha foi perdida", e o mesmo vale para a falta de um
adjetivo: a Carga da Brigada Ligeira durante a Guerra da Crimeia é apenas o
exemplo mais famoso de um desastre militar causado por ordens vagas. O acidente
nuclear de Three Mile Island, em 1979, foi atribuído à má redação (operadores
interpretaram erroneamente o selo de uma luz de alerta), assim como muitos
acidentes aéreos fatais. O visual confuso da "cédula em borboleta" entregue aos
eleitores de Palm Beach na eleição presidencial de 2000 levou muitos adeptos de
Al Gore a votarem no candidato errado, o que pode ter favorecido George W.
Bush, mudando o curso da história.
Mas como podemos acabar com a
Maldição do Conhecimento? O tradicional conselho "sempre lembre-se do leitor sobre
seu ombro" não é tão eficaz quanto se poderia pensar. Nenhum de nós tem o poder
de enxergar todos os pensamentos alheios, de modo que se esforçar ao máximo
para se colocar no lugar de outra pessoa não faz de você muito mais preciso
para descobrir o que a pessoa sabe. Mas é um começo. Então é isso: "Ei, estou
falando com você. Seus leitores sabem muito menos sobre o assunto do que você
pensa, e a não ser que você rastreie o que você sabe e eles não, certamente irá
confundi-los".
A melhor maneira de exorcizar a
Maldição do Conhecimento é fechando o ciclo, como os engenheiros dizem, e obter
um retorno do universo dos leitores, isto é, mostrar um projeto para pessoas
semelhantes ao seu público-alvo e descobrir se elas são capazes de
acompanhá-lo. Os psicólogos sociais descobriram que somos confiantes demais, às
vezes ao ponto da ilusão, a respeito de nossa capacidade de inferir o que as
outras pessoas pensam, até mesmo as pessoas mais próximas de nós. Somente
quando consultamos as pessoas é que descobrimos que o que é óbvio para nós não
é óbvio para elas.
O outro jeito de escapar da Maldição
do Conhecimento é mostrando o projeto para si, de preferência depois de ter se
passado tempo suficiente para o texto deixar de ser familiar. Se você é como
eu, vai se flagrar pensando: "O que eu quero dizer com isso?", ou "Para onde
isso vai?", ou muitas vezes "Quem escreveu esta porcaria?". A forma pela qual
os pensamentos ocorrem a um escritor raramente é a mesma com que são absorvidos
por um leitor. Conselhos sobre a escrita não são exatamente conselhos sobre
como escrever, e sim como revisar.
Muitos dos conselhos aos escritores
têm o tom de um conselho moral, de como ser um bom escritor vai fazer de você
uma pessoa melhor. Infelizmente, para a justiça cósmica, muitos escritores
talentosos são canalhas, e muitos ineptos são o sal da terra. Mas o imperativo
de superar a Maldição do Conhecimento pode ser o pequeno conselho profissional
que mais se aproxima do conselho moral: sempre tente sair de sua mentalidade
provinciana e descubra como as outras pessoas pensam e sentem. Pode não fazer
de você uma pessoa melhor em todas as esferas da vida, mas vai ser uma fonte de
contínua bondade para com os seus leitores.
Steven Pinker é Professor de Psicologia na
Universidade de Harvard e presidente do Usage Panel of the American Heritage
Dictionary.
Este artigo foi adaptado
de seu livro "The Sense of Style: The Thinking Person's Guide to Writing in the
21st Century".
Tradução e edição: Fernanda Lizardo.
Publicado no "The Wall Street Journal"Fonte: Pavazine
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