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quarta-feira, 4 de março de 2009

O caso Morel

Por Ipojuca Pontes
Mario Morel é jornalista de larga experiência na imprensa brasileira. Depois de trabalhar como repórter no jornal “Última Hora” e na revista “Manchete”, iniciou-se na tevê na redação dos telejornais da TV Rio e Excelsior - duas das grandes emissoras televisivas do eixo Rio-São Paulo, nos anos 1960. A partir de 1985, Morel ingressou na TV Educativa (hoje, TV Brasil) e, pelas mãos de Fernando Barbosa Lima, passou a dirigir por quase 10 anos o programa de entrevistas “Sem Censura”, à época, com nítida audiência registrada pelo Ibope.
Na TV do Lula, desalojado do “Sem Censura”, Mario Morel passou a dirigir “Olhar” e, no início do segundo mandato, “Espaço Público” - ambos, programas de entrevistas, no ar a partir de meia-noite. Em setembro de 2008, no entanto, depois de duas décadas na TV Brasil (ex-TVE), o jornalista foi demitido sem nenhuma explicação. E também foi para o espaço o programa “Espaço Público”, único a questionar problemas brasileiros sem o enfoque exclusivamente governista, ainda que subordinado à ótica de debatedores em geral comprometidos com a ortodoxia esquerdista.
Não se pode dizer que o jornalista tenha sido expurgado da TV Brasil por ser profissional incompetente, petista dissidente ou mesmo um neoliberal tresmalhado. Filho do legendário repórter Edmar Morel (autor do livro-depoimento “A Revolta da Chibata”, apreciado, entre outros, por Luiz Carlos Prestes), Mario Morel, ademais, escreveu “Lula, o metalúrgico – anatomia de uma liderança” (Nova Fronteira, Rio, 1980, em 3ª edição), livro biográfico que, no seu devido tempo, ajudou o ex-operário a chegar à Presidência da República.
De fato, a demissão de Mario Morel é um enigma. Ele dá a entender que “Espaço Público”, uma fenda na programação da casa, pode ter sido a razão de sua saída. Em declaração formal, o jornalista partiu para a denúncia: “Fica cada vez mais claro que a TV Brasil é uma ‘TV chapa-branca’ a serviço do oficialismo da comunicação, objeto do deslumbramento de alguns diretores, cabide de emprego, sorvedouro de verbas públicas e área de manobra para empresas de comunicação do setor privado”.
Na sua indignação, Morel, que antes imaginava a TV Brasil como uma possível “tevê pública”, conforme anúncio original de Lula, não faz jogo de palavras: “Os atuais dirigentes não são do ramo. Entre eles, ninguém nunca trabalhou em uma emissora de televisão ou rádio. E ninguém tem experiência como dirigente de empresas. Criou-se ali um programa de debates, “livre e independente”, chamado “3 a 1”. O primeiro entrevistado foi o presidente Lula. Para a entrevista foi escalada a própria diretora de jornalismo de emissora”.
Sobre quem manda hoje na TV Brasil, Mario Morel faz revelações inusitadas: “Ela não é, como se diz por aí, a TV do Lula, mas, sim, a ‘TV do La Pena’. La Pena é um jornalista dono de uma empresa de comunicação, a Monte Castelo, que atua nos bastidores através da diretora de jornalismo, Helena Chagas, e do presidente da ACERP (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto), jornalista Arnaldo Jacob, ambos com estreitas e antigas relações com a empresa Monte Castelo. Nos corredores da TV – afiança Morel –, La Pena se intitula amigo e conselheiro do ministro de Comunicação Social, Franklin Martins”.
Ao tecer suas considerações, o jornalista pondera, em tom dedutivo, mas contundente: “A TV Brasil não será uma TV pública como Lula disse que desejava. Uma TV que demite um jornalista (Luíz Lobo, ex-editor-chefe da tevê e ex-âncora do “Repórter Brasil”) que não aceita chamar de “Banco de Dados” o “Dossiê” do Governo Federal contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; que extingue “Espaço Público”, único programa a discutir problemas brasileiros com independência; uma TV que só atinge 52 municípios dos 5565 do País e com menos de 1% de audiência, não é uma TV pública - é um brinquedo que custa R$ 350 milhões dos cofres públicos. A TV do La Pena é cara”.
De fato, segundo o Ibope, a audiência média (nacional) da TV Brasil, que era de 0,75%, caiu para 0,72% (cerca de 170 mil pessoas) na atual gestão. E custa quantia bem mais elevada aos cofres da Viúva (leia-se bolso do contribuinte): além dos R$ 350 milhões mencionados, a empresa tem acesso a um fundo de produção do Ministério da Cultura na ordem de R$ 80 milhões, além de outros tantos milhões advindos do faustoso universo das verbas publicitárias das estatais e do governo – verbas, como se sabe, sob o controle da Secretaria de Comunicação Social, dirigido pelo ex-guerrilheiro e jornalista Franklin Martins, a quem em última instância a emissora está subordinada.
Por mais incrível que pareça, o principal problema da TV Brasil não se apresenta no ostensivo desperdício do dinheiro público, nem muito menos no oficialismo que tomou conta dos seus informativos ou mesmo a sua redução à área de manobra para empresas de comunicação privada, conforme acusa o jornalista demitido. O mais perigoso, ou daninho, em especial para a frágil democracia vigente no País é a infiltração sistemática da ideologia terceiro-mundista que impera na sua programação, a vender, sempre, de forma subliminar ou direta, valores distorcidos, preconceitos da luta de classes e as inatingíveis promessas da “utopia” socialista.
Com efeito, como a justificar os índices vergonhosos de audiência, ali se cultivam, sem questionamentos, as idéias e imagens de um Guevara messiânico, as bravatas do chavismo bolivariano, as eternas louvaminhas ao democida Fidel Castro, responsável direto pela morte de 130 mil pessoas. Outro dia, reproduzindo programa de entrevista com o esloveno Slavo Sizek, “filósofo do caos”, o espectador tomou o choque de ouvir esse embusteiro cultural tecer considerações (alucinadas) sobre a positividade dos Gulags soviéticos, sem que ninguém presente protestasse.
Quanto ao enigma da demissão de Morel, parece não haver neste caso enigma nenhum: ele apenas expressa, desde Lenin, a velha prática do Poder esquerdista devorar os próprios aliados.

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