Por João Luiz Mauad, em 3 de agosto de 2007, no site "Mídia Sem Máscara" (midiasemmascara.org):
Confesso que, apesar de morar no Rio de Janeiro, não me interessei muito pelos Jogos Pan-americanos, realizados aqui no quintal de casa. Exceto por algumas provas de natação - esporte que pratico há muito tempo –, não acompanhei a competição nem pelos jornais, até porque, nas atuais circunstâncias, havia muita coisa, senão mais interessante, pelo menos mais urgente para ler. Além disso, sou avesso a esse verdadeiro ufanismo verde-e-amerelo que se instalou por aqui, como se algumas vitórias contra mequetrefes sul-americanos e times juvenis de Estados Unidos e Canadá representassem grande coisa.
De qualquer forma, o fato que mais chamou minha atenção estava fora do terreno esportivo: foram as pouquíssimas deserções dos atletas cubanos. Parece que somente quatro abandonaram a delegação olímpica, contra treze em Winnipeg, por exemplo. Noves fora o fato de que o Canadá seja um lugar, digamos, menos problemático para se tentar uma vida nova do que a violenta cidade do Rio de Janeiro, ainda assim acho quatro um número muito baixo, especialmente para quem conhece a índole do povo cubano, cuja principal característica é a ingratidão. Malgrado os imensos esforços do comandante Castro e seus asseclas para lhes dar uma vida segura e estável, sem preocupações com o futuro, com escola para os filhos ou abrigo para a velhice, muitos ainda insistem em fugir de lá, em busca dessa grande ilusão chamada liberdade. A coisa fica ainda mais difícil de explicar quando se sabe que os atletas são a elite do país e, por isso, contam com certos privilégios inacessíveis aos demais.
Ao contrário de diversos intelectuais mundo afora, muitos cubanos não conseguem perceber a magnanimidade de seu grande líder e a nobreza de seus ideais igualitários. Tivessem sido agraciados por Deus com a clarividência de um Chico Buarque, um Frei Betto, um Oscar Niemeyer, um L.F. Veríssimo, um Zé Dirceu e muitos outros, garanto que não andariam por aí, perambulando em busca de um novo lar.
(Aliás, fica aqui uma modesta sugestão: para amenizar um pouco a tristeza do venerável carcereiro, digo, comandante, alguns desses preclaros e abnegados apóstolos do comunismo poderiam pegar suas trouxas e imigrar para Cuba. Quem sabe assim o resto do mundo não começaria a olhar para aquela ilha com outros olhos. Para começar, poderiam propor uma troca, pau a pau, como se diz na gíria: suas casas aqui no Brasil pelas casas dos quatro atletas desertores lá no paraíso. Nada mais justo, acredito.)
"Sacoleiros" cubanos.Além das poucas fugas, chamou a atenção também o volume das sacolas que os cubanos carregavam (vejam a foto), tendo sido logo apelidados pelos irreverentes cariocas de “sacoleiros do PAN”. Sua loja predileta - seu sonho de consumo - era a “Casa & Vídeo”, especializada em consumo de baixa renda de produtos domésticos. Não, não pensem que os nossos “hermanos” estavam atrás de laptops, iPods, câmeras digitais ou outros produtos da moderna tecnologia capitalista. Nada disso. Suas compras preferenciais, segundo os lojistas, eram chuveiros elétricos, ventiladores, ferros de passar, rádios de pilha, varais de roupa, panelas de alumínio, talheres e roupas de cama.
Com que dinheiro esses miseráveis foram às compras? Elementar, meu caro leitor: alguma coisa eles tinham para dar em troca. O quê? Uniformes, ora. De acordo com levantamento do site globoesporte.com, uma camisa de treino da delegação cubana era negociada a R$ 40,00. Os casacos saiam por R$ 100,00 e o conjunto completo da marca Adidas, com a calça, R$ 200,00. Podia-se adquirir também tênis e meias. Dizem ainda que alguns atletas trouxeram escondidas várias caixas de charutos, o que lhes aumentou sobremaneira o poder de consumo nas lojas e camelôs da cidade.
Infelizmente, não era todo mundo que tinha algo para trocar. Este foi certamente o caso de um jornalista que um amigo encontrou, por acaso, às vésperas do início das competições, com quem travou um diálogo delicioso. Meu amigo encontrava-se na fila do caixa de um supermercado na Barra da Tijuca, local próximo ao alojamento dos atletas. Tinha o carrinho abarrotado com as compras do mês. De repente, uma voz cordial lhe faz uma pergunta e segue-se este breve colóquio (em “portunhol”, claro):
- Sus compras son para cuánto tiempo, amigo?
- Mais ou menos um mês, por quê?
- Cuantas personas moram con usted?
- Moramos somente eu e um filho.
- !Caramba! És mucha cosa para solamente dos personas, non?
- Sem dúvida, poderíamos sobreviver com muito menos que isso, mas como ambos trabalhamos e ganhamos nosso dinheiro honestamente, não vemos nada demais em consumir alguns supérfluos.
- Que hace usted?
- Trabalho no mercado financeiro.
- Hum! És especulador, non?
- Se você gosta do termo, sim. Digamos que eu seja especulador. Mas posso te dizer que trabalho muito. E você?
- Yo soy periodista del diário Granma, estoy a ca para los juegos.
- Diga-me, como é a vida lá em Cuba? É um lugar que eu gostaria de conhecer.
- Ah! La vida Allá es mui buena. Nostro país es mui hermoso. Em Cuba ninguno necesita matarse al trabajo, así como usted. Mismo los mais débiles y menos despiertos non carecen preocuparse. El gobierno cuida de todo ciudadano, a partir del nacimiento, hasta la senilidad. Nosotros tenemos salud, educación, habitación e todo más gratis.
- É, do jeito que você fala, parece muito bom mesmo. Diga-me uma coisa: o que vocês fazem nas horas de lazer? Televisão, Internet, cinema, restaurantes?
- Si, television y rádio. Los discursos de Fidel son mucho buenos. Toda la gente lê gusta. Por vezes, el comandante nos abla por varias horas. Em Cuba no tenemos Internet, pues los americanos la ocupan para asser su propaganda imperialista. Restaurantes solamente para los turistas. Nosotros non carecemos, pues ya tenemos nuestro quiñón mensual abastecido por el gobierno.
- OK. Amigo, foi um prazer conhecê-lo. Seja bem-vindo ao Rio de Janeiro. Espero que goste dos jogos. A propósito, deixe-me pagar as suas compras, como prova da nossa hospitalidade.
- Oh! Amigo, muchas gracias, non carecia preocuparse. Muchas gracias.
Meu amigo contou essa história numa mesa de bar e, imediatamente, causou uma certa revolta nos demais.
- Pô, cara, o sujeito te conta um monte de abobrinhas, faz uma tremenda propaganda daquele tirano e você ainda se oferece para pagar as compras dele? Só por isso, já que está com muito, vai pagar a conta hoje.
- Calma, gente! Não saiu muito caro, não. O “negão” (sorry! Afro-descendente) levava no carrinho somente três batatas e um pacote de biscoito [risos]. Coitado, alguém que entra num supermercado para comprar três batatas e um pacotinho de cream-cracker e, ainda por cima, gosta da vida que leva, merecia esse meu gesto de caridade, não acham?
Fui obrigado a concordar...
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