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sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

"A 'revolução de gênero' da National Geographic: Péssimo argumento e ideologia preconceituosa"

Aceitar as reivindicações da ideologia transgênero requer fechar os olhos à nossa consciência e escarnecer da "lei escrita no coração" que nossos corpos testemunham.


Por Andrew T. Walker e Denny Burk
A edição de janeiro de 2017 da National Geographic se dedica a explorar o que chama de "Revolução de Gênero"  - um movimento pós-Revolução Sexual que busca desconstruir entendimentos tradicionais sobre o corpo humano, o dimorfismo sexual masculino-feminino e o gênero. Em um artigo intitulado "Rethinking Gender", Robin Marantz Henig cita as normas de gênero em evolução como uma justificativa para a Revolução de Gênero. Mas o argumento de Henig não é apenas inaceitável, é baseado também em uma proposta radical sobre a natureza humana que está em desacordo com a lei natural e a antropologia bíblica.
O objetivo deste ensaio não é abordar todas as facetas do gênero que Henig explora. Em vez disso, nosso objetivo é resolver alguns dos erros mais flagrantes no artigo. Muitas das críticas abaixo se aplicam não apenas ao artigo de Henig, mas também aos problemas filosóficos mais amplos inerentes ao movimento transgênero.
Identidade de Gênero, Confusão de Categorias e Inconsistência Moral

Primeiro (e mais problemático): Henig não oferece nenhum argumento substantivo para explicar por que a auto-percepção interna de sua "identidade de gênero" deve determinar seu sexo ou ter autoridade maior do que o seu sexo biológico. O ensaio oferece testemunhos de pessoas que dizem que sua identidade de gênero está em desacordo com seu sexo biológico. Mas o testemunho não é suficiente. A afirmação de uma reivindicação não demonstra a autenticidade dessa reivindicação. Os leitores não recebem nenhuma explicação de por que devemos considerar as reivindicações de uma identidade de gênero como realidade, em vez de ser apenas um sentimento subjetivo ou auto-percepção.
Na verdade, este é o cerne da questão que assola o movimento transgênero. Baseia-se não na evidência, mas na ideologia do individualismo expressivo - a ideia de que a identidade é autodeterminada, que se deve viver essa identidade e que todos devem respeitar e afirmar esta identidade, não importa o que ela seja. O individualismo expressivo não requer nenhum argumento moral ou justificação empírica para suas reivindicações, não importa quão absurdas ou controvertidas possam ser. O transgenerismo não é uma descoberta científica, mas um compromisso ideológico prévio sobre a flexibilidade do gênero.
Em segundo lugar, Henig comete uma falácia ao ligar as condições intersexuais ao transgênero. Estas são categorias muito diferentes. "Intersexo" é um termo que descreve uma série de condições que afetam o desenvolvimento do sistema reprodutor humano. Estes "distúrbios do desenvolvimento sexual" resultam em anatomia reprodutiva atípica. Algumas pessoas intersexuais  nascem com "genitália ambígua", que tornam a determinação do sexo ao nascer muito difícil.
É precisamente neste ponto que a intersexualidade é muito diferente do transgenerismo. Aqueles que se identificam como transgêneros não estão lidando com ambiguidade sobre o seu sexo biológico. Transgenerismo refere-se à variedade de formas que algumas pessoas sentem que sua identidade de gênero está fora de sincronia com seu sexo biológico. Assim, identidades transgênero são construídas sobre a suposição de que o sexo biológico é conhecido e claro, o que não é o caso da intersexualidade.
Intersexualidade e transgenerismo são maçãs e laranjas, mas você não saberia isso lendo o artigo de Henig. Aqueles que estão forçando a revolução de gênero têm um interesse em confundir as categorias. Eles acreditam que pode ser demonstrado que o sexo biológico é um espectro, em vez de um binário, então eles podem minar o essencialismo de gênero. Mas as condições intersexuais não refutam o binário sexual. São desvios da norma binária, não o estabelecimento de uma nova norma. Assim, a experiência fisiológica da intersexualidade está numa categoria diferente das construções psicológicas da disforia de gênero e do transgenerismo. Henig relaciona essas categorias de forma problemática, de modo a colocar a identidade de gênero e a anomalia médica numa única categoria.
Nessa mesma linha, Henig cita um estudo que relaciona a não-conformidade de gênero com o autismo. Qualquer conclusão que este estudo pretenda estabelecer, não valida uma suposta identidade transgênero. No máximo, poderia estabelecer uma correlação entre não-conformidades de gênero e autismo, mas não uma causalidade, nem uma corroboração da ideologia transgênero. Novamente, aceitar que a identidade de gênero de alguém está em desacordo com seu sexo biológico não é nada mais do que ideologia sem qualquer verificação ou dados empíricos para apoiar tal afirmação. É metafisicamente impossível verificar a afirmação de que a identidade de gênero declarada confirma uma compreensão mais precisa do gênero do que o sexo biológico.
A última página do artigo de Henig comemora a mutilação de crianças menores com uma foto de uma menina de 17 anos sem camisa, que sofreu recentemente uma mastectomia dupla para "transição" para se tornar um menino. Por que os ideólogos transgêneros consideram prejudicial a tentativa de mudar a mente dessa criança, mas consideram que ela está progredindo ao exibir seu peito nu e mutilado para uma história de capa? Os ideólogos transgêneros como Henig nunca abordam esta contradição ética no coração de seu paradigma. Por que é aceitável alterar cirurgicamente um corpo para torna-lo de acordo com sua ideia do próprio self, mas intolerância tentar mudar seu sentido de self para se adequar ao seu corpo? Se é errado tentar mudar a identidade de gênero (porque é fixa e não se pode mexer porque é danoso), por que seria moralmente aceitável alterar algo tão fixo como a anatomia do aparelho reprodutor de uma criança? Aqui a inconsistência moral do argumento é flagrante.
Ciência fraca e alegações contraditórias

Terceiro, o artigo se refere obliquamente à "Teoria Cerebral do Sexo" para apoiar a conclusão mais ampla de que as identidades de gênero expansivas são imutáveis, objetivas e uma expressão autêntica do verdadeiro sexo de uma pessoa. Henig reconhece, com razão, as deficiências da Teoria Cerebral do Sexo, mas, no final, não oferece qualquer sugestão sobre a legitimidade das reivindicações transgênero à luz da inconclusividade dos estudos científicos sobre esta questão.
É por isso que seu argumento é, em última análise, pouco convincente e problemático: não há consenso científico sobre o que causa o transgenerismo. As teorias cerebrais do sexo são hipóteses, mas Henig escreve como se a revolução que nós estamos encontrando agora seja boa e mereça ser considerada inquestionável. Se Henig admitisse a falta de certeza em torno do transgenerismo, poria em dúvida a certeza sobre a qual o artigo (e toda a questão) se baseia. Henig não aborda seus próprios pressupostos, mas admite que as categorias descritas no artigo se baseiam em teorias, não em fatos.
Em quarto lugar, além do artigo de Henig, a cobertura da National Geographic é atormentada por reivindicações contraditórias e incoerentes. “A identidade de gênero e a orientação sexual não podem ser alteradas, mas a forma como as pessoas identificam sua identidade de gênero e orientação sexual pode mudar ao longo do tempo, na medida em que descobrem mais sobre si mesmos". A primeira metade desta frase afirma a imutabilidade da identidade de gênero, mas a segunda metade da afirma que a autoconsciência das pessoas sobre essas coisas pode mudar ao longo do tempo.
Não há uma contradição aqui quando definimos nossos termos? A identidade de gênero não é uma categoria objetiva, mas sim subjetiva. É como se percebe seu próprio senso de masculinidade ou feminilidade (Yarhouse, pp. 16-17). Se essa percepção é fixa e imutável (como afirma a primeira metade da frase), então é incoerente dizer que a autopercepção possa mudar ao longo do tempo (como afirma a segunda metade da frase). A auto-percepção pode mudar ou não mudar. Não pode ser as duas coisas ao mesmo tempo. Esta é uma contradição desconcertante contida dentro de uma única frase, mas parece que o autor não percebe.

Além disso, a afirmação de que as identidades transgênero são igualmente fixas e imutáveis como a orientação sexual, simplesmente não é apoiada por qualquer tipo de consenso científico. De acordo com um importante relatório publicado por Lawrence Mayer e Paul McHugh em The New Atlantis, "Há também pouca evidência de que as questões de identidade de gênero têm uma alta taxa de persistência em crianças". De fato, cerca de 80% das crianças que vivenciam sentimentos transgêneros conseguem resolver suas dificuldades sem qualquer intervenção, após a puberdade. Dizer que as identidades transgênero são fixas e imutáveis é simplesmente impreciso.
O que a Justiça Realmente Exige?

Em quinto lugar, toda a questão enquadra a "Revolução do Gênero" como a próxima fronteira da justiça social. Isso parece extraordinariamente míope dado o ritmo acelerado em que a revolução de gênero veio para a América. Mas vamos reformular os elementos da discussão que são omitidos do artigo de Henig e da questão geral:
- Por que a sociedade deve aceitar uma teoria do gênero que tem tão pouca adjudicação histórica?
- Por que não fazer perguntas sobre se certos meios são a causa de tais experiências recém-descobertas na história humana?
- Por que não explorar os elementos politizados do transgenerismo que são apoiados por um movimento agressivo LGBT?
- Por que omitir a história de contestação por trás desse movimento - que a compreensão da confusão de gênero como uma patologia a ser aliviada, ao invés de uma norma a ser abraçada, comum até o passado recente, agora é estigmatizada, se não até apagada da história?
- Por que a pressa para aceitar a alegação de que alguém é um membro do sexo oposto ao biológico ou não possui nenhum gênero?
- Por que a justiça exige a aceitação de uma medicina que mutila partes funcionantes do corpo em nome da identidade de gênero?
Henig não reconhece quaisquer vozes dissidentes que questionam a validade das identidades transgênero. Seu artigo - e a revista como um todo - dá por certa a ideia de que a compaixão e a justiça são mediadas apenas através da aceitação das controvertidas teorias nele contidas. Nós rejeitamos isso.
Finalmente, o artigo não aborda as conclusões que se seguem de suas premissas.
Em uma legenda, lemos:

Henry foi designado homem no nascimento, mas se considera "criativo de gênero". Ele se expressa através de seu senso de moda de vestir singular. Seus pais o inscreveram no Bay Area Rainbow Day Camp, onde ele pode encontrar o vocabulário para explicar seus sentimentos. Aos seis anos de idade, ele já está muito seguro de quem ele é.
O título deste artigo é de um radicalismo desenfreado. Nenhum garoto de seis anos tem certeza de quem ele é. A afirmação radical não-julgadora não é uma abordagem saudável para os pais ou uma estratégia de governo viável para a sociedade. Os pais realmente devem suspender toda forma de julgamento e se curvar aos caprichos  passageiros de seus filhos?  Esta sujeição se estenderia a todos os assuntos?
Em um ponto, Henig descreve um indivíduo que está procurando por uma identidade na qual  "se sinta bem". Isso é assustadoramente subjetivo e sujeito a auto-reinterpretações sem fim. O que "parece certo" para uma pessoa não indica o caminho para o que é certo. É também um exemplo de por que a revolução de gênero consiste em "cisternas quebradas que não podem conter água" (Jeremias 2:13). Como ilustra um vídeo muito difundido, tomar a linguagem de "identidade" e "identificar" ao lado de "gênero" leva a afirmações frívolas e ridículas que em nossa consciência sabemos serem falsas. E, na verdade, isso é o que é mais problemático sobre este artigo: aceitar as alegações contidas nele exige um fechar os olhos para a nossa consciência. Requer fazer zombar da "lei escrita no coração" que nossos corpos dão testemunho em nosso projeto de design natural . Como este artigo demonstra, não há limites para a revolução sexual e de gênero, apenas o rastro da carnificina humana que resulta da supressão da verdade.
Henig faz uma admissão surpreendente perto do final de seu ensaio: "A Biologia tem o hábito de se declarar no final". Sobre isso, Henig está certo. A humanidade não pode escapar dos limites inscritos na biologia. É impossível transgredir fronteiras biológicas carimbadas na natureza humana sem as categorias básicas da existência humana se desmantelarem. Se a história de National Geographic diz alguma coisa, ela fala de uma sociedade indo por um caminho de experimentação voluntária que levará à miséria e à negação do telos humano. Na verdade, esse movimento nascido de academias efêmeras e mitologias esquerdistas não é mais do que uma barbárie revestida de verdade.
* Denny Burk é professor de Estudos Bíblicos na Boyce College e no The Southern Baptist Theological Seminary. Ele também é presidente do Conselho para a masculinidade bíblica e feminilidade. 

* Andrew T. Walker é o diretor de Estudos Políticos da Comissão de Ética e Liberdade Religiosa e estudante de doutorado em Ética Cristã na The Southern Baptist Theological Seminary.

Nota do tradutor, Heitor De Paola: 
Embora não seja usual por não corresponderem a palavras dicionarizadas em Português, preferi usar revolução/ideologia transgênero para substituir transgender revolution/ideology. Em alguns casos ficou melhor transgeneralidade ou transgeneralismo.
Publicado no site do The Whiterspoon Institute.
Divulgação: Papéis Avulsos - www.heitordepaola.com
Fonte: "Mídia Sem Máscara"

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