Por
Rodrigo Constantino
Nota do
blog: muitos leitores me cobraram uma resposta ao artigo do colunista de
esportes Juca Kfouri sobre o "panelaço". Não o fiz, pois não queria dar trela
para militante petista que simula imparcialidade. Não vale a pena chafurdar na
lama. Certas figuras não querem debater de fato, não estão abertas aos
argumentos. Suspeito que muitos façam o que fazem a soldo do partido,
inclusive. Dito isso, Kfouri merecia uma resposta, não diretamente a ele, pois
está blindado contra a razão, mas para os leitores terem conhecimento de seu
engodo. Ou seja, era necessário desmascará-lo sem dó nem piedade, como fez meu
amigo Mauad nessa devastadora carta que vai abaixo. Até quando vamos aturar o
monopólio das virtudes dessa gente? Até quando vamos fingir que eles falam realmente
em nome dos mais pobres?
Prezado
senhor,
O que
me traz é um artigo de
sua lavra, a mim enviado por um amigo petista que, coitado, tem-se
agarrado a tudo que possa amenizar um pouco o imenso constrangimento por que
tem passado depois de ajudar a eleger a sua "presidenta" para mais um mandato
de 4 anos.
Não
tenho qualquer pretensão de convencer este meu amigo do seu (dele) mau
julgamento político, pois o infeliz se encontra absolutamente contaminado pelo
que os americanos chamam de "partidarismo". Ele torce e defende o PT como
quem torce e defende um clube de futebol, completamente cego a argumentos ou
fatos que possam "contaminar" a sua (dele) paixão.
Tampouco
pretendo convencê-lo de nada, Sr. Kfouri. Minha intenção é tentar
demonstrar aos demais que nos lêem o quanto seus argumentos e diatribes estão
equivocados, bem como defender-me de algumas acusações que o senhor faz aos
brasileiros em geral, e às elites, em particular. Para tanto, separei
alguns trechos do seu artigo (em vermelho) para comentar:
"Nós,
brasileiros, somos capazes de sonegar meio trilhão de reais de Imposto de Renda
só no ano passado. Como somos capazes de vender e comprar DVDs piratas,
cuspir no chão, desrespeitar o sinal vermelho, andar pelo acostamento e, ainda
por cima, votar no Collor, no Maluf, no Newtão Cardoso, na Roseana, no Marconi
Perillo ou no Palocci."
Fale
por si, seu Juca. Não generalize, por favor. Não sei da sua vida,
mas esse "nós, brasileiros" me é ofensivo. Não sou nenhum santo que
jamais avançou um sinal ou nunca andou em velocidade maior que a permitida, mas
não sonego impostos, não compro DVDs piratas, não cuspo no chão e não votei
nessa turma que o senhor elenca, assim como nunca votei no Lula ou na Dilma.
"O
panelaço nas varandas gourmet de ontem não foi contra a corrupção. Foi
contra o incômodo que a elite branca sente ao disputar espaço com esta gente
diferenciada que anda frequentando aeroportos, congestionando o trânsito e
disputando vaga na universidade. Elite branca que não se assume como tal,
embora seja elite e branca. Como eu sou".
Em
primeiro lugar, considero-me um membro da elite, sim, com muita honra.
Tive a sorte de poder estudar e formar-me em nível superior. Leio mais de
cinco livros por ano e minha renda é superior à média nacional. Quanto a
esse negócio de "elite branca", trata-se de uma enorme bobagem, para não dizer
de um clichê preconceituoso e boboca. Ninguém deveria ser acusado ou
cobrado por algo sobre o qual não tem qualquer ingerência. Eu jamais o
acusaria de ser feio, bonito, alto, baixo, branco preto, etc. São qualidades
(ou defeitos, dependendo do ponto de vista), sobre os quais não podemos fazer
nada. Simplesmente, nascemos assim. A propósito, tenho bons amigos
negros que pensam muito parecido comigo.
O
senhor diz que o panelaço não foi contra a corrupção. Eu lhe digo que foi
também contra a corrupção, mas foi principalmente uma reação das pessoas com
algum senso moral ao imenso estelionato eleitoral de que o país foi
vítima. Durante meses escutamos a sua candidata repetir que, se o seu
(dela) adversário vencesse, teríamos "tarifaço", aumento de juros, tunga nos
direitos trabalhistas, aumento de impostos, aumento dos combustíveis, etc. E o
que tivemos depois que ela foi reeleita? Tudo aquilo e mais um pouco. Ou
seja: ela pode mentir e enganar as pessoas a vontade, e nós devemos permanecer
quietos. Certo?
Mas o
panelaço foi também uma reação plenamente justificável aos atentados contra a
nossa inteligência cometidos pela sua "presidenta" e seus marqueteiros.
Aquele negócio de dizer que a culpa pela corrupção generalizada do governo era
do FHC, ou que a indizível roubalheira na Petrobrás só se tornou pública porque
ela mandou apurar, é muita cara-de-pau. Se o senhor gosta de ser chamado
de idiota, é problema seu. Mas não queira que todos tenhamos o mesmo
(mau) gosto.
"Como
Luís Carlos Bresser Pereira, fundador do PSDB e ex-ministro de FHC, que disse: "Um fenômeno novo na realidade brasileira é o ódio político, o espírito
golpista dos ricos contra os pobres."… Surgiu um fenômeno nunca visto antes no
Brasil, um ódio coletivo da classe alta, dos ricos, a um partido e a um
presidente. Não é preocupação ou medo. É ódio. Decorre do fato de se ter,
pela primeira vez, um governo de centro-esquerda que se conservou de esquerda,
que fez compromissos, mas não se entregou. Continuou defendendo os pobres
contra os ricos. O governo revelou uma preferência forte e clara pelos
trabalhadores e pelos pobres."
Vou
confessar-lhe uma coisa: estou, sim, com ódio do PT. Mas não por causa de
um suposto espírito golpista contra os pobres. Meu ódio é porque, ao
contrário do que o senhor alega, o seu partido jogou fora doze anos de governo
sem que tivesse feito quaisquer das reformas estruturais de que o país tanto
precisa, e cujos principais beneficiados seriam justamente os mais pobres que o
senhor se jacta de defender.
Seu
partido está há doze anos no poder e nada fez para melhorar
a educação pública básica. Ao contrário, o fosso entre a educação
de ricos e pobres só fez crescer. Seu partido nada fez para melhorar a produtividade
da nossa mão-de-obra, única forma comprovada de fazer crescer a renda
real dos trabalhadores. Nada fez para reduzir a enorme (e regressiva) carga tributária indireta,
que afeta muito mais os pobres que os ricos. Nada fez para melhorar o ambiente de
negócios no país, para permitir que pequenos e médios empreendedores
pudessem levar à frente os seus empreendimentos.
A única
coisa que vocês fizeram pelos pobres foi aumentar
o alcance do Bolsa Família, um programa que serve muito mais para
torná-los dependentes do seu partido do que propriamente para tirá-los da
pobreza. Chega a ser um acinte que vocês comemorem como algo honroso o
fato de termos quase metade da nossa população direta ou indiretamente
dependente desse programa. É pavoroso que vocês comemorem o aumento do
número de brasileiros recebendo a Bolsa, e não a sua redução.
Ao
mesmo tempo, o PT torrou rios de dinheiro com o "andar de cima" (para usar uma
expressão de que a trupe petista tanto gosta). Compare o
volume dos empréstimos subsidiados do BNDES às grandes empresas com
o volume de repasses do "Bolsa Família" durante todos esses anos e depois me
diga quem são os principais beneficiários das políticas públicas petistas (em
2013, por exemplo, o governo desembolsou $13,8 bilhões para o Bolsa Família e
$190 bilhões em empréstimos subsidiados para as empresas). Sem falar dos
bilhões e bilhões de dólares jogados no ralo por contratos superfaturados com
mega empreiteiras e esquemas de corrupção como "nunca antes nesse país".
"Nos dois
últimos anos da Dilma, a luta de classes voltou com força. Não por parte
dos trabalhadores, mas por parte da burguesia insatisfeita. Quando os
liberais e os ricos perderam a eleição não aceitaram isso e,
antidemocraticamente, continuaram de armas em punho. E de repente,
voltávamos ao udenismo e ao golpismo."
Não,
meu caro. A luta de classes voltou pelo discurso raivoso do ex-presidente
Lula. São vocês que, quando acuados, só enxergam a saída do "nós contra
eles", do eterno Fla x Flu. Até porque única e verdadeira luta de classes
que existe atualmente é entre aqueles que pagam impostos e aqueles que os
consomem, sem prestar minimamente os serviços que deveriam. A propósito,
como andam a segurança pública, a saúde e a educação? Pelo visto, o
senhor deve morar em outro país…
"Nada
diferente do que pensa o empresário também tucano Ricardo Semler, que ri quando
lhe dizem que os escândalos do mensalão e da Petrobras demonstram que jamais se
roubou tanto no país. "Santa hipocrisia", disse ele. "Já se roubou muito
mais, apenas não era publicado, não ia parar nas redes sociais".
O
senhor, por acaso assistiu ao depoimento do
réu confesso, Pedro Barusco, ontem na CPI da Câmara? Provavelmente, não.
Mas foi estarrecedor. O PT certamente não inventou a corrupção. O
que este partido fez, como nenhum outro, foi torná-la uma política de Estado,
uma instituição permanente, operada de cima para baixo, com o intuito de operar
a perpetuação no poder. A corrupção deixou de ser um assunto pessoal para
tornar-se institucional.
"Sejamos
francos: tão legítimo como protestar contra o governo é a falta de senso do
ridículo de quem bate panelas de barriga cheia".
Quer
dizer então que elites, ou melhor, gente que não seja pobre ou de esquerda, não
pode protestar ou reivindicar qualquer coisa? Essas são prerrogativas
exclusivas dos pobres? Não sei quantos anos o senhor tem, mas eu vivi
numa época em que as elites foram para as ruas pedir anistia. Foram para
as ruas pedir eleições diretas. Foram para as ruas pedir o impeachment do
Collor (não por acaso aliado atual do PT). Naquela época as elites
letradas faziam a sua parte, chamando a atenção do país em geral para as causas
certas, né? Hoje, como nossas causas são diferentes das suas, devemos
ficar em casa e assistir inermes a esse espetáculo de roubalheira e hipocrisia?
Não,
senhor. Sou brasileiro como qualquer outro. Rico, pobre, branco ou
preto. Pago tanto ou mais impostos do que o senhor e tenho todo direito
de ir para a rua protestar contra esse descalabro em que se transformou o
Brasil sob a sua "presidenta". Pelo bem dos meus (e dos seus) filhos e
netos, tenho obrigação de ir para a rua bater panelas, tocar buzinas, enfim,
demonstrar a minha contrariedade pela transformação do Estado brasileiro num antro
de ladrões, demagogos e hipócritas.
Passe
bem!
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