Por Augusto Nunes
Anunciada
na entrevista à rádio Itatiaia e reiterada horas depois num palavrório em São
Bernardo, a novidade foi confirmada nas escalas que o palanque ambulante fez no
Paraguai e na Argentina: Lula resolveu ser passarinho. Embora seja sempre uma
proeza, essa não tem nada de mais. Quem resolveu em oito anos todos os
problemas acumulados em mais de 500 nem precisa de muito esforço para fazer o
que Hugo Chávez anda fazendo quando precisa dar conselhos ao filhote Nicolás
Maduro.
É
também improvável que alguma ave possa alcançar as alturas históricas atingidas
por personagens a que o ex-presidente se comparou. Ele já se apresentou, por
exemplo, como uma reencarnação melhorada de Getúlio Vargas, Juscelino
Kubitschek, Jesus Cristo, Tiradentes, Abraham Lincoln e Nelson Mandela. O
estadista de galinheiro interrompe o sono eterno de qualquer um sempre que
precisa de ajuda para escapar do tribunal, de fiascos eleitorais ou quaisquer
outras enrascadas cabeludas em que vive se metendo.
A
primeira vítima foi exumada para abafar os estrondos decorrentes da descoberta
do Mensalão. "Em 1954, Getúlio Vargas teve a
coragem de dizer ao Brasil que a gente iria fazer a Petrobras e foi
achincalhado como eu", fantasiou Lula em 4 de agosto de 2005. "Hoje, a
Petrobras é, sem dúvida nenhuma, a empresa brasileira de maior orgulho para
todos os 186 milhões de brasileiros. É por isso que a elite quer fazer comigo o
que fez com Getúlio". (A Petrobras é que seria alvejada no peito por disparos
de Lula e seus bucaneiros).
Em
março de 2006, tangido pelo medo de ver o segundo mandato sair pelo ralo das
ladroagens mensaleiras, Lula escolheu o alvo da comparação infamante
depois de assistir a um capítulo da minissérie da Globo inspirada na figura de
Juscelino Kubitschek. "Hoje, JK está sendo vendido
como herói, mas a novela mostra como é que os que estão me atacando hoje
atacavam JK", ensinou num falatório em Salvador. (Nem Carlos Lacerda ousaria
enxergar semelhanças entre o construtor de Brasília e o inventor do Brasil
Maravilha).
No fim do inquilinato no gabinete presidencial, quando fazia o
diabo para eleger Dilma Rousseff, incorporou simultaneamente o filho de Deus e
o mártir da Inconfidência Mineira. "Todo santo dia eu sou perseguido por aqueles que não se conformam
com um presidente operário que pensa só nos pobres", recitava o animador de
comício antes de invocar uma das estações do seu calvário malandro: "Diziam que
eu era comunista porque tinha barba comprida, mas Jesus também tinha,
Tiradentes também tinha".
Em
fevereiro de 2013, ainda convencido de que seria secretário-geral da ONU depois
de contemplado com o Nobel da Paz, começou a violar sepulturas em terra
estrangeira. "A imprensa batia no Abraham Lincoln em 1860 igualzinho batem em
mim", descobriu o médium de botequim. (Nem o mais feroz antagonista do
presidente americano ousaria acusar Lincoln de ser um Lula). Meses mais tarde,
sobrou para Nelson Mandela.
"Tive
uma grata satisfação de fazer parte de uma geração que lutou contra o
apartheid", reincidiu em 5 de dezembro. "Não tinha sentido a maioria negra ser
governada pela minoria branca lá. Aqui, acontecia comigo a mesma coisa". (O
gigante sul-africano que acabara de morrer daria um jeito de viver mais alguns
séculos se desconfiasse que reencarnaria no Brasil como camelô de empreiteira e
caso de polícia).
Foi
para afastar-se das arapucas da Operação Lava Jato, aliás, que Lula
providenciou a mais recente metamorfose. "Você só consegue matar um pássaro se
ele ficar parado no mesmo galho", explicou ao anunciar o advento do Lula alado. "Se ele ficar pulando, é difícil. Então é o seguinte: eu voltei a voar outra
vez. Eu agora vou falar, vou viajar, vou dar entrevistas".
Dado
o recado, foi bater asas longe da Lava Jato (e do governo em decomposição da
herdeira Dilma Rousseff). Estava na Argentina quando chegou ao Supremo Tribunal
Federal o documento em que o delegado da Polícia Federal Josélio Sousa pede
autorização para incluir Lula na devassa do Petrolão. Trecho da petição:
"(…) a presente investigação não pode se furtar de trazer à
luz da apuração dos fatos a pessoa do então presidente da República, Luiz
Inácio Lula da Silva, que, na condição de mandatário máximo do país, pode ter
sido beneficiado pelo esquema em curso na Petrobras, obtendo vantagens para si,
para seu partido, o PT, ou mesmo para seu Governo, com a manutenção de uma base
de apoio partidário sustentada à custa de negócios ilícitos na referida
estatal".
"Pode
ter sido beneficiado" é muita gentileza. Aí tem - e como!, sabe até o
distintivo do delegado. Pelo que já confessaram comparsas convertidos em
colaboradores da Justiça, pelo que a Polícia Federal já descobriu, pela
montanha de provas acumuladas em Curitiba, pelo que logo se saberá, o
passarinho espertalhão pode estar voando perto demais da gaiola.
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