Por Percival Puggina
Eu sei, eu sei. De repente a vida
ficou pesarosa e irritante para quem viveu décadas surfando na utopia. Aquele
discurso socialista tinha a leveza de um sonho erótico e excitava no contraste
com a realidade, coitada - encardida, feia e banguela. Vendia-se utopia no
vidro traseiro dos carros. Vendia-se em camisetas, bandeiras e alto-falantes.
Nos microfones, púlpitos e salas de aula. Nas charges e colunas de jornal. Era
fácil de anunciar e barata de comprar. Haveria, logo ali, um novo céu, uma nova
terra e um homem novo. Onde? Como? Era tão simples! Tudo se resumia em Lula-lá!
Tenho bem presente a Constituinte
de 1988, os anos 90 e, principalmente, os gozos cívicos que marcaram a chegada
de Lula ao poder. Uns poucos, entre os quais eu, antevíamos o que estava por
vir. Assim como era inevitável a vitória da utopia sobre a realidade, era
inevitável o desastre que sobreveio devagar, incontornável. Desastre moral,
institucional, fiscal, econômico, cultural. Desastre que atinge todos os
objetivos permanentes de qualquer sociedade civilizada: ordem, justiça,
liberdade, segurança e progresso. Nada simboliza melhor o colapso de um projeto
impulsionado pela ingenuidade de uns e a vaidade de outros do que Lula
assistindo a Copa de 2014 pela TV, e Dilma no Sete de Setembro de 2015,
cercando-se com as autoridades numa espécie de campo de concentração às
avessas. O governo se esconde do povo.
Então, eu sei, a vida arruinou
para quem, nos meios de comunicação, inflou um projeto político que agora se
veste de pixuleco. Os propagandistas recolhem seus realejos. Não há mais
público para defensores do governo. Fica chato fazê-lo e assinar embaixo. Isso
só por muito dinheiro e boa parte dos antigos propagandistas da utopia eram
voluntários, rodavam sua manivela por devoção. Vem-me à mente, então, o grande
Carlos Drummond de Andrade: "E agora, José? A festa acabou, a luz apagou,
o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?". Agora, quando o sonho
erótico virou desvario masoquista, ainda com o poeta digo a José: "O dia
não veio, o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia e tudo fugiu e
tudo mofou. E agora, José?".
José, coitado, cuida como pode de
proteger o indefensável. Ele não mais se aligeira com os porta-estandartes da
utopia que não veio. Repare bem nele. Furioso, xinga e ofende quem faz oposição
num país que precisa, urgentemente, de rumo e prumo. É feio, mal educado, mas -
que remédio? - se a utopia mofou e deu nisso que está aí?
Fonte: http://www.puggina.org/
Nenhum comentário:
Postar um comentário