Por Reinaldo Azevedo
Não adianta. Dilma Rousseff está na categoria dos que não aprendem
nada nem esquecem nada. Nesta quinta, na solenidade em que deu posse de Rodrigo
Janot para um segundo mandato de dois anos à frente da Procuradoria-Geral da
República, ela voltou àquele que se tornou o samba de uma nota só do seu
governo: o combate ao impeachment. E recomendou a Janot que a PGR seja a "defensora da estabilidade das instituições".
Não sei o que quer dizer "defender a estabilidade" no vocabulário
de Dilma, mas imagino. E como Janot defende, né?! Até agora, ele não importunou
minimamente a presidente. Poderia ter enviado um pedido de abertura de
inquérito contra ela; não o fez. Poderia ter respondido à ação da oposição, que
pediu a abertura de uma ação penal contra a presidente. Não o fez também. E, de
quebra, ainda tentou impedir a Justiça Eleitoral de investigar as contas de
campanha do PT. Isso é mais do que a estabilidade pedida. É fidelidade.
No dia em que uma denúncia contra ela é protocolada na Câmara, com
o apoio de partidos de oposição e de movimentos que levaram milhões de pessoas
às ruas, Dilma recomendou que os políticos "pleiteiem o poder por meio do voto
e aceitem o veredito das urnas".
De novo, é uma forma errada de entrar no debate. Quem, no país,
está pleiteando o poder de outra maneira? Eleições são uma condição necessária
da democracia, mas não suficiente. Isso quer dizer que não existe democracia
sem o voto, mas que pode haver voto onde não há democracia, como evidenciam
Venezuela, Equador e Irã, entre outros…
Mais pode ser dito a respeito: um presidente obtém nas urnas, e
Dilma faz questão de fingir que não entende - ou, o que é pior, não entende
mesmo -, o direito de governar o país segundo as regras do jogo que o elegeu.
Entenda, presidente: se ficar caracterizado que a vitória foi fraudulenta, que
ela foi obtida por meios ilegais, que a institucionalidade foi ferida, então,
senhora Dilma, a própria democracia que garante a assunção de um líder também
aponta os caminhos de sua deposição.
Mais do que isso: no curso do mandato, esse líder eleito pode
cometer falhas que são de tal sorte graves que a sua continuidade no poder é
incompatível com as regras do jogo. O seu mentor espiritual, Lula, que gosta de
transformar tudo num jogo de futebol, poderia lhe explicar o que é cartão
vermelho.
Dar pedaladas fiscais, presidente, é o mesmo que dar um carrinho
por trás, com as chuteiras a alguns centímetros do chão. Não há como manter o
jogador em campo. Já o petrolão é cotovelada no nariz, chute na cabeça e dedo
no olho.
Dilma, ao contrário do que anuncia, tem uma cultura democrática
frágil, fraca mesmo. A sua trajetória explica o seu parco entendimento do
regime. Saltou de grupos terroristas para a política institucional pelas mãos
do brizolismo, que nunca foi um prodígio nessa área. Foi burocrata do governo
gaúcho. Depois, burocrata do governo Lula, cujo líder máximo, para gáudio dos
tolos, rebaixou a institucionalidade com o carisma.
Nesse ambiente, Dilma se fez "mãe do PAC", uma construção mixuruca
da marquetagem e, dali, foi pescada para ser a "Dilmãe", a mãe do povo. O que
menos esta senhora respirou em sua trajetória foi a cultura democrática, que
não existe para valer, vamos ser claros, fora do ambiente liberal.
É por isso que Dilma não entende que o mesmo arcabouço legal que a
elegeu pode depô-la. É por isso que Dilma não entende que há dois caminhos para
ela deixar o poder: ou será pelo impeachment - e, nesse caso, vai ser deposta
por quem também foi eleito - ou será pela via judicial, cuja legitimidade é
garantida pelo conjunto das regras que formam o Estado de Direito. Não deixa de
ser um pouco constrangedor ter de explicar isso tudo.
Dilma se jactou ao se referir a Janot:
"Acolhi a indicação da lista encaminhada pela Associação Nacional dos Procuradores da República. Fazendo isso, evitei partidarizar a escolha, respeitei a autonomia do Ministério Público. Adotei esse procedimento por entender que essa é a atitude correta a ser seguida pela presidente da República, porque é uma atitude impessoal, republicana e democrática".
"Acolhi a indicação da lista encaminhada pela Associação Nacional dos Procuradores da República. Fazendo isso, evitei partidarizar a escolha, respeitei a autonomia do Ministério Público. Adotei esse procedimento por entender que essa é a atitude correta a ser seguida pela presidente da República, porque é uma atitude impessoal, republicana e democrática".
Bem, ela não foi a primeira. De fato, poderia ter adotado outro
caminho, já que a eleição direta para procurador-geral não está na Constituição
nem em lugar nenhum. Não é algo de que a gente deva necessariamente se
orgulhar, não é mesmo? A lembrança que Dilma faz é imprópria porque resta no ar
a sugestão de que indicou o preferido da categoria para, no fundo, ser deixada
em paz. Sobra a suspeita de que houve uma relação de troca.
A presidente aproveitou para citar o grande pensador - ah, Jesus! - José Mujica, ex-presidente de Uruguai: "Essa democracia não é perfeita porque
nós não somos perfeitos, mas temos que defendê-la para melhorá-la, não para
sepultá-la".
Então tá bom.
Concorre para sepultar a democracia quem mente sobre si mesmo para
ser eleito.
Concorre para sepultar a democracia quem mente sobre os outros
para ser eleito.
Concorre para sepultar a democracia quem se apodera do estado em
benefício de um grupo ou de um partido.
Concorre para sepultar a democracia quem dá mostras de não
reconhecer as regras do jogo.
Concorre para sepultar a democracia quem não se importa em, se
preciso, quebrar um país para não perder uma eleição.
Dilma é capaz de ligar tais obras à pessoa?
Fonte: "Blog
Reinaldo Azevedo"
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