Por Percival Puggina
De vez em quando me vem à lembrança a figura do Lula oferecendo o Brasil
para sediar a Copa de 2014 com aquele ar de Moisés malandro levando o povo à
terra prometida. Entre os anos de 2003 e 2007, o governo brasileiro suou o
topete para alcançar o espetacular objetivo. Sempre fui contra.
Antes da Copa da África do Sul, a propósito do "Let it be! (Pois
que seja!)" com que o bispo Desmond Tutu respondeu aos jornalistas que lhe
perguntaram se os estádios sul-africanos não se transformariam em elefantes
brancos, eu escrevi: "A Fifa impõe aos países eleitos para acolher seu
empreendimento exigências que só se cumprem despejando bilhões de dólares nos
seus cofres, nas betoneiras das construtoras e nos altos fornos das
siderúrgicas. Se fosse bom negócio, não faltariam empreendedores interessados
em bancar a festa porque sobra no mundo dinheiro com tesão para o crescei e
multiplicai-vos".
Contudo, os delírios de grandeza e a notória imprudência do líder máximo
do petismo nacional mobilizaram a opinião pública que aceitou a Copa como um
dos símbolos símbolos do Brasil potência emergente. A maior parte do povo
brasileiro, do mesmo modo como espera o último dia de qualquer prazo para fazer
o que deve, esperou o último ano anterior ao evento para perceber o descompasso
entre o oneroso Brasil da Fifa, para inglês ver, e o carente Brasil dos
brasileiros. E aí, alguns pularam, irresponsavelmente, do oito para os
oitocentos: "Não vai ter Copa!". Como não vai ter Copa? Vai ter, sim,
e não serão alguns milhares de meliantes presunçosos que vão impedir a
realização do evento. A estas alturas, com o pouco de vergonha que nos reste na
cara, faremos a Copa.
O que me traz novamente ao tema é o fato de que Lula quis fazer uma
borboleta e produziu um morcego. Os espaços que nestes dias a mídia do resto do
mundo dedica ao Brasil, em vez de exibir as maravilhas nacionais como sonhava o
Lula, estão tomados por severas admoestações aos viajantes sobre os riscos de
vir ao nosso país. Nosso cotidiano, descobrem, é assustador. A potência
emergente foi tomada de assalto pelo crime organizado, tanto nos últimos
andares do poder, no grande mundo, quanto no submundo. (Não por acaso, 'A Tomada
do Brasil' é o título do meu próximo livro). Basta-nos assistir os noticiosos do
horário noturno para nos depararmos com cenas que ora lembram ocorrências de
países em guerra, ora nos nivelam com as mais atrasadas republiquetas da África
Subsaariana.
Se Lula, se Dilma, se o petismo dominante pretenderam transformar a Copa
numa excelente oportunidade para o marketing pessoal, político e - até mesmo -
nacional, seus burros empacaram dentro d'água. Foi mal, para dizer como a
gurizada destes tempos. A atualidade brasileira, a violência e a insegurança de
nossas ruas fazem lembrar o que Eça de Queirós escreveu numa crônica de 1871
quando se falava, em Lisboa, sobre os turistas que viriam à terrinha com a
construção de uma ferrovia ligando Portugal à Espanha. Escreveu então o mestre
lusitano: "A companhia dos caminhos de ferro, com intenções amáveis e
civilizadoras, nos coloca em embaraços terríveis: nós não estamos em condições
de receber visitas".
Não estamos, mesmo. Mas agora, quem pariu a Copa que a embale. Que
apresente e justifique ao mundo, aos nossos visitantes, o Brasil real, a
insegurança das nossas ruas, a violência do cotidiano nacional, nossa
incapacidade de cumprir prazos, a limitação monoglota de nossos aeroportos,
hotéis, restaurantes e taxis e as muitas tentativas de passar-lhes a perna a
que estarão sujeitos. É o lamentável Brasil de 2014.
Fonte: "Mídia Sem Máscara"
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