Por Daniele Barreto
Tramita
no Congresso Nacional o projeto do Novo Código Comercial, o PL
1.572/2011, de autoria do deputado Vicente Cândido (PT-SP), que traz
mudanças conceituais e práticas que disciplinarão o dia-a-dia das
empresas. Já atrasada - pois na medida em que se industrializa, o Brasil
fica para traz do ponto de vista do ordenamento jurídico -, a aprovação
do Código lançará luz e regras no mundo empresarial.
Arcabouço jurídico
O atual Código Comercial é de 1850, herança do império. Aprovado em
junho do citado ano, regia as relações empresariais em um país
latifundiário e cujo contexto comercial nada lembra as recentes
inovações tecnológicas e a realidade social, econômica e ambiental do
Brasil.
Vale
ressaltar que tal norma sofreu inúmeras alterações no decorrer dos anos
(numa vã tentativa de acompanhar a realidade) e, do original do século
XIX, apenas temos a disciplina do Direito Marítimo. Todo o resto foi
revogado em janeiro de 2003, quando entrou em vigor o Código Civil (CC)
que trouxe um Livro tratando do Direito Empresarial. Ainda assim, mesmo
com a recente mudança, não entendemos que a legislação contemple
satisfatoriamente o peculiar setor.
Novo Código Comercial X Código Civil
Sendo aprovado o Projeto de Lei 1.572/2011, os artigos do CC que tratam
do Direito das Empresas serão revogados, valendo a normatização nova.
Esse descarte de parte do Código Civil (que conta com pouco mais de 10
anos) e a profunda mudança na legislação não têm sido unânime na
comunidade jurídica.
Enquanto o professor Carlos Joaquim de Oliveira Franco entende que o
Código Civil ainda não foi bem absorvido pela população e que um novo
Código Comercial geraria ainda mais problemas no setor, o autor da
minuta do projeto (o professor Fábio Ulhoa, referência em Direito
Comercial) argumenta que a economia brasileira mudou nos últimos tempos e
as relações empresariais precisam ser desburocratizadas, através da
adaptação nas leis e na condução das relações entre as empresas – o que
tornaria obrigatória a elaboração de uma normatização mais densa e
específica (como pretende o PL do Novo Código Comercial).
Segundo
os que seguem o primeiro jurista citado, caberia, nesse momento, apenas
pequenas mudanças no CC. Quem se filia à vertente de Ulhoa entende que
discutir a matéria com profundidade leva, necessariamente, a princípios
próprios de um Código Comercial - portanto, apartado na Lei Civil já
vigente.
O Agronegócio no Novo Código Comercial
Esse projeto de Novo Código Comercial pretende grande influência no
setor do agronegócio. Embora seja essencial ao crescimento do país - uma
das maiores potências agropecuárias do mundo -, não há no Brasil uma
legislação que discipline e assegure o setor, que tem larga importância,
sendo responsável por 23% do PIB Nacional, o equivalente a mais de 1
trilhão.
O
autor do Projeto classifica como "absurdo" o produtor rural ainda não
ter tratamento de empresário pela legislação pátria, entendendo que o
tema - pela importância - deve ser tratado como "questão de Estado".
Mais do que uma simples regulamentação do setor, o que se objetiva é a
preservação da cadeia produtiva - que se estende a indústria e comércio,
e não se limita ao setor primário - mediante interferência do estado,
inclusive, através do Poder de legislar.
Visando
conferir ao setor dimensão jurídica compatível com a sua grandiosidade,
em junho de 2012, o deputado federal Arthur Maia apresentou as Emendas
nº 33 e nº 34, alusivas ao tema agronegócio, ao PL (o próprio deputado é
Presidente da "Comissão Especial destinada a proferir Parecer ao PL nº
1.572 de 2011").
De
fato, se afigura inadmissível que o agronegócio - propulsor da riqueza
no país - não conte com leis específicas que permitam planejamento
estratégico, estabilidade de preços, garantias de comercialização,
dentre outras especificações que permitam, inclusive, ao agronegócio se
articular com a sociedade e a cadeia produtiva e dialogar com o
Judiciário baseado em normas mais compatíveis com a realidade do setor.
Com
a inserção das Emendas referidas, Maia intenta reverter esse quadro,
acrescentando o livro específico "Do Agronegócio" e colaborando com a
busca que o setor trava pela excelência em competitividade.
Já nos primeiros artigos, a Emenda nº 33 conceitua o Agronegócio como "a
rede de negócios, contratos e títulos que promovem a integração das
atividades econômicas organizadas de fortalecimento de insumos,
produção, comercialização, armazenamento, logística e distribuição, para
consumo interno e internacional, de bens agrícolas, pecuários, de
reflorestamento e pesca". Excepciona-se, por óbvio, a exploração da
terra por grupo familiar sem caráter profissional e organizado, ainda
que se comercialize o excedente, e atividades de caráter extrativista.
Como norteadora do setor, a Emenda inova trazendo a baila os "princípios do regime jurídico do agronegócio e dos sistemas agroindustriais",
tais sendo: função social da cadeia agroindustrial; integração das
atividades de cadeia agroindustrial, proteção da cadeia agroindustrial e
desenvolvimento agroindustrial sustentável.
No
tocante à função social, tão amplamente debatida, preocupou-se em
versar sobre a proteção ao meio ambiente e a necessidade de produção de
alimentos e bioenergia que se destine ao enfrentamento dos desafios
globais de crescimento populacional. Percebemos que a abordagem da
Emenda trás um entendimento compatível com a necessidade do Brasil em
avançar na regulamentação do setor que mais cresce e destaca o país no
internacionalmente, mostrando-se não apenas focada na questão
econômico-financeira, mas de responsabilidade social e ambiental – o que
compatibiliza a norma com outras regras de meio ambiente e proteção ao
cidadão.
Em
seguida, a Emenda insere os capítulos "Dos Contratos do Agronegócio" e "Dos Títulos do Agronegócio". Destacamos em ambos a abordagem do
agronegócio como uma cadeia concatenada.
São
disciplinados quatro contratos específicos: o contrato de monitoramento
agroindustrial (tendo por objeto a prestação de serviços de
levantamento inicial de lavoura, de reflorestamento ou de cria ou recria
de animais e análise econômica agroindustrial); a administração
fiduciária de estoques (tem por objeto a gestão de produtos, subprodutos
ou resíduos de valor econômico dados em garantia ou entregues pelo
produtor ou empresário da agroindústria); o depósito de produtos
agropecuários (contrato pelo qual o armazém se obriga a guardar e
conservar produtos dos gêneros dos autorizados por sua certificação) e a
integração agroindustrial (empresários do agronegócio obrigam-se a
conjugar recursos e esforços na exploração de atividade econômica
agroindustrial, por meio de um sistema de integração).
Importância da regulamentação do agronegócio pelo Novo Código Comercial
O desempenho do agronegócio impõe que se volte um olhar mais atento ao setor.
Sucesso,
inclusive em graves períodos de crise, o processo produtivo do
agronegócio brasileiro tem passado por inovações que o ordenamento
jurídico pátrio precisa acompanhar… Mas não tem conseguido!
Uma
chance que não deve ser desperdiçada pelo Congresso é a aprovação do PL
do Novo Código Comercial, visando, acima de tudo, desburocratizar o
setor, garantir princípios gerais como a sustentabilidade e primar pela
organização em cadeia.
Resta-nos
esperar que o PL, como outras iniciativas aspiradas pelo povo
brasileiro, não seja esquecido nos gabinetes do Congresso, enquanto os
empreendedores do setor arcam com prejuízos repassados ao consumidor e
enxergam, ainda que distante, a possibilidade de perda do protagonismo
internacional, pela morosidade do Poder Legislativo.
Em
sendo aprovado, as mudanças alçarão o Brasil à posição de primeiro país
do mundo a reconhecer o agronegócio como uma atividade comercial por
meio de um Código e guiarão nossa economia para maiores patamares.
Daniele
Barreto é advogada, pós-graduada em Direito do Estado pela Ufba, consultora política credenciada pela Associação Brasileira de
Consultores Políticos, colunista e blogger. www.danielebarreto.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário