Por J. R. Guzzo
O governo do Brasil criou
uma certeza nos últimos onze anos. Está absolutamente convencido de
que o fato de ganhar eleições lhe dá, automaticamente, razão em tudo;
não pensa, nunca, que o eleito representa todos, e não apenas os que são a
seu favor.
Exatamente ao mesmo
tempo, acha que quem discorda do governo está errado por princípio. É como
na religião - se você não tem a mesma fé do vizinho, jamais pode ter
razão em nada. É um herético que está desafiando a vontade de Deus, e um inimigo que
tem de ser destruído.
O problema é que
existe aí uma séria encrenca com os fatos, essa praga que só
atrapalha o conforto das ideias prontas - o Brasil, infelizmente para o
governo, o PT e seus profetas, tem heréticos demais.
Fazer o quê? O diabo, além
de estar nos detalhes, está nos números. No caso das eleições
para presidente em 2010, a última medição objetiva sobre quem está a
favor e quem está contra o governo, a aritmética prova que ninguém é muito
maior que ninguém.
No segundo turno da eleição,
Dilma teve 55.700.000 votos e José Serra ficou com 43.700.000;
obviamente não dá para fazer de conta que os votos do perdedor não
existem. Na verdade, já é um assombro que Serra, tido como um dos
candidatos menos atraentes do planeta, tenha conseguido esses
espantosos 43,7 milhões de votos; positivamente algo não deu certo do
outro lado.
Além disso, mais de 29
milhões de eleitores nem foram votar, e outros 7 milhões preferiram ficar
nos nulos e brancos - ou seja, 36 milhões de cidadãos
simplesmente não votaram em ninguém. Resumo da ópera: de um
eleitorado total de 135 milhões de pessoas, 80 milhões não votaram em
Dilma.
Ficamos, assim, na curiosa
situação em que a maioria dos eleitores é considerada pelo
governo como inimiga da vontade popular - se não estão com a
gente, reza o seu evangelho, só podem estar do lado do mal.
Lula, Dilma e sua máquina
de propaganda, ao que parece, resolveram lidar com esse despropósito
inventando um modelo de adversário fabricado na sua imaginação. "O ódio
que alguns têm de nós é ver a filha da empregada cursando uma
universidade federal", disse Lula ainda há pouco.
Mas por que raios alguém
haveria de se importar com isso? Quem vai se prejudicar se a filha
da empregada estiver numa universidade federal? Ou estadual? Ou
particular? Por que ficaria com "ódio"?
Lula sabe muito bem que
tudo isso é pura invenção. Mas sabe também que a mentira viaja
de Ferrari, enquanto a verdade vai a lombo de burro; passa 100 vezes
pelo mesmo lugar antes que a verdade tenha conseguido chegar lá, e nesse
meio-tempo falsifica até a regra de três.
Dilma faz a
mesma coisa com menos talento. Outro dia veio com a história de que
só criticam a estratégia social do governo os que "nunca tiveram de ralar,
de trabalhar de sol a sol para comprar uma televisão, uma geladeira, uma
cama, um colchão". Como é mesmo? Todo mundo, ou 999 em cada 1.000
brasileiros, tem de trabalhar para comprar qualquer dessas coisas,
já que nenhuma delas é dada de graça a ninguém. Mas e daí?
O que interessa é
vender a ficção de que só o governo é capaz de ajudar os
pobres - e só pode discordar disso quem nunca trabalhou na vida.
Essa montanha de dinheiro
falso é engolida com casca e tudo no Brasil de hoje - e, conforme o
caso, há uma conta a pagar por quem não engole. O caso do músico João
Luiz Woerdenbag Filho, 56 anos, natural do Rio de Janeiro, conhecido do
público como Lobão e autor de uma coluna nesta revista, é um
clássico.
Lobão foi colocado no banco
dos réus do Tribunal de Inquisição formado na classe artística para
decidir o que é o bem e o mal no Brasil, e até hoje não conseguiu se
levantar. É acusado do delito de ter se vendido "à direita" ou apenas de
ser "de direita" - coisa esquisita, porque se imagina que ele
teria o pleno direito, pela Constituição, de ser de direita - ou de
esquerda, ou seja lá do que lhe desse na telha.
O que o resto do mundo tem
a ver com isso?
Mas Lobão é um artista de
fama, e um artista de fama não tem direito à liberdade de pensamento e
de expressão se ganhar o selo de "direitista". Na verdade, no Brasil
de hoje nem se sabe o que é ser "de direita"; nossos juristas diriam que o
crime de "direitismo" ainda não está bem "tipificado". Tanto faz.
Para a polícia
política do PT, é criminoso de direita todo sujeito que disser às claras
que não gosta de Lula, nem de Dilma, nem da sua inépcia, nem do PT,
nem do governo, nem do "projeto" do petismo, nem dos seus melhores
amigos, que vão de Collor a Maluf.
Esperem a campanha começar.
Fonte: "Veja"
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