Por Reinaldo Azevedo
A Folha publica hoje uma pesquisa sobre a revisão da Lei da
Anistia. Há duas maneiras de lê-la: escondendo o que está lá ou chamando a
atenção para o que está sendo revelado. De modo genérico, 46% se dizem a favor
da revisão, contra 37%, que não apoiam essa ideia. Não souberam responder 17%
dos entrevistados. Mas a pesquisa é um pouco mais detalhada. O instituto quis
saber: “Você e a favor ou contra a
punição de pessoas que torturaram presos políticos durante a ditadura?”
A resposta: 46% a favor, e 41% contra. Considerando a margem de erro, há
praticamente um empate técnico. A pergunta, convenham, força parte das pessoas
a se posicionar contra a tortura — e o aspecto jurídico acaba se perdendo.
Suponho que pessoas de bem repudiem tal prática, certo?
Mas o que certamente vai surpreender muita gente é outra coisa. O
instituto perguntou: “Policia e
Judiciário devem reexaminar os casos de atentados contra o governo durante a
ditadura?” Atenção para a resposta: 54% são a favor, 29% são
contrários; 11% não sabem, e 6% são indiferentes (os infográficos foram
publicados pela Folha).
Não dá para dourar a pílula: os que acham que a extrema esquerda
terrorista também deve ser julgada são em maior número do que os que querem
punir os torturadores: 54% a 46%; os que defendem que os esquerdistas sejam
deixados em paz são em menor número — 29% — do que os que pensam o mesmo sobre
os torturadores: 41%. E nada menos de 80% acham que tanto os torturadores como
os que praticaram atentados devem ser julgados hoje; 8% avaliam que só os
membros do governo têm de passar por essa revisão; 6% a defendem apenas para os
agentes do Estado, e outros 6% não sabem.
Vale dizer: a esmagadora maioria dos brasileiros não tem a
ambiguidade moral das esquerdas, que acreditam que a Lei da Anistia deva ser
revista só para seus adversários. Que fique claro: não é verdade que todos os
esquerdistas que participaram de atentados, ou de seu planejamento, foram
presos e processados naqueles dias. Alguns foram; outros não.
O Datafolha apresentou ainda a seguinte questão: “O governo brasileiro paga indenização a pessoas ou
familiares de pessoas que foram mortas ou perseguidas pela ditadura. Qual é a
sua opinião a respeito?” 52% concordam totalmente; 22%
concordam em parte; 5% são indiferentes; 5% discordam em parte; 9% discordam
totalmente; 7% não sabem. Eu diria que não há como uma pergunta como essa não
ter uma maioria de gente que concorda. Afinal, se as pessoas foram mortas ou
perseguidas… Será, no entanto, que, se os brasileiros soubessem da penca de
desmandos que há nesses pagamentos, haveria a mesma concordância? Duvido.
Só para lembrar. A Lei de Anistia, a 6.683, é de 1979 e, por
reivindicação das esquerdas, concedeu anistia “ampla geral e irrestrita” para
os crimes políticos e conexos — incluindo a tortura, que só passou a ser definida
na legislação em 1997, com a Lei 9.455. O que pretendem? Aplicar uma lei de
1997 para crimes cometidos antes de 1979? No direito penal brasileiro, a lei
não retroage para punir ninguém. Mais: a Emenda Constitucional nº 26, que
convocou a Constituinte, tinha como pressuposto a anistia. Se tudo isso
parecesse pouco, o STF já se pronunciou a respeito e reafirmou a
impossibilidade de rever o perdão.
Mais: o Brasil não tem ainda uma lei contra o terrorismo. Se e
quando tiver, deve-se retroagir para punir remanescentes de grupos terroristas?
Acho que não! A pressão política para processar apenas os torturadores e livrar
a cara dos terroristas é grande. Ocorre que uma e outra coisa não resistem a um
exame jurídico isento. O que pretendem? Revogar a Lei 6.683, tornar sem efeito
parte da Emenda Constitucional nº 26 e aplicar retroativamente a Le 9.455? Isso
não seria estado de direito, mas estado de bagunça.
Não acho que vá acontecer.
Por Reinaldo Azevedo
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