Por Reinaldo Azevedo
Na minha coluna de sexta, na Folha, escrevi um texto sobre 1964,
que reproduzirei abaixo, na íntegra, o que nunca faço aqui. Impressiona-me a
incapacidade de alguns grupos de ler o que está escrito, preferindo o que não
está.
O texto tem, sim, uma tese: sustento que toda essa discurseira
sobre o golpe militar de 1964 busca se apropriar do passado para garantir
posições e conquistas do presente. E me ocorreu, então, indagar se o país fez o
mesmo com o Estado Novo, por exemplo, a ditadura de Getúlio Vargas, que foi
mais brutal, discricionária e assassina do que a militar.
Não faço uma "comparação de ditaduras" para escolher a melhor. É
preciso ser burro ou canalha para fazer essa leitura. Tampouco sugiro que a
ditadura militar foi bolinho, tranquila, nada disso! Lembro é outra coisa: em
1987, em vez de ficar reciclando os ódios de 1937, o Brasil estava fazendo a
sua Constituinte, ora! Em 1995, em vez cuidar dos 50 anos do fim do Estado Novo,
estávamos empenhados em garantir o futuro do Plano Real.
E deixei claro: estou preocupado é com o país daqui a 50 anos, com
2064, não com 1964. Segue o texto na íntegra.
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1964 já era! Viva 2064!
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1964 já era! Viva 2064!
1964 já era! Tenho saudade é de 2064! Os historiadores podem e
devem se interessar pelos eventos de há 50 anos, mas só oportunistas querem
encruar a história, vivendo-a como revanche. Enfara-me a arqueologia vigarista.
Trata-se de uma farsa política, intelectual e jurídica, que busca arrancar do
mundo dos mortos vantagens objetivas no mundo dos vivos.
A semente do mensalão está nos delírios do Araguaia. O dossiê dos
aloprados foi forjado pela turma que roubou o "Cofre do Adhemar". Os assaltos à
Petrobras foram planejados pelas homicidas VAR-Palmares, de Dilma, e ALN, de
Marighella. A privatização do passado garante, em suma, lugares de poder no
presente e no futuro. Os farsantes apelam à mitologia para reivindicar o
exclusivismo moral que justifica seus crimes de hoje. Ladrões se ancoram na
gesta da libertação dos oprimidos. Uma solene banana para eles, com seus punhos
cerrados e seus bolsos cheios!
Quem falava em nome dos valores democráticos em 1964? Os que
rasgaram de vez a Constituição ou os que a rasgavam um pouco por dia? Exibam um
texto, um só, das esquerdas de então que defendesse a democracia como um valor
em si. Uma musiquinha do CPC da UNE para ilustrar: "Ah, ah, democracia! Que
bela fantasia!/ Cadê a democracia se a barriga está vazia?" Para bom entendedor,
uma oração subordinada basta. A resposta matou mais de 100 milhões só de… fome!
Nota desnecessária em tempos menos broncos: respeito a disposição
dos que querem encontrar seus mortos. Eu não desistiria enquanto forças
tivesse. Mas não lhes concedo a legitimidade, menos ainda a alguns prosélitos
disfarçados de juristas, para violar as regras do estado de direito. A anistia,
por exemplo, não está consignada apenas na Lei 6.683. O perdão - não o
esquecimento - é também o pressuposto da Emenda Constitucional nº 26
(http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/a-revisao-da-anistia-todas-as-leis-que-sete-procuradores-tem-a-ousadia-de-querer-ignorar-%E2%80%94-alem-claro-de-tentar-chutar-o-traseiro-do-supremo/),
de 1985, que convocou a Assembleia Nacional Constituinte. Vamos declarar sem
efeito o texto que nos deu a nova Constituição? A pressão em favor da revogação
da anistia e a conversão da Comissão da Verdade - se estatal, ela é
necessariamente mentirosa - num tribunal informal da história ignoram os pactos
sobre os quais se firmaram a pacificação política do país.
Digam-me: onde estávamos em 1985? Revivendo a repressão de 1935,
que se seguiu à "Intentona Comunista"? E em 1987? Maldizendo os 50 anos do
Estado Novo? E em 1995, celebrando o seu fim? Estado Novo? Eis a ditadura que
os “progressistas” apagaram da memória. Um tirano como Getúlio Vargas foi
recuperado pelas esquerdas para a galeria dos heróis do anti-imperialismo e
serve de marco, segundo os pensadores amadores, para distinguir "demófobos" de "demófilos".
Ilustro rapidamente. Entre novembro de 1935 e maio de 1937, só no
Rio, foram detidas 7.056 pessoas. Todas as garantias individuais estavam
suspensas. Dois navios de guerra foram improvisados como presídios. Em 1936,
criou-se o Tribunal de Segurança Nacional, que condenou mais de 4 mil pessoas -
Monteiro Lobato entre elas. Mais de 10 mil foram processadas. A Constituição de
1937 previa a pena de morte para quem tentasse "subverter por meios violentos a
ordem política e social". Leiam o decreto nº 428, de 1938, para saber como era
um julgamento de acusados de crime político. Kim Jong-un ficaria corado. A
tortura se generalizou. No assalto ao Palácio da Guanabara, promovido por
integralistas em maio de 1938, oito pessoas presas, desarmadas e rendidas foram
assassinadas a sangue frio, no jardim, sem julgamento, por Benjamin e Serafim
Vargas, respectivamente irmão e sobrinho de Getúlio. No dia 9 de novembro de
1943, a Polícia Especial enfrentou a tiros uma passeata de estudantes da
Faculdade de Direito do Largo São Francisco, com duas vítimas fatais. Tudo
indica que os mortos e desaparecidos do Estado Novo, sem guerrilha nem ataques
terroristas, superaram em muito os do regime militar. Nunca se fez essa
contabilidade. Nesse caso, a disputa pelo presente e pelo futuro pedia que se
escondessem os cadáveres.
Getúlio virou um divisor de águas ideológicas na história
inventada pelos comunistas, oportunistas e palermas e é o pai intelectual de
João Goulart, o golpista incompetente deposto em 1964. Antes como agora, "eles"
sabem como transformar em heróis seus assassinos. A arqueologia do golpe é um
golpe contra o futuro. Viva 2064!
Fonte: "Blog
Reinaldo Azevedo"
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