Por
Augusto Nunes
Incumbida de identificar os responsáveis pelo
sábado espantoso, a Polícia Federal já desperdiçou duas semanas com
investigações tão necessárias quanto o Ministério da Pesca. Alguns agentes
gastaram tempo e dinheiro na perseguição a uma empresa de telemarketing que
nunca existiu. Outros seguem interrogando beneficiários do Bolsa-Família:
querem saber por que sacaram antes da hora, mais precisamente no dia 18, o
dinheiro depositado pela Caixa antes da hora - e colocado à disposição da
freguesia pelo menos desde o dia 17. É como perguntar a uma vítima da seca por
que bebeu mais cedo a água do carro-pipa que chegou mais cedo.
Escalado para impedir o esclarecimento do
episódio, José Eduardo Cardozo tem interpretado com muita aplicação o papel de
Inspetor Clouseau que fala dilmês. "Não é um delito fácil de ser investigado
por força da atuação difusa em todo o território nacional", pontificou na
primeira cena. Na segunda, ficou alguns segundos em silêncio de sábio chinês
antes de deslumbrar os jornalistas com a mistura de concisão e sagacidade: "Nenhuma hipótese pode ser descartada".
Na terceira cena, Cardozo esvaziou o estoque
de advérbios para emitir um parecer de sherloque doidão: "Evidentemente houve
uma ação de muita sintonia em vários pontos do território nacional, o que pode
ensejar a avaliação de que alguém quis fazer isso deliberadamente,
planejadamente, articuladamente". Numa única frase, quatro palavras terminadas
em "mente". Quatro rimas pobres para gente que mente.
Se o governo efetivamente pretendesse
desvendar a gestação da corrida aos guichês de pagamento da mesada, é na Caixa
que a Polícia Federal estaria em ação. Se os homens da lei quiserem de fato
enquadrar vilões, é lá que estão homiziados. A operação que terminou com um
tiro no pé foi concebida e executada pelos diretores da instituição, todos
nomeados ou mantidos no cargo por Dilma Rousseff.
Os companheiros da Caixa teriam evitado a
onda de saques e sobressaltos se tivessem guardado uma gota no oceano de
publicidade enganosa para comunicar aos interessados que a distribuição dos
donativos fora antecipada. Por motivos ainda ignorados, optaram pelo depósito
secreto. Na sexta-feira, alguns clientes do Bolsa-Família descobriram que o
dinheiro chegara antes da data aprazada. Transmitiram a boa notícia a parentes,
amigos e vizinhos, que passaram adiante a informação. A coisa ganhou volume e o
estouro da boiada virou questão de tempo.
Como o governo lulopetista jamais perde uma
chance de acrescentar outro capítulo ao espetáculo do cinismo encenado há mais
de dez anos, o Brasil que pensa foi afrontado durante cinco dias pelo recomeço
da Ópera dos Malandros. A procissão de mentiras foi aberta pelo presidente da
Caixa, Jorge Hereda. Caprichando na pose de pronto-socorro dos aflitos, jurou
que tivera de montar um esquema de emergência para distribuir pelos postos de
pagamento, ainda no sábado, os R$ 2 bilhões de maio.
"É algo absurdamente desumano",
encolerizou-se a presidente. "O autor desse boato é criminoso". Lula enxergou
por trás de tudo a mão de "gente do mal". O ex-jornalista Rui Falcão ficou à
beira do chilique com o "terrorismo eleitoral". A tuiteira Maria do Rosário
acusou a "central de boatos da oposição" de espalhar rumores dando conta do fim
iminente do maior programa oficial de compra de votos do mundo.
A verdade só escapou de mais assassinatos
porque a Folha de S. Paulo provou que a liberação dos recursos do
Bolsa-Família fora autorizada antes do sábado. Desmascarada a farsa, Jorge
Hereda reduziu a delinquência a "erro" e transferiu a culpa para um subordinado
que teria decidido mudar a data do pagamento sem consultar o chefe. Mesmo na
mixórdia em que a Caixa se transformou depois de colocada a serviço de
interesses político-partidários, ninguém ousaria montar uma operação bilionária
sem o aval do presidente - que não se atreveria a endossá-la sem o amém da
presidente.
Apesar disso, ou por isso mesmo, Dilma fez
questão de comunicar à nação que nenhum dos envolvidos na história muito mal
contada ficará desempregado. "A diretoria é formada por técnicos íntegros e
comprometidos com as diretrizes da CEF, com seus clientes e com os
beneficiários de programas tão importantes para o Brasil como o Bolsa Família e
o Minha Casa, Minha Vida", constata a nota oficial divulgada pelo Planalto.
Baiano de Salvador, o arquiteto e urbanista
Jorge Hereda tem tanta intimidade com assuntos bancários quanto Lula com o
plural. Coerentemente, a equipe de "técnicos íntegros" que lidera produz proezas
como a que inspirou a nota do jornalista Carlos Brickmann: No tumulto do
Bolsa-Família, a Caixa descobriu que 692 mil famílias têm dois cadastros e
recebem dois auxílios (talvez seja por isso que, como disseram à TV, haja quem
compre jeans de R$ 300 para a filha e pingue mensalmente algum na poupança).
Custo do pagamento ilegal? R$ 100 milhões por mês.
"Nos governos do PT há os incapazes e os
capazes de tudo", afirmou o deputado Duarte Nogueira, presidente do PSDB de São
Paulo. "Maria do Rosário talvez seja os dois tipos: uma incapaz capaz de tudo".
O dirigente tucano teria formulado um diagnóstico irretocável se examinasse
mais atentamente a fauna no poder. Alguma degeneração genética provocou a fusão
das duas categorias. Hoje todos são ineptos sem pudores nem limites.
A Polícia Federal pode dispensar-se de
continuar investigando o que houve no sábado delirante. Foi mais uma façanha
dos incapazes capazes de tudo.
Fonte: "Direto ao Ponto"
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