Por Luiz Garcia
O Brasil vive obviamente uma crise social e
política, como não se via há muito tempo - se me permitem afirmar o óbvio.
Seria perigosa ingenuidade limitar as suas origens à questão das passagens de
ônibus urbanos. Ela foi o ponto de partida - um modesto estopim, pode-se dizer - para uma explosão urbana como não se via há muito tempo. E que, pelo visto,
estava esperando um pretexto para acontecer.
O movimento sobre o passe livre nos ônibus
urbanos deixou de ter razão de ser. A tal ponto que os seus líderes desde
quinta-feira deixaram as ruas: tiveram o bom senso de não se confundirem com os
radicais que tomaram o seu lugar. Não se fala mais em passagens de ônibus. Nem
seria possível, desde que as tarifas foram sensatamente reduzidas.
Quanto ao estopim da bomba que explodiu na
mesma quinta-feira, não há explicação conhecida. Sociólogos e políticos de
todos os partidos dividem-se entre o silêncio e a confissão de perplexidade.
Ninguém, no governo e nas cátedras, esperava a onda de violência que caiu sobre
80 cidades.
Em Brasília, os manifestantes tentaram
invadir e incendiar o Itamaraty - curiosamente, um órgão do governo que não tem
a mais remota responsabilidade com passagens de ônibus. No Rio, uma caminhada
pacífica foi tumultuada por radicais que tentaram invadir a sede da prefeitura,
entre outros atos de violência gratuita contra prédios públicos.
Os defensores do passe livre não têm nada com
isso e fizeram questão de se dissociar da onda de violência. O governo, pelo
visto, não tem pistas nem explicações. Os partidos políticos mostram a mesma
perplexidade. Cientistas políticos, idem. Sabe-se apenas que os baderneiros são
tão numerosos quanto ferozes.
Falta às autoridades - e a todo o mundo - um
dado precioso: ninguém sabe se a baderna nacional é organizada ou se ocorre
simplesmente por imitação. O que é lamentável: atrapalha bastante o
planejamento das autoridades para a repressão de novas manifestações
terroristas - que assim devem ser definidas.
Por enquanto sabemos apenas que não há
líderes conhecidos na baderna. Pior: também ignoramos onde eles querem chegar.
Só uma coisa é certa: tanto o governo quanto
a classe política em geral - com as necessárias exceções de praxe, que não são
muitas, lamentavelmente - vivem um momento de perigosa perplexidade.
Fonte: "O Globo"
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