Artigo escrito em 2007 pelo atual vice-presidente da República, Michel
Temer - PMDB-SP
Constituinte significa rompimento da
ordem jurídica. Romper a ordem jurídica significa desestabilizar as relações
sociais.
Afinal, o direito existe para fixar
as regras do jogo, tornando seguras as relações das mais variadas ordens:
trabalhistas, comerciais, tributárias, cíveis, eleitorais. Quanto menos se
modifica a estrutura normativa, maior estabilidade ganhará o país.
Quanto mais estável a ordem jurídica
maior a segurança social. Uma constituinte torna instável a segurança jurídica
porque ninguém saberá qual será seu produto.
Lamentavelmente, cultivamos a mania
de legislar a todo instante e quase sempre de maneira provisória. Costuma-se
entender que Poder Legislativo produtivo é aquele que fabrica grande quantidade
de leis, como se fora um sistema fabril.
Por outro lado, uma constituinte só
pode ser convocada para abrigar situações excepcionais. Somente a
excepcionalidade político-constitucional a autoriza. Foi assim com a
Constituinte de 87/88. Saímos de um sistema autoritário para um democrático, e
a nova norma jurídica deveria retratar, como o fez, a nova moldura.
Sob essa configuração, é inaceitável
a instalação de uma constituinte exclusiva para propor a reforma política. Não
vivemos um clima de exceção e não podemos banalizar a idéia da constituinte,
seja exclusiva ou não.
Seu pressuposto ancora-se em certo
elitismo, porquanto somente pessoas supostamente mais preparadas e com maior
vocação pública poderiam dela participar. O que, na verdade, constitui a
negação do sistema representativo. Numa sociedade multifacetada como a nossa,
multiforme há de ser a representação popular.
Com todos os defeitos, o Congresso
representa as várias classes sociais e os mais diversos segmentos produtivos do
país. Para realizar a reforma política, não é preciso invocar uma representação
exclusiva. Basta mexer com os brios dos atuais representantes, que se animarão
a realizá-la.
Aliás, para fazer justiça ao atual
corpo parlamentar, os debates sobre a reforma política se processam
intensamente. Trata-se de uma das matérias mais discutidas dentre as que têm
sido objeto das campanhas eleitorais.
Com erros e acertos, o fato é que ela
prossegue. E certamente continuará a figurar na ordem do dia. Isso não quer
significar que sejamos contra consultas populares, até porque, nos termos da
Constituição atual, "o poder emana do povo que o exerce diretamente"
(grifo para "diretamente").
O que pode ser realizado, para
exemplificar, é uma autorização popular, plebiscitária, para permitir a revisão
do pacto federativo e de outras matérias que são imodificáveis no texto
constitucional (as chamadas clausulas pétreas). E, desde que, faço o alerta,
não se pense em modificar os direitos e as garantias individuais e os direitos
sociais.
Tudo indica que esse é o melhor
caminho, até porque, convenhamos, há questões complexas a serem equacionadas:
como realizar uma constituinte exclusiva? Os atuais parlamentares poderiam dela
participar? Se participassem, teriam dois mandatos, um constituinte e um
ordinário? Quem participa da constituinte exclusiva pode ver cerceado seu
direito de cidadão para participar de uma legislatura ordinária? Não seria uma
restrição à cidadania? Como funcionariam a constituinte exclusiva e a
legislatura ordinária?
Haveria concomitância de atividades?
Durante a Assembléia Constituinte
87/88, lembro, só funcionou a atividade constituinte.
Em suma, uma constituinte exclusiva
para a reforma política significa a desmoralização absoluta da atual
representação. É a prova da incapacidade de realizarmos a atualização do
sistema político-partidário e eleitoral.
Minha crença é a de que chegaremos a
bom termo. Bem ou mal, a Câmara já tratou a questão da fidelidade partidária. E
o Senado Federal já aprovou regra referente às coligações partidárias. Na
pauta, persistem proposições sobre financiamento de campanha e o sistema de
voto para eleição dos representantes. Nas últimas eleições, já se proibira
certo tipo de propaganda dos candidatos.
Ou seja, muito já foi feito. É claro
que resta incluir temas importantes, como o da suplência de senadores. Tudo
isso, porém, continuará a ser debatido. Não há intenção de extinguir o debate
na atual legislatura ordinária.
* Michel
Temer, advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP, é deputado
federal (PMDB-SP) e presidente nacional do partido.
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