Por
Ricardo Setti
Não tenham dúvidas, amigas e amigos do blog: é alarmante
constatar que o governo da presidente Dilma, neste momento crucial da vida
brasileira, com milhões de cidadãos protestando nas ruas, está perdido, está no
mato sem cachorro.
Nenhum chefe de Estado que se preze faz uma solene proposta em
rede nacional de TV - no caso, a de uma constituinte para realizar uma reforma
política, a ser convocada por plebiscito, ideia esdrúxula sobre cuja forma de
execução ninguém tinha a menor ideia e que foi duramente combatida por diversos
setores - para, 24 horas depois, por vias indiretas e com seu governo mostrando
visível desconforto, recuar e dizer que não é bem assim.
Segundo lembra o site de VEJA, "desde que foi alardeada pela
presidente, pegando de surpresa governadores e prefeitos que aguardavam o
início de uma reunião em Brasília, a ideia da Constituinte foi bombardeada por juristas, políticos da base
parlamentar do governo e da oposição, e, reservadamente, considerada inviável
por integrantes do Supremo Tribunal Federal. Pelo menos quatro magistrados do
STF procuraram líderes do governo e da oposição para alertar sobre os riscos da
proposta. Um dos ministros mais engajados enfatizou que o anúncio da chefe do
Executivo era um 'golpe contra a democracia'".
Fez governadores de palhaços
Dilma obviamente não preparou
devidamente a grande reunião com governadores e prefeitos, algo que é
absolutamente necessário em eventos do tipo, como acentuei em post anterior.
Não consultou os líderes do governo nem do PT no Congresso, não
consultou o vice-presidente Michel Temer, não consultou os presidentes da
Câmara e do Senado - o que provocou ironia no senador Aécio Neves
(PSDB-MG), presidenciável tucano, que se "solidarizou" com o presidente
do Senado, Renan Calheiros, por nada saber das medidas propostas.
No fim das contas, fez os governadores e prefeitos de palhaços,
por mais que, hoje, constrangidíssimo, o ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo, tenha tentado justificar a proposta da presidente:
- A presidente da República falou em processo constituinte
específico; ela não defendeu uma tese. Há várias maneiras de fazer um processo
constituinte específico. Uma delas seria a convocação de uma Assembleia
Constituinte, como muitos defendem. A outra forma seria, através de um
plebiscito, colocar questões que balizassem o processo constituinte específico
feito pelo Congresso. A presidente falou genericamente.
Falou "genericamente"? Quer dizer que então se faz uma sugestão,
na verdade concretíssima, ao conjunto da cidadania, aos mais de 100 milhões de
eleitores de todo um país, ao Senado, à Câmara dos Deputados, à magistratura, à
opinião pública internacional etc etc - e, de repente, ela é "genérica"?
Dilma chefia um governo que não conversa com ninguém (ela
própria, segundo o ministro Gilberto Carvalho, consulta-se basicamente com os
ministros do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, seu amigo de juventude, e da
Educação, Aloizio Mercadante, viciado em perder eleições para o governo de São
Paulo, e com o marqueteiro João Santana), que não ouve ninguém, que não
controla mais sua confusa e entrechocante base aliada, que não sabe o que fazer
nem para onde vai.
Mesmo agora, ao manter, com modificações, a ideia nebulosa de um
plebiscito - o Planalto divulgou nota agora há pouco defendendo "a relevância
de uma ampla consulta popular por meio de um plebiscito" -, trocou-se a
iniciativa de o povo decidir ou não pela convocação de uma constituinte
exclusiva por outra medida: os eleitores decidirão diretamente se aprovam ou
não temas específicos de reforma política que serão propostos.
E então voltamos à estaca zero: nunca houve consenso sobre
questões cruciais da reforma política, principalmente sobre a MÃE DE TODAS AS
DISTORÇÕES - a desigual representação proporcional dos Estados na Câmara dos
Deputados, que faz um cidadão de Roraima valer, em termos eleitorais, mais de
dez vezes um cidadão que viva em São Paulo. Da mesma forma, nunca se obteve
consenso sobre se o voto deve ser obrigatório ou não, sobre como se fazer o
financiamento das campanhas, sobre se haverá ou não voto distrital etc etc etc.
Há pelo menos 20 anos discute-se uma reforma política no
Congresso e nunca se conseguiu uma ampla maioria para nada efetivamente
relevante.
Como, então, poderá haver consenso para decidir o que irá ser
proposto ao eleitorado na cédula com a qual ele votará no tal plebiscito?
Quaisquer que sejam as perguntas, elas precisarão passar pelo crivo do atual
Congresso, e não há a menor dúvida de que serão podadas.
Parece que ninguém no governo pensou nisso. Uma prova mais de
que estão perdidos, sem saber o que fazer e para onde ir. No mato sem cachorro.
Fonte: VEJA.com
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