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terça-feira, 11 de dezembro de 2018

"Recordações da cultura genuína"

Por Ipojuca Pontes

Houve um tempo em que os nossos escritores, intelectuais e artistas se firmaram como genuínos intérpretes da alma brasileira. Empenhavam-se em se aproximar, cada qual a seu modo e estilo, dos contornos e fontes que cingiam o cerne da nacionalidade. Eles se debruçavam, por assim dizer, sobre o nosso ethos, nos observavam enquanto povo, caráter e feitio humano.
Não menciono o impacto causado pela leitura de "Os Sertões", de Euclides da Cunha, nem as obras de Machado de Assis e Rui Barbosa, personagens basilares da inteligência nacional. Mas lembro com emoção, por exemplo, a primeira vez que li, aos 12 anos, "Fogo Morto", de Zé Lins do Rego, obra maior sobre a decadente aristocracia do ciclo da cana-de-de açúcar no Nordeste. Lendo o romance percebi, direitinho, a substância que dava universalidade à humanidade regional da várzea paraibana.
Ou ainda da fascinante leitura de "O Tempo e o Vento", ambiciosa trilogia ficcional de Érico Veríssimo sobre a formação histórica do Rio Grande do Sul. Por sua vez, como esquecer a gesta de Riobaldo Tatarana, o Urutu-Branco, jagunço que revela toda a grandeza do sertão das Gerais, recriada pela inventiva linguagem literária de "Grande Sertões: Veredas", de Guimarães Rosa?
E a dimensão literária do notável Graciliano Ramos, de escrita tão apurada quanto a de Machado de Assis, criador de personagens medulares como o remoído Paulo Honório ("São Bernardo"), o paranóico Luís Silva ("Angústia") e o rude vaqueiro Fabiano e sua cachorra Baleia (anti-heróis de "Vidas Secas"?)
Entre tantos e memoráveis escritores, confesso que aprendo e apreendo o Brasil, sempre que possível, quando releio o mulato Lima Barreto, Rachel de Queiroz, Marques Rebelo, Lúcio Cardoso, Mário Palmério - romancistas dessemelhantes, rurais uns, urbanos outros, mas todos unificados pela ânsia de exprimir o País. (Para não falar em Otávio de Faria, autor da monumental "Tragédia Burguesa", obra em treze volumes considerada profética).
No plano da ensaística, refletindo sobre o Brasil, interpretando o Brasil, chegamos às culminâncias com Gilberto Freyre, o Mestre de Apipucos, autor de "Casa Grande & Senzala", obra máxima sobre o papel da miscigenação na formação histórica brasileira, tida universalmente como uma contribuição de valor inestimável para à cultura humana.
Não menos significativa para a compreensão da nossa existência como povo, convém destacar a importância de "Desenvolvimento e Cultura", estudo vigoroso de Mário Vieira de Mello que entrevê, no confronto entre o princípio ético e o princípio estético em que estão assentadas as nossas bases culturais, a origem do impasse que dificulta o pleno desenvolvimento nacional.
"Deitado em Berço Esplêndido", do embaixador J. O. de Meira Penna, ensaio de psicologia coletiva brasileira, é outro livro de leitura tão necessária quanto o foram, no passado, "Raízes do Brasil", de Sérgio Buarque de Holanda, e "Retrato do Brasil", de Paulo Prado, reflexão sobre a tristeza nacional. Obra tão vasta quanto bem-humorada, "Em Berço Esplêndido", malgrado as nossas contradições, examina com lucidez a possibilidade da inserção do País no cenário da irreversível sociedade ocidental moderna.
A presença atuante do crítico literário e ensaísta José Guilherme Merquior, na segunda fase do século passado, não pode ser esquecida. No campo do pensamento político, cuja obra se fez extensa e valiosa, Merquior começou à esquerda, mas, depois, sob a influência do pensador francês Raymond Aron, tornou-se crítico mordaz da teoria e prática marxista, voltando-se para o pensamento liberal. "Argumento Liberal" e "Marxismo Ocidental" são livros marcantes. Polemista e erudito, ficou célebre o desmonte que fez da petista Marilena Chauí, ao denunciá-la como plagiária do filósofo francês Claude Lefort.
Antes de me reportar a "Lanterna na Popa", de Roberto Campos, cito, de passagem, obras fundamentais como "História da Inteligência Brasileira", de Wilson Martins (sete volumes); "Patriotismo e Nacionalismo", de Gustavo Corção; "A Amazônia Que Eu Vi", de Gastão Cruls e "Bandeirantes e Pioneiros", estudo comparativo de dois países, Brasil e Estados Unidos, examinando com precisão os motivos e contrastes que impediram, de um lado, o nosso progresso e, de outro, impulsionaram o desenvolvimento americano.
Quanto a "Lanterna na Popa", as memórias de Roberto Campos, é livro-painel que perpassa todo o século XX, como fonte colossal de erudição, lucidez e conhecimento vivido, pois o autor, também diplomata, desde a Conferência de Bretton Woods, em 1944 - definidora do gerenciamento econômico mundial -, iluminou as trilhas que nos levaram à modernidade.
A cultura, tal como a entendemos, sempre foi o meio básico de expressão e comunicação entre os seres humanos ou, se quiserem, o acervo que integra o patrimônio de um indivíduo ou de uma Nação - embora ela deva ser entendida, como queria Heyek, como uma tradição de normas de conduta aprendidas que nunca foram "construídas", Nesta vertente, Aristóteles nos fala do "homem inteiro", enroscado em realidades profundas, tais como morte, amor, solidão, sexo etc, a infligir sofrimento à condição humana independente de ideologia ou regime político.
No Brasil atual, sufocado pela corrente estreita unindo o "politicamente correto" à vertente do marxismo gramsciano, o pensamento caboclo não sai do "desconstrutivismo", que consiste em desmontar a realidade e reconstruí-la à moda da casa, isto, é dentro dos cânones da ortodoxia vermelha. Há ainda o culto do "minimalismo", que se identifica por minimizar tudo, inclusive palavras e leitores, mas deixo a tarefa para outro artigo.
Muito bem. Falei acima de escritores, intelectuais e artistas que se firmavam como genuínos intérpretes da alma brasileira. Hoje temos quem?
Os acadêmicos marxistas da aparelhada USP, fanáticos ativistas do esquerdismo, do lulopetismo, e escritores "engajados" tais como Raduan Nassar, Hatoum, Zuenir Ventura e periféricos.
Voltaremos ao assunto. 
Fonte: https://diariodopoder.com.br

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