Por Percival Puggina
"O momento mais doloroso da
minha vida, a imprensa está zombando. Mas que zombe, que fale, a fé me salvou
naquele pé de goiaba". (Damares Alves)
De modo muito penoso, o Brasil que nos chegou do século XX
está se conhecendo, revirando entranhas, olhando ao redor como quem, náufrago
cotidiano, procura um porto seguro, flutuante a algumas braçadas de distância.
Os tempos não são propícios. O Ocidente fraquejou na prosperidade e se rendeu
ao preconceito contra todo conceito. A Europa deixa de ser ela mesma para virar
uma decisão de burocratas. Milênios de cultura, civilização, tradição viram
lixo hospitalar: nem reciclado, nem decomposto. Incinerado em benefício e
privilégio de um multiculturalismo cada vez mais impositivo e inibidor! O
relativismo é a religião do momento e tudo é duvidoso, exceto a fobia às
convicções e a necrofilia prestada ao cadáver do socialismo, servido por
carinhoso boca a boca nas salas de aula do país.
Se conceitos éticos fundamentais ganhassem corpo e saíssem
às ruas, não seriam reconhecidos, não receberiam mero bom dia de quem quer que
fosse. Seus milenares ensinamentos sumiram como sumiu a voz das consciências,
instruídas a se sentirem sempre bem, mesmo quando tudo estiver mal.
Em vão os náufragos do imanente buscam salvar-se do desastre
cultural e civilizacional suspendendo-se por seus também imanentes cabelos. Em
círculos andam os cegos conduzidos por cegos. Entre eles estão muitos de nossos
profetas cotidianos, em seus microfones, a rir da virtude, troçar do bem,
medindo a grandeza humana com a régua da própria pequenez.
A futura ministra das mulheres, família e direitos humanos,
Damares Alves, contou ter visto Jesus num "pé de goiaba", quando criança, numa
ocasião em que, tomada pelo desespero, planejava a própria morte por
envenenamento. Aquela visão salvou-lhe a vida. Pronto! Foi o que bastou para se
tornar motivo de piada, ao desfrute dos profetas da filosofia miserável. "Como
assim, foi salva por Jesus? Ela sequer tentou içar-se do desespero pelos
próprios cabelos? Ela viu e creu? Ela ouviu e entendeu?".
Como esse imanentismo é burro e maldoso! Leandro Karnal, um
dos que fizeram coro contra o relato da ministra, correu a desculpar-se ao
saber que a criança do pé de goiaba fora abusada: "Fui
precipitado, julguei de forma equivocada e reagi de forma
atabalhoada. Ironizei sem saber da dor e julguei uma concepção religiosa.
Minhas postagens estavam distantes dos valores de tolerância e liberdade.
Acredito nestes valores".
Haveria pedido de desculpas, fossem menos dramáticas as
circunstâncias? O julgamento de uma concepção religiosa é parte do preconceito
que, de todos os lados, ataca o futuro governo Bolsonaro. O episódio faz nova
prova de que a dita tolerância destes tempos náufragos tem seu vodu, nele
espeta agulhinhas sempre que pode e não o tolera sequer em crianças.
Insensatos!
Com tais formadores de opinião aprendo cotidianamente de
onde não me vem salvação, nem lição ou ilustração. Prefiro a visão que salvou a
vida da menina Damares.
Percival Puggina, membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é
arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista
de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do
Brasil. integrante do grupo Pensar+.
· Fonte: https://diariodopoder.com.br
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