Por Reinaldo Azevedo
O
presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), concedeu uma entrevista na noite
desta segunda ao programa "Os Pingos nos Is", que ancoro na Jovem Pan.
Respondeu a quase 30 perguntas, todas elas sobre temas relevantes. Nesta página, há uma sequência
de vídeos, que estão no Youtube, com os principais momentos da conversa, que
durou quase uma hora. O que escolho como a questão mais importante? Aquela que
diz respeito ao futuro. Cunha defendeu o regime parlamentarista e afirmou
que, "a depender da construção do processo", é sim, possível que o Congresso brasileiro
aprove uma emenda para o sistema vigorar a partir de 2019.
Cunha defende, no entanto, um modelo semelhante ao francês ou ao
português, em que a população elege diretamente o presidente, que passa a
funcionar como âncora da estabilidade política. O dia-a-dia da administração,
no entanto, fica sob a responsabilidade de um primeiro-ministro. O deputado
acha que, vitoriosa uma emenda parlamentarista, ela tem de ser submetida a
referendo.
É claro que a crise econômica e a crise política por que passa o
país pontuaram toda a conversa. A íntegra da entrevista está aqui. Perguntei ao presidente da
Câmara como ele analisa essa gritaria segundo a qual discutir o eventual
impedimento de Dilma é golpe. Ele afirmou: "Não é golpe! Sem dúvida nenhuma,
não! Agora, sem emitir juízo de valor, temos de considerar o seguinte: nós não
podemos também vulgarizar o impedimento do presidente da República. Nós não
podemos tratar a questão [impedimento] como um recurso eleitoral"
Na entrevista, Cunha considerou que é a crise política que turbina
a crise econômica, não o contrário. E tem um juízo muito severo sobre a atuação
do PT: "A crise política acaba dando maior relevo à crise econômica. Nós temos
hoje uma crise de expectativas e uma crise de confiança no país. O investidor
não vem, quem está aqui não reaplica. Não se consome. Há perda de emprego, de
postos de trabalho. Dentro do PT não há boa vontade. Em primeiro lugar, o PT
faz o governo mergulhar na sua própria agenda e nas suas próprias crises. Em
segundo lugar, o PT sabotou muito a articulação política do próprio Michel
Temer. O cidadão na rua, o investidor, o cidadão de classe média, ele vê isso.
Isso aumenta a desconfiança dele".
Será, então, que, no lugar de Temer, Eduardo Cunha deixaria a
articulação política? "No lugar dele, eu concluiria esse processo do ajuste
fiscal e deixaria, sim". Mas a crise não se agudizaria? "Depende da forma como
eles [petistas] se comportarem. O que não adianta é ele ficar e não conseguir
cumprir os compromissos que ele assume." E Cunha avança: "Qual é a agenda que o
governo tem para cumprir os três anos e meio? O governo não demonstra que
agenda ele quer seguir. Eu acho que o PT atrapalha o governo. O PT empurra o
governo para a sua impopularidade. A agenda do PT é conflitante com a dos
outros partidos da base. O governo acaba optando pela agenda do PT e
mergulhando ainda mais na crise política".
Cunha voltou as dizer que considera irreversível o divórcio futuro
entre o PMDB e o PT e reiterou que seu partido deve ter um candidato próprio à
Presidência da República em 2018. Já para um regime parlamentarista? No que
depender dele, sim!
O agora presidente da Câmara é um dos investigados da Operação
Lava Jato. "Os Pingos nos Is" quis saber se ele teme alguma coisa e como
analisa a operação: "Eu estou absolutamente tranquilo até porque eu fui à CPI
espontaneamente depor. Não tenho dúvida de que é um processo político que está
por trás do meu caso, e não descarto desdobramentos políticos que ainda possam
existir até porque a gente está em meio à eleição do Ministério Público, e
querem me usar nesse processo. Meu advogado, o doutor Antônio Fernando, que é
quem fez a denúncia do mensalão, ele me pediu para que não falasse de público
do assunto até a eleição do Ministério Público."
Perguntei como ele vê as acusações de que a Lava Jato possa estar
violando o Estado de Direito: "Eu me preocupo com isso. O ex-presidente do
Supremo, o ministro Joaquim Barbosa, reconhecido por todos por sua rigidez no
processo, só determinou a prisão na execução de sentença, depois de transitada
em julgado e depois de julgados os embargos de declaração. Esse é um ponto que
deve ser levado à reflexão. Não dá pra você achar que se vão prender pessoas
para obrigá-las a fazer delações."
Há, afinal, uma guinada conservadora na Câmara? Disse Cunha: "Nem
conservadora nem não-conservadora. Nós estamos botando a pauta da sociedade. Se
a sociedade, na sua maioria, 90%, apoia a redução da maioridade penal, e se
isso é pauta conservadora, então estamos na pauta conservadora."
E como ele vê a gritaria das esquerdas? "Uma parte da esquerda tem
uma agenda que não é a agenda da sociedade. Os esquerdistas estão na agenda
errada e ficam irritados porque querem obstruí-la. Quando a gente enfrenta a
obstrução e coloca pra votar, obrigando-os a expor uma opinião - e o governo
erra quando entra nessa agenda e acaba ficando com o nível de popularidade
deles -, eles não gostam. A gente tem de respeitar a minoria, mas eu ainda não
conheço nenhuma forma melhor de decidir que não seja respeitar a maioria. Eu
fui para um debate em Portugal… Aí chegou um sujeito lá dizendo que esse
negócio de maioria são três lobos e uma ovelha decidindo quem vai ser o jantar.
E eu falei: "Eu nunca vi três ovelhas decidirem que o lobo é o jantar. A gente
tem de ver a realidade. A democracia não inventou outra forma que seja a
maioria".
Finalmente, quisemos saber como Cunha vê a associação de sua
figura com a de Frank Underwood, a inescrupulosa personagem central da série "House of Cards". Ele levou a coisa com bom humor: "Uma determinada publicação,
a serviço do governo, fez essa associação. Queriam me caracterizar como
interesseiro, me estereotipar. Eu não me senti identificado com Underwood
porque não tenho nenhuma das características dele: não sou homossexual, não sou
ladrão e não sou assassino".
Cunha reiterou que, na sua concepção, a constituição de família
tem de ser entre homem e mulher. Para ele, isso nada tem a ver com
discriminação, uma vez que os direitos civis dos homossexuais já estão
assegurados: "Eu sou contra qualquer tipo de discriminação. Nós temos de
respeitar a opção de cada um. Sou terminantemente contra quem discrimina quem
quer que seja. Eu respeito a todos e exijo ser respeitado por todos. Agora eu
não entendo, por exemplo, que a adoção de crianças por homossexuais casados ou
que dizem que vão se casar seja a melhor opção para a criação de uma criança.
É uma visão pessoal que eu tenho, que pode ser considerada, por alguns,
conservadora, mas é a minha visão pessoal. Mas isso não quer dizer que eu
discrimine. Ou que considere discriminação quem pensa diferente".
Eis Eduardo Cunha. Sem meias-palavras. Sem concessões.
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
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