Por Ana Clara Costa,
na VEJA.com:
À medida que avança a Operação Lava Jato, deflagrada pela Polícia Federal no início deste ano, os desmandos recorrentes na Petrobras se tornam cada vez mais chocantes. Um levantamento feito pelo site de VEJA com base em dados divulgados pela empresa em seu Portal de Transparência mostra que, entre 2003 e 2014, dos cerca de 890 mil contratos fechados pela estatal, 784 mil foram dispensados de licitação - o que representa 88% do total. Isso corresponde a um montante de cerca de 60 bilhões de reais gastos no período, levando-se em conta apenas os contratos fechados em moeda local. A Petrobras se vale do Decreto 2.745, do governo de Fernando Henrique Cardoso, para escapar do processo licitatório previsto na Lei 8.666 - à que estão sujeitas todas as compras de órgãos da administração pública. O decreto foi criado para dar agilidade à execução de obras num momento em que a estatal se abria para o capital privado. Porém, a partir de 2006, se tornou regra para quase todos os contratos.
À medida que avança a Operação Lava Jato, deflagrada pela Polícia Federal no início deste ano, os desmandos recorrentes na Petrobras se tornam cada vez mais chocantes. Um levantamento feito pelo site de VEJA com base em dados divulgados pela empresa em seu Portal de Transparência mostra que, entre 2003 e 2014, dos cerca de 890 mil contratos fechados pela estatal, 784 mil foram dispensados de licitação - o que representa 88% do total. Isso corresponde a um montante de cerca de 60 bilhões de reais gastos no período, levando-se em conta apenas os contratos fechados em moeda local. A Petrobras se vale do Decreto 2.745, do governo de Fernando Henrique Cardoso, para escapar do processo licitatório previsto na Lei 8.666 - à que estão sujeitas todas as compras de órgãos da administração pública. O decreto foi criado para dar agilidade à execução de obras num momento em que a estatal se abria para o capital privado. Porém, a partir de 2006, se tornou regra para quase todos os contratos.
Os montantes que envolvem a dispensa de licitação espantam. Um dos
contratos, fechado com o consórcio Techint - Andrade Gutierrez, no valor de 2,4
bilhões de reais, foi dispensado de certame concorrencial porque as demais
concorrentes fizeram propostas com preços "incompatíveis". Assim, a Petrobras
optou por nem mesmo fazer o leilão. Outro contrato mostra uma compra de 2,3
bilhões de reais da GE em que a empresa alega que "situações atípicas" tornaram
a licitação inexigível. Outro contrato com a construtora Engevix, cujos
executivos foram presos no âmbito da Lava Jato por suspeita de corrupção no
fornecimento de serviços à estatal, foi firmado por 1,4 bilhão de reais com
dispensa de licitação, sob a justificativa de se tratar de uma "urgência". A
obra consistia em fornecer material e serviços para um projeto básico.
Procurada pelo site de VEJA, a Petrobras afirmou, em nota, que as
contratações seguem a legislação vigente e que, mesmo feitas com o respaldo do
decreto, têm modelo similar ao licitatório. A opinião cria divergências, já que
a Lei de Licitações não prevê, por exemplo, o advento da carta-convite, em que
a Petrobras escolhe as empresas que podem participar da concorrência. Tampouco
está na lei o artigo que permite que, depois que houve a escolha do vencedor,
ambos sentem numa sala, a portas fechadas, para "renegociar" os valores e o
escopo do contrato. O Tribunal de Contas da União (TCU) tem 19 mandados de
segurança junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a revisão dos termos
do decreto - e sua regulamentação. A Petrobras entrou com uma medida liminar,
que foi concedida pelo STF, permitindo o uso do decreto até o julgamento de
mérito. Isso ocorreu há cerca de 10 anos e o Supremo nunca mais se manifestou.
A estatal vem sendo questionada há muitos anos sobre a dispensa de
licitação, e sempre usa o argumento de que possui controles internos capazes de
vetar condutas duvidosas durante a negociação de contratos. Tais afirmações
estão disponíveis de maneira farta em seu site Fatos e Dados, usado para
se comunicar com a imprensa. Contudo, o propinoduto que vem sendo descoberto
pelas investigações da Polícia Federal mostra que tais controles não são tão
eficazes assim. Segundo as investigações, a estimativa inicial é de que ao
menos 10 bilhões de reais tenham sido drenados da empresa em direção aos caixas
de partidos políticos, lobistas, funcionários da estatal e executivos de
empreiteiras. Com o congelamento de contas de apenas cinco acusados que
aceitaram a delação premiada, a Justiça prevê repatriar quase 500 milhões
de reais.
O site de VEJA ouviu especialistas em contratos que prestam
serviços para a estatal, que aceitaram falar em condição de sigilo. As
informações obtidas são emblemáticas porque mostram que a cultura da estatal
não prevê a busca de solução para casos de superfaturamento. "Há um sentimento
de onipotência, de que nada de errado pode estar acontecendo ali", afirma um
auditor. Seus mandatários sequer cogitam admitir suspeitas de desvios apontadas
por órgãos de prestação de contas, como o TCU. Até 2010, por exemplo, quando
dados de orçamento de obras eram pedidos pelo Tribunal, a empresa os enviava
com muito atraso e, propositalmente, em arquivos PDF, não em Excel. Isso
dificultava a tabulação dos números, já que muitos dos orçamentos tinham mais
de 200 páginas. Isso quando o envio não era vetado, por se tratar de "sigilo
comercial". Nos últimos anos da gestão de José Sérgio Gabrielli, a estatal
passou a liberar as contas com mais presteza, não por vontade própria, mas por
pressão do Congresso Nacional, ainda sob o efeito da fracassada CPI de 2009. A
melhora da transparência prosseguiu nos anos de Graça Foster, mas ainda está
longe de ser ideal para uma empresa que tem ações listadas na bolsa de valores. "A postura da empresa sempre é reativa. Em 99% dos casos, não acredita em
denúncias de irregularidades", diz o técnico
Quando casos de sobrepreço são levantados pelo TCU, como ocorreu
em pelo menos quatro dos principais contratos de Abreu e Lima, a primeira
reação da empresa foi negar. Foi o que aconteceu em 2009, quando o Tribunal
pediu a paralisação das obras na refinaria pernambucana, alegando suspeitas de
superfaturamento. À época, o então presidente Lula ameaçou enviar ao Congresso
um projeto de lei limitando os poderes da corte de contas. Lula declarou que o
órgão "quase governa o país". Em seguida, vetou um projeto de lei que bloqueava
o envio de recursos públicos para Abreu e Lima. Sabe-se, agora,
conforme revelou VEJA, que nessa mesma época o ex-diretor de Abastecimento
da estatal, Paulo Roberto Costa, enviou pessoalmente um e-mail à então ministra
da Casa Civil, Dilma Rousseff, alertando sobre a investigação do Tribunal.
Um acórdão de um processo relatado pelo então ministro do TCU,
Ubiratan Aguiar, hoje aposentado, em 2004, dá o tom da relação da empresa com
os auditores públicos. "Observo, no entanto, como relator dos processos da
estatal no biênio de 2003 e 2004, bem como em grande parte do biênio de 2001 e
2002, que a Petrobras não tem dado cumprimento às decisões deste Tribunal",
afirma. O ministro argumenta que a insistência da empresa em abrir mão da
licitação para grandes obras, optando pela carta-convite, é prejudicial - e
aponta que isso acontecia também na gestão de Fernando Henrique Cardoso, em que
o presidente da empresa era Joel Rennó. "Pela experiência vivida nos últimos
anos como relator da Petrobras, constato que os seus administradores adotaram,
na quase totalidade das licitações, a modalidade de convite. Com isso os
princípios da legalidade, da publicidade, da igualdade, da eficiência, da
vinculação ao instrumento convocatório, têm sido violados de forma contumaz",
relatou Aguiar.
Quando se descobre um esquema de desvio de recursos como o que,
tudo indica, ainda é vigente na Petrobras, a primeira reação dos órgãos de
controle é escarafunchar para encontrar o ovo da serpente, ou seja, a origem do
problema. Contudo, no caso da estatal, as perspectivas são desoladoras: teme-se
que a origem não seja encontrada e que exterminar o mal tampouco seja possível.
Dentro do próprio TCU, há a constatação de que a corte de contas, sozinha, não
é capaz de destacar todos os casos de irregularidades simplesmente pelo fato de
os contratos da estatal serem bilionários. Isso significa que quanto maiores os
valores, mais fácil é o desvio de pequenos porcentuais que não saltem aos olhos
dos auditores. Para extirpar a cultura da corrupção, será preciso, primeiro,
que a empresa reconheça o mal que opera em suas salas e deixe de lado a
postura tão comum entre seus diretores, que é a de "negar até a morte". Uma
aula dessa cultura foi dada recentemente por Graça Foster. A presidente sabia
desde maio deste ano sobre a propina paga pela holandesa SBM a funcionários da
estatal. À época, a executiva negou com veemência. Semanas atrás, por
fim, reconheceu ter sido avisada sobre o crime pela própria empresa
estrangeira. Ironicamente, no mesmo dia, anunciou a criação de uma diretoria de
governança.
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
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