Por
André Setaro
Moscou Contra 007, quando lançado (e, vejo no
Imdb, que a sua estréia se deu primeiro no Brasil em 27 de abril de 1964) se
transformou num fenômeno de bilheteria. Ninguém ficava indiferente a sua ação
frenética, ao compasso da partitura eletrizante de John Barry, às tiradas humorísticas,
ao dínamo propulsor de sua estrutura narrativa, envolvente.
Seus produtores Albert R. Broccoli e Harry Saltzman não tinham ideia,
quando lançaram Dr. No que o filme faria um sucesso sem
precedentes capaz de lhes estimular uma continuação, que foi este From
Russia With Love. Mas não esperavam, mesmo cônscios do êxito deste, que o
filme fosse além dos prognósticos. Como aconteceu e a série se desdobrou em outras
películas a seguir. James Bond virou uma coqueluche.
Na época, a ideologia, porém, imperava entre os estudantes. E Bond,
agente secreto à serviço de sua Majestade, não agradava à esquerda, que lhe
fazia vista grossa. Recordo-me que, na sala de espera do cinema onde estava
sendo exibido, deparei-me, de repente, com um militante que, ao me ver, desceu
escada abaixo para se esconder no banheiro. O que iriam dizer seus companheiros
quando tomassem conhecimento que ele estava a ver filme reacionário de James
Bond?
Creio que o fascínio de James Bond supera e está acima das ideologias.
Devo fazer uma confissão agostiniana: adoro os filmes de James
Bond - pelo menos aqueles interpretados por Sean Connery e alguns com Roger
Moore, ainda que tenha visto com muito prazer o penúltimo Cassino
Royale, com Daniel Craig.
A apresentação, quando Bond, ereto, pistola na mão, surge na tela do
lado direito e caminha a seu meio e, de repente, posta-se de frente e atira,
caindo, na tela, uma tinta vermelha, é espetacular e emocionante, com a música
tema de John Barry.
Em From Russia With Love, inaugura-se o prólogo antes dos
créditos. Steven Spielberg confessou, há algum tempo, que sua grande frustração
era a de nunca ter feito um filme de James Bond. A séria Indiana Jones,
guardadas as suas diferenças, é uma tentativa de dar ao filme o ritmo frenético
das aventuras bondianas. Tanto é que Spielberg, assim como nos
filmes do agente secreto, também estabelece um prólogo antes da apresentação
dos créditos.
Em Moscou Contra 007, o que se passa antes dos letreiros
iniciais embalados com a música From Russia With Love, é um fake.
Bond (Sean Connery) persegue Robert Shaw (Red Grant), mas é derrotado com um
fio de aço por este. Morto, diante de um castelo exuberante, as luzes se
acendem com estrépito e vemos um homem tirar a máscara do derrotado que se
pensa ser James Bond. Em seguida, a emergência dos créditos, dando já ao filme
um impacto.
A Spectre planeja decodificar os segredos nucleares da União Soviética
e, para isso, conta com a ajuda de uma mulher irascível e violenta (Lotte
Lenya, que foi esposa de Kurt Weil, autor, com Bertold Brecht, de A Ópera dos Três Vinténs) e seu fiel escudeiro Red Grant (Robert Shaw), homem
treinado para matar e destituído de qualquer sentimento de humanidade ou
compaixão. Precisa, no entanto, também, da ajuda de uma mulher (Daniela
Bianchi), disciplinada soviética que trabalha na embaixada de seu país sediada
na Turquia. Porque os ingleses também estão interessados nos segredos da União
Soviética, a Spectre pensa contar com a colaboração involuntária deles, mas
James Bond, convocado, entra em ação, desarma todo o esquema e, como é de
praxe, leva a bela Daniela Bianchi para a sua alcova íntima.
A luta final, entre Lotte Lenya e Sean Connery é muito estimulante para
aqueles que gostam do bom filme de ação (atualmente os filmes de ação, honradas
as exceções de praxe, são rápidos e dentro da estética do videoclip, que
resultam pobres e ruins).
François Truffaut escreveu, em seu extraordinário livro de entrevistas
com Alfred Hitchcock, sobre a influência imensa de Intriga Internacional (North By Northwest, 1959) sobre todo o cinema do gênero thriller a
partir dos anos 60, inclusive, disse ele, toda a série de James Bond, cuja
estrutura narrativa é bastante influenciada pelo filme hitchcockiano. O que é
verdadeiro.
Terence Young, o diretor, inspira-se em Intriga Internacional.
Vejam a luta no trem, por exemplo, entre Shaw e Connery. E mais: a textura da mise-en-scène advém
da estrutura hitchcockiana de North by Northwest.
Baseado em Ian Fleming, assim como todos Bonds-movies,
Moscou Contra 007 é, segundo penso, o melhor de toda a série, porque
um thriller bem ajustado sem as novidades que viriam adornar
os filmes posteriores.
Fonte: "Setaro’s Blog"
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