Por J. R. Guzzo
A
tolerância é sem dúvida uma das mais belas virtudes do ser
humano e, também, uma das mais úteis - sua aplicação já salvou este mundo
de uma infinidade de sofrimento, guerras e toda a coleção de misérias
que só o homem tem talento suficiente para inventar. Seu problema, como ocorre
com tantas outras virtudes, é que está disponível ao público em duas
versões, a legítima e a falsa. A tolerância, quando falsificada, pode
passar muito rapidamente de coisa do bem a coisa do mal, ao se transformar em
covardia, apatia moral e cumplicidade com o erro. Nesses casos, em
vez de agir em favor da paz, apenas serve de estímulo a quem age em favor da
guerra. Poucas vezes o Brasil teve a oportunidade de viver com tanta clareza
esse tipo de situação como nos dias de hoje, quando muita gente capaz dos
melhores sentimentos permitiu que uma atitude legítima - a de aceitar tumultos
de rua em nome do direito de expressão - degenerasse na aprovação geral de
condutas doentias. Da "compreensão" passaram para a simpatia, da simpatia para
o apoio e do apoio para o incentivo aberto a ações descritas como
criminosas pelo Código Penal - incluindo, ao fim da linha, o homicídio.
Os responsáveis são os de sempre -
intelectuais, cidadãos apresentados como pensadores, essa nebulosa chamada "esquerda", artistas, funcionários da área de telenovelas da Rede Globo etc.
Embora a baderna só lhe cause prejuízo, o governo também fica a favor dos "manifestantes", por oportunismo compulsivo. A imprensa,
rádio e televisão, em grande parte, se aliaram à manada: há oito
meses, desde que a violência explodiu nas ruas, repetem que a grande culpada
por tudo é a "brutalidade policial", e que os atos de
destruição durante as arruaças são "episódios isolados". Até o recente
assassinato de um colega no Rio de Janeiro, o cinegrafista Santiago Andrade, a
maioria dos jornalistas tinha o cuidado de chamar os agressores de "ativistas", "militantes" etc. e nunca daquilo que realmente são.
O
assassinato de Andrade, cometido por dois marginais a serviço da “nossa luta”,
desarrumou a cabeça de quem tinha optado pela complacência diante da atividade
criminosa praticada nas ruas contra a democracia. O que vão dizer agora? O que
já disseram é bem sabido. "O anarquismo é lindo", opinou o
compositor Caetano Veloso. A ministra Luiza Bairros, titular da área de Igualdade
Racial da Presidência, falou em "agenda libertadora". O senador Eduardo
Suplicy, do PT, disse que a violência cometida por bandos de delinquentes era "quase romântica" e motivada por "boas intenções". O que poderia
haver de romântico no assassinato de um cinegrafista? A atriz Camila Pitanga,
num desses vídeos da Internet que anunciam o fim do mundo, não deu sorte:
revelou seus temores de que "alguém" viesse a morrer uma hora dessas, mas quem
matou foi a turma que ela julgava estar em perigo de vida. Uma colega, no mesmo
vídeo, disse que a destruição era justa porque visava a "alvos simbólicos". Em
Brasília, diante de uma tentativa do MST de invadir o Supremo Tribunal
Federal e o Palácio do Planalto, o secretário-geral da Presidência,
Gilberto Carvalho, foi à rua "negociar" com os chefes desse desatino. Negociar
o quê? Se poderiam, por gentileza, fazer o obséquio de não invadir o Supremo?
Carvalho deu sua bênção à baderna. "Tem de pressionar mesmo", disse ele. De que
lado o homem está? A OAB do Rio já deixou clara sua opção, ao anunciar a
prodigiosa doutrina segundo a qual os "manifestantes" têm todo o direito de
levar armas às ruas, para "defender-se da violência" policial.
O
horizonte não parece promissor. Na arruaça de Brasília, houve 42 feridos;
trinta eram da polícia. O marginal flagrado atacando um PM com um estilete, em
São Paulo, está solto. Na verdade, após oito meses de agressão à ordem, há
apenas um preso - além dos dois assassinos de Andrade. Mas a simpatia com a "nossa luta" continua de pé, como mostra o tratamento de celebridade dado à "ativista" Elisa Quadros, que frequenta a obscura fronteira entre o crime, a
polícia e os arrabaldes de partidos nanicos da extrema esquerda. Ela
exerce algum tipo de comando nos "black blocs"; também é chamada de
Sininho e tida como "cineasta", além de exercer as funções de "musa".
A moça, entre outras coisas, sustenta que a culpa pela morte do cinegrafista
foi, no fundo, dele mesmo, por não ter usado um capacete de proteção durante o
quebra-quebra em que foi assassinado. Essa alucinação, acredite quem
quiser, é levada a sério por muita gente - a começar pela
OAB. Lindo, não?
Fonte: "Veja"
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