Por Reinaldo Azevedo
É espantoso o que leio numa reportagem da Folha. Eis a evidência mais escancarada de que o chamado
pensamento politicamente correto é, na verdade, uma forma de censura. Qual é o
caso?
No Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, há um quadro, de
autor desconhecido, em que um negro aparece açoitando outro, no tronco, com uma
multidão à volta. Pois não é que a Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos
Advogados do Brasil encaminhou um ofício cobrando que a obra seja retirada da
galeria?
Segundo a presidente do grupo, Carmen Dora de Freitas Ferreira, o
quadro reforça "o estereótipo e o preconceito enrustidos em muitas pessoas, que
ainda nos dias atuais, têm a ousadia de se referir ao negro ou à negra
afirmando 'vou te colocar no tronco'".
Não, dona Dora! A senhora está errada! Está estupidamente errada!
Aquela obra de arte que está lá retrata uma parte da história brasileira. O que
a senhora quer? Esconder o que houve no Brasil, por mais dramático que tenha
sido? O que incomoda tanto? O fato de que um negro está a açoitar o outro? Pois
saiba que isso era comum.
O trabalho de capitães do mato, por exemplo, que perseguiam
escravos fugidos, era exercido por ex-cativos, que haviam obtido ou comprado a
alforria. Muitas vezes, os senhores obrigavam, sim, negros a açoitar negros.
A galeria em que fica o quadro é mantida pela Acrimesp (Associação
dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo), que classificou o pedido
de censura, mas se comprometeu a substituir o quadro. Ora, se é assim, então a
Acrimesp vai compactuar com a… censura.
Vejam o quadro "Retirantes", de Cândido Portinari.
Eis a expressão da fome, da miséria, da tristeza, da falta de
perspectiva e de futuro. Será que os nordestinos deveriam se sentir ofendidos?
Do mesmo autor, "Lavrador de Café", em que se dá destaque a um negro forte,
sim, mas com os pés descalços - e não com a altivez que pede o discurso
militante.
O discurso estético não deve ser tomado como manifesto político e
tem de ser visto à luz do tempo em que foi produzido. Ou será que, agora, o
negro na obra de arte terá de se parecer sempre com o "Django", de Tarantino?
Vamos mandar para a fogueira, deixem-me ver, Machado de Assis - além claro, de
Monteiro Lobato?
Segundo a OAB, o pedido da comissão "não representa posicionamento
da entidade, uma vez não houve deliberação da diretoria ou do Conselho
Seccional da OAB-SP nesse sentido".
O presidente da OAB-SP, Marcos da Costa, classificou, no entanto,
a preocupação de "compreensível". Depende. O que é compreensível? O combate ao
racismo é, entre outras coisas, uma obrigação moral. Patrulhar uma obra de arte
em nome de uma causa é não apenas incompreensível como é inaceitável. Isso é
censura, o que é repudiado pela Constituição Brasileira. E o mínimo que eu
espero da OAB é que defenda a Carta Magna do país.
Fonte: "Blog
Reinaldo Azevedo"
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