Por Reinaldo Azevedo
A VEJA.com desta segunda publica uma excelente reportagem de Gabriel Castro sobre o Bolsa Família.
Já escrevi aqui algumas vezes que uma das medidas do sucesso do programa seria
a diminuição do número de famílias atendidas, certo? Não preciso explicar os
motivos, acho… Mas quê! Em Banânia, dá-se justamente o contrário: o governo
bate no peito, cheio de satisfação, quando cresce o número de atendidos.
Pensem um pouquinho: faz sentido o país estar com o menor
desemprego de sua história e com o Bolsa Família em expansão? Faz, mas de um
modo que muito talvez não suspeitem (leiam a reportagem). Nessa história toda,
muita coisa está errada - envolta em mistificações - desde a origem. Pra começo
de conversa, a renda derivada do trabalho informal não entra na conta do
estabelecimento da linha de corte para a concessão do benefício. Vamos ao
extremo: consumidores de crack que vagam pelas cracolândias Brasil afora, sem
casa, sem mais nada, consomem em pedra um valor muitas vezes superior aos R$ 70
per capita que habilitam alguém a se candidatar ao programa.
Recorro a esse exemplo extremo porque esse grupo acaba sendo uma
espécie de emblema de pessoas que vivem à margem da sociedade. Atenção! Um
consumidor de crack pode gastar com a droga R$ 70 por dia - não por mês. E qual
a origem dessa "renda"? A esmola e pequenos serviços prestados informalmente.
Só 1%
Os mistificadores agora deram para acusar de crueldade os críticos da expansão do Bolsa Família porque, afinal, o programa consome apenas 1% do PIB brasileiro, e isso não passaria de uma migalha. Por outro lado, o governo gastaria muito mais com os tais "rentistas" (são os alvos da hora dos esquerdopatas) por intermédio do pagamento de juros.
Os mistificadores agora deram para acusar de crueldade os críticos da expansão do Bolsa Família porque, afinal, o programa consome apenas 1% do PIB brasileiro, e isso não passaria de uma migalha. Por outro lado, o governo gastaria muito mais com os tais "rentistas" (são os alvos da hora dos esquerdopatas) por intermédio do pagamento de juros.
É uma crítica que concentra várias formas de vigarice. Começo pelo
mais óbvio: o governo paga aos ditos "rentistas" pelo dinheiro que é obrigado a
tomar emprestado em troca de títulos que põe no mercado. E só faz isso porque
precisa de recursos para se financiar. E só precisa fazer isso porque gasta
mais do que arrecada, já que concede mais benefícios - se quiserem, a pobres e
ricos - do que teria condições de fazê-lo e porque a máquina é cara e
ineficiente.
Em segundo lugar, fica parecendo que o Bolsa Família é o único
programa social vigente no país. Não! É preciso colocar na conta a saúde,
educação e programas de moradia - nas três esferas da administração - e a
Previdência Social. O 1% do PIB do Bolsa Família é, com efeito, a menor fatia
do desembolso social.
O problema é que o programa se converteu - vejam os números na
reportagem - numa ação que tem forte apelo eleitoral; na verdade, eleitoreiro.
Não há corrente política no país capaz de falar com a parte da sociedade que
paga a conta; todos preferem ter como interlocutores os beneficiários. Nas
disputas eleitorais de 2006 e 2010, os petistas fizeram terrorismo aberto,
acusando a oposição de querer pôr fim ao programa. Desta feita, o PSDB se
blindou da fofoca: Aécio Neves apresentou um projeto incorporando o Bolsa
Família aos benefícios permanentes, que não dependam da boa vontade de
governos. É uma medida eleitoralmente prudente, dada a vigarice oficial. Mas é
inescapável constatar que isso só nos distancia de uma resposta adequada.
Sem medo de ser feliz
E pensar que, de fato, o Bolsa Família foi criado pelo PSDB. Não é mera questão de opinião, não. É matéria de fato. Como já demonstrei aqui por A + B, quem achava que programas de bolsa deixavam o pobre vagabundo é Lula. No dia 9 de abril de 2003, com o Fome Zero empacado, ele fez um discurso no semiárido nordestino, na presença de Ciro Gomes, em que disse com todas as letras que acreditava que os programas que geraram o Bolsa Família levavam os assistidos à vagabundagem. Querem ler? Pois não! Em vermelho.
E pensar que, de fato, o Bolsa Família foi criado pelo PSDB. Não é mera questão de opinião, não. É matéria de fato. Como já demonstrei aqui por A + B, quem achava que programas de bolsa deixavam o pobre vagabundo é Lula. No dia 9 de abril de 2003, com o Fome Zero empacado, ele fez um discurso no semiárido nordestino, na presença de Ciro Gomes, em que disse com todas as letras que acreditava que os programas que geraram o Bolsa Família levavam os assistidos à vagabundagem. Querem ler? Pois não! Em vermelho.
Eu, um dia desses, Ciro [Gomes, ministro da Integração
Nacional], estava em Cabedelo, na Paraíba, e tinha um encontro com os
trabalhadores rurais, Manoel Serra [presidente da Contag - Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura], e um deles falava assim para mim: "Lula, sabe o que está acontecendo aqui, na nossa região? O povo está
acostumado a receber muita coisa de favor. Antigamente, quando chovia, o povo
logo corria para plantar o seu feijão, o seu milho, a sua macaxeira, porque ele
sabia que ia colher, alguns meses depois. E, agora, tem gente que já não quer
mais isso porque fica esperando o 'vale-isso', o 'vale-aquilo', as coisas que o
Governo criou para dar para as pessoas." Acho que isso não contribui com as
reformas estruturais que o Brasil precisa ter para que as pessoas possam viver
condignamente, às custas do seu trabalho. Eu sempre disse que não há nada mais
digno para um homem e para uma mulher do que levantar de manhã, trabalhar e, no
final do mês ou no final da colheita, poder comer às custas do seu trabalho, às
custas daquilo que produziu, às custas daquilo que plantou. Isso é o que dá
dignidade. Isso é o que faz as pessoas andarem de cabeça erguida. Isso é o que
faz as pessoas aprenderem a escolher melhor quem é seu candidato a vereador, a
prefeito, a deputado, a senador, a governador, a presidente da República. Isso
é o que motiva as pessoas a quererem aprender um pouco mais.
Notaram a verdade de suas palavras? A convicção profunda? Então…
No dia 27 de fevereiro de 2003, Lula já tinha mudando o nome do
programa Bolsa Renda, que dava R$ 60 ao assistido, para "Cartão Alimentação".
Vocês devem se lembrar da confusão que o assunto gerou: o cartão serviria só
para comprar alimentos?; seria permitido ou não comprar cachaça com ele?; o
beneficiado teria de retirar tudo em espécie ou poderia pegar o dinheiro e
fazer o que bem entendesse?
A questão se arrastou por meses. O tal programa Fome Zero,
coitado!, não saía do papel. Capa de uma edição da revista Primeira Leitura da
época: “O Fome Zero não existe”. A imprensa petista chiou pra chuchu.
No dia 20 de outubro, aquele mesmo Lula que acreditava que os
programas de renda do governo FHC geravam vagabundos, que não queriam mais
plantar macaxeira, fez o quê? Editou uma Medida Provisória e criou o Bolsa
Família? E o que era o Bolsa Família? A reunião de todos os programas que ele
atacara em um só. Assaltava o cofre dos programas alheios, afirmando ter
descoberto a pólvora. O texto da MP não deixa a menor dúvida (em vermelho):
(…) programa de que trata o caput tem por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal, especialmente as do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação - "Bolsa Escola", instituído pela Lei n.° 10.219, de 11 de abril de 2001, do Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA, criado pela Lei n.° 10.689, de 13 de junho de 2003, do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Saúde - "Bolsa Alimentação", instituído pela medida provisória n.° 2.206-1, de 6 de setembro de 2001, do Programa Auxílio-Gás,instituído pelo Decreto n.° 4.102, de 24 de janeiro de 2002, e do Cadastramento Único do Governo Federal, instituído pelo Decreto n.° 3.877, de 24 de julho de 2001.
(…) programa de que trata o caput tem por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal, especialmente as do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação - "Bolsa Escola", instituído pela Lei n.° 10.219, de 11 de abril de 2001, do Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA, criado pela Lei n.° 10.689, de 13 de junho de 2003, do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Saúde - "Bolsa Alimentação", instituído pela medida provisória n.° 2.206-1, de 6 de setembro de 2001, do Programa Auxílio-Gás,instituído pelo Decreto n.° 4.102, de 24 de janeiro de 2002, e do Cadastramento Único do Governo Federal, instituído pelo Decreto n.° 3.877, de 24 de julho de 2001.
Compreenderam? Bastaram sete meses para que o programa que impedia
o trabalhador de fazer a sua rocinha virasse a salvação da lavoura de Lula. E
os assistidos passariam a receber dinheiro vivo. Contrapartidas: que as
crianças frequentassem a escola, como já exigia o Bolsa Escola, e que fossem
vacinadas, como já exigia o Bolsa Alimentação, que cobrava também que as
gestantes fizessem o pré-natal! Esse programa era do Ministério da Saúde e foi
implementado por Serra.
E qual passou a ser, então, o discurso de Lula?
Ora, o Apedeuta passou a atacar aqueles que diziam que programas
de renda deixavam acomodados os plantadores de macaxeira, tornando-os
vagabundos, como se aquele não fosse rigorosamente o seu próprio
discurso. No dia 23 de março de 2005, em Cuiabá, atirava contra as pessoas
supostamente contrárias ao Bolsa Família. Leiam e confrontem com o que ele
próprio dizia em 2003:
Eu sei que tem gente que fala: "Não, mas esse presidente está com essa política do programa Fome Zero, do Bolsa Família, isso é proselitismo, isso é esmola." Eu sei que tem gente que fala assim. Lógico, o cidadão que toma café de manhã, almoça e janta todo santo dia, para ele Bolsa Família não significa nada, ele não precisa. E ainda mais se ele puder fazer uma crítica a mim tomando uma Coca-Cola em um bar, um uísque ou uma cerveja. Agora, tem pessoas que, se a gente não der essa ajuda, não conseguem comer as calorias e as proteínas necessárias à vida humana. E se for uma criança de antes de seis anos de idade, nós sabemos que essa criança poderá ter o seu cérebro atrofiado e nunca mais se recuperar.
Eu sei que tem gente que fala: "Não, mas esse presidente está com essa política do programa Fome Zero, do Bolsa Família, isso é proselitismo, isso é esmola." Eu sei que tem gente que fala assim. Lógico, o cidadão que toma café de manhã, almoça e janta todo santo dia, para ele Bolsa Família não significa nada, ele não precisa. E ainda mais se ele puder fazer uma crítica a mim tomando uma Coca-Cola em um bar, um uísque ou uma cerveja. Agora, tem pessoas que, se a gente não der essa ajuda, não conseguem comer as calorias e as proteínas necessárias à vida humana. E se for uma criança de antes de seis anos de idade, nós sabemos que essa criança poderá ter o seu cérebro atrofiado e nunca mais se recuperar.
Fora do horário eleitoral; imprensa crítica
Estudar como se deu a mudança desse discurso explica, em boa parte, como se construiu a hegemonia petista. Em 2002, havia nada menos de 5 milhões de famílias atendidas por alguma das bolsas do governo FHC - que depois foram reunidas sob a rubrica Bolsa Família.
Estudar como se deu a mudança desse discurso explica, em boa parte, como se construiu a hegemonia petista. Em 2002, havia nada menos de 5 milhões de famílias atendidas por alguma das bolsas do governo FHC - que depois foram reunidas sob a rubrica Bolsa Família.
As concessões, acreditem, não foram usadas pelo PSDB na campanha
eleitoral de 2002. Ao contrário até: havia certo esforço para escondê-las. Não
se deve criticar apenas o partido por isso. Quem consultar o noticiário da
época vai constatar que a própria imprensa - contaminada pelo petismo -
dispensava às bolsas tratamento semelhante ao de Lula: NÃO PASSAVAM DE ESMOLAS.
Os analistas "de esquerda", isentos como um táxi, tachavam os
programas de meras "medidas compensatórias" para minimizar os efeitos de um
suposto ajuste neoliberal na economia, que teria sido operado por FHC. Era
conversa mole; era bobagem, mas a coisa colou. Assim, o PSDB preferiu esconder,
em 2002, que havia 5 milhões de famílias recebendo benefícios - o que atingia
bem uns 25 milhões de pessoas. Os tucanos, vejam vocês!, na verdade, se
envergonhavam daqueles programas e achavam que eles depunham contra o Brasil.
No particular, então, concordavam com… Lula!
Com menos de um ano de poder, o Apedeuta percebeu que poderia
transformar o que considerava uma titica em ouro eleitoral puro. Como se vê
acima, unificou todos os programas num só, chamou de "Bolsa Família", anunciou
a redenção dos pobres e, três anos depois, já havia dobrado o número de
famílias beneficiadas: 10 milhões. Na eleição de 2006, sugeriu que os tucanos é
que achavam os beneficiários "vagabundos", não ele.
E, é fato, na imprensa, o Bolsa Família passou a ter um prestígio
realmente inédito. Também os analistas isentos como um táxi acreditam que só
reacionários de maus bofes criticam o Bolsa Família; também eles acham que o
aumento de pessoas atendidas é uma medida de sucesso do governo.
E assim vamos.
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
Nenhum comentário:
Postar um comentário