Por Reinaldo Azevedo
Morreu Ariel Sharon, depois de uma longa agonia. Os textos de
Jean-Philip Struck e Caio Blinder (aqui e aqui) abordam com clareza e eficiência os aspectos ambíguos de sua
trajetória política. Deu motivos para ser detestado, mas só até certo ponto;
deu motivos para ser amado, também até certo ponto. Bem, talvez se possa dizer
o mesmo de cada um de nós, não? O problema é que o destino colocou Sharon numa
região muito particular do planeta, onde amor e ódio mobilizam paixões que vão
muito além da esfera privada.
No comando do governo de Israel, Sharon fez o absolutamente inesperado,
por críticos e admiradores - e era inesperado de tal sorte que os primeiros
tiveram de lhe reconhecer qualidades que não suspeitavam, e os outros se
sentiram traídos. Como primeiro-ministro, promoveu a desocupação da Faixa de
Gaza e recorreu à força para acabar com os assentamentos judaicos que havia na
região, o que lhe rendeu o ódio de algumas correntes religiosas. Também alterou
o antigo equilíbrio entre direita (Likud) e esquerda (trabalhistas) com a
criação do Kadima. Nota à margem: em Israel, "direita" e "esquerda" assumiram
um conteúdo muito particular, que só vale para aquele país e diz respeito,
basicamente, às negociações com os palestinos: o Likud, em tese, faz menos
concessões. O Kadima, sob o comando de Sharon (quem diria? O velho ícone da
direita radical…), apresentou-se como uma força de centro.
A desocupação de Gaza acabou revelando, de maneira insofismável,
um aspecto da questão israelo-palestina que muita gente se nega a reconhecer.
Ainda que se possa argumentar que Israel pôs fim a uma intervenção cara,
estrategicamente inútil e que lhe rendia desgaste internacional, o fato é, e
todo mundo sabe, que ela poderia ter se prolongado indefinidamente. A saída,
portanto, foi, sim, uma concessão, que lhe rendeu, diga-se, ódios internos incontornáveis.
E aconteceu com Gaza o quê? Caiu nas mãos dos terroristas do
Hamas. Não vou entrar na lógica da disputa interna de poder entre os
palestinos. O fato é que o território se transformou numa plataforma de
lançamento de mísseis contra Israel. Ignorar que as consequências da
desocupação da área servem de advertência para o que poderia acontecer com a
Cisjordânia caso ficasse inteiramente sob o controle palestino é querer tapar o
sol com a peneira.
Em suma: aquela que a foi a mais vistosa concessão do governo de
Israel às forças palestinas acabou, por contraste, demonstrando como é estreito
e difícil o caminho da paz. De forma didática - e traumática, sim, para o seu
próprio povo -, Sharon acabou evidenciando que a paz não é possível enquanto os
palestinos não promoverem, então, a sua revolução interna, que ponha fim à
perspectiva do terror. Sem isso, não há acordo possível. Existem radicais e
truculentos no governo de Israel. O terrorismo palestino só lhes dá razão
prática.
O destino acabou sendo cruel com Sharon e, a rigor, com as
perspectivas de um entendimento na região. Justamente porque não pesava sobre
as suas costas a suspeita de que pudesse pôr em risco a segurança de Israel,
poderia ter conduzido negociações mais ousadas do que qualquer outro político -
tinha credibilidade entre fatias importantes dos conservadores. Mas a
história não tem "e se…". É o que é. O derrame o colheu quando ele levava para
a política a ousadia e impetuosidade que tinha no campo de batalha. E a paz,
vejam que ironia, ficou ainda mais distante.
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
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