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quarta-feira, 2 de setembro de 2009

"Um Caso de Língua" em Festival Latino-Americano

Peça promete muito humor para falar do português usado no Brasil, onde a população fala cerca de 10 mil palavras de origem indígena diariamente sem se dar conta

Espetáculo vencedor do Prêmio Braskem de Teatro de 2008, na categoria de Melhor Ator, está de volta. “Um Caso de Língua”, solo do ator Urias Lima (Foto: Divulgação), da Cia Teatro Uno, está na programação do Festival Latino-Americano de Teatro da Bahia (Filte), com apresentações na quarta-feira, 9, na quinta-feira, 10, às 20 horas, no Teatro Martim Gonçalves, da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Depois, de 11 a 26 de setembro, às sextas-feiras e sábados, às 20 horas, no Teatro do Sesc/Senac, no Pelourinho. E a partir de 14 de setembro, todas as segundas-feiras, às 20 horas, no Tom do Sabor, no Rio Vermelho.
“Um Caso de Língua ” é um espetáculo construído sobre três pilares: entretenimento, informação e teatro, e mostra um desenho de alguns dos aspectos mais importantes que forjaram o idioma brasileiro. “Nossa língua é pluralista, vai além da comunicação, porque informa, agrega, identifica e socializa, sem equivalente em nenhum outro país de língua portuguesa”, diz Urias Lima, protagonista da peça e autor do projeto contemplado com o Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz, em 2007.
O trabalho, fruto de mais de cinco anos de anotações, leituras e cuidadosa pesquisa sobre a origem da língua falada no país, além de algumas visitas ao Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, faz um mosaico da formação do Português Brasileiro, a partir das influências de suas três matrizes lingüísticas: africana, ibérica e tupi. Sem didatismos, o espetáculo lança luzes sobre aspectos relevantes da formação da língua portuguesa no Brasil, despertando o interesse de professores, lingüistas, acadêmicos, alunos universitários, estudantes do ensino médio e fundamental.
De viés cômico, o espetáculo resulta de uma colagem de textos literários, fragmentos de letras de músicas, ditados populares, poemas e textos retirados do universo virtual. “O espetáculo tem um olhar crítico sobre o ensino da Língua Portuguesa Brasileira”, revela o ator, que, sempre atento, tratou de inserir informações sobre a Reforma Ortográfica entre os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Brasil inclusive, que passou a vigorar a partir de 2009.
“Um Caso de Língua” usa como suporte a música “Língua”, de Caetano Veloso, e faz ressaltar a importância do nosso idioma, valioso patrimônio imaterial brasileiro, que, segundo o ator, nos amalgama como Nação. Para a concepção, Urias Lima se apropriou de “retalhos” de textos de Luis de Camões, Marcos Bagno, Gero Camilo, Fabrício Carpinejar, Vinicius de Morais, Carlos Drummond, dentre outros. E fez uma “costura” dos textos com uma trilha sonora que mistura Caetano Veloso, Gilberto Gil, Aldir Blanc e Maurício Tapajós, Arnaldo Antunes, Racionais MCs e Carlinhos Brown.
A PEÇA
Dá para imaginar uma versão baiana da criação do mundo? Pois é nesse tom que o espectador de "Um Caso de Língua" vai sendo introduzido nas variações de alguns falares da língua nacional e suas origens. Daí para falar dos baianos ilustres é só um detalhe, todos eles desfilam garbosos em citações que lhe são popularmente atribuídas. Nesse passo, como não poderia deixar de ser, em se tratando de uma versão baiana de criação do mundo, nem o diabo deixa de aparecer na história. Claro, se criaram o mundo tem que haver céu e inferno com diabo e tudo!
Senha dada ao público é hora de escolher, por exemplo, a palavra “bunda” para brincar com as matrizes lingüísticas que formaram o falar brasileiro. “Poucas pessoas se dão conta de que a palavra “bunda” (uma preferência nacional) tem origem no dialeto banto. A bunda brasileira, com a qual requebramos nas festas populares é uma herança lingüística e genética da África”, explica Urias Lima. De fato, a palavra deriva de “mbunda”, segundo o estudioso Antonio Risério. E para quem leu Drummond nunca é demais lembrar que a nossa bunda foi objeto de poema homônimo do grande poeta.
Mas nossa língua não se contenta com a África somente e corre atrás dos indígenas e se apropria de palavras como Jacaré, Jaguar, Paraná, Ipanema, Carioca, Mogi-Mirim, Itamaraty, Itararé, Aracaju, Sergipe, Coaraci, Tapioca, Maracanã, Maracujá, Jaburu, Juriti, Siriema etc. “Se retirarmos o que há de tupi na língua portuguesa ninguém se comunica. A língua portuguesa no Brasil desaparece. É isto que reclama diversos lingüistas. Nossos filhos aprendem na escola uma língua portuguesa, que não é portuguesa. É brasileira”, diz Urias.
A conclusão é de que o português falado no Brasil é uma língua híbrida. Quando chegou à costa brasileira em 1532, porque em 1500 os portugueses descobriram o Brasil e só retornaram 32 anos depois, o português era formado por 160 mil verbetes. Hoje a Língua Brasileira tem 240 mil verbetes. Ou seja, português de Portugal, só palavras que nos fornecem condições jurídicas, políticas e didáticas.
A direção do espetáculo está a cargo da diretora e coreógrafa Carmen Paternostro, conhecida pela excelência plástica e vigor corporal que costuma imprimir em seus espetáculos. Carmen Paternostro, que volta a dirigir após um período dedicado às aulas de mestrado em dança, tem espetáculos marcantes no currículo como "Merlin ou a Terra Deserta", de Tankred Dorst; "Dendê e Dengo", de Aninha Franco; "Os Negros", de Jean Genet; "Lágrimas de Um Guarda-Chuva", de Eid Ribeiro, dentre outros. A diretora, que sempre dirigiu grandes elencos, retorna conduzindo, pela primeira vez, um trabalho individual.
Em seu segundo trabalho solo, o ator Urias Lima, conhecido na cena teatral baiana por espetáculos como "Os Negros", de Jean Genet, com a mesma diretora, e "Comédia do Fim" - IX Montagem do Núcleo de Teatro do TCA, prêmio Braskem de Melhor Espetáculo Adulto em 2003, sob direção de Luiz Marfuz, cita ainda as várias coincidências que permearam a estréia do seu projeto em 2008: discussões sobre a Reforma Ortográfica, bicentenário da chegada da família real no Brasil e o aniversário de 400 anos do Padre Antonio Vieira.
(Com informações de Érica Lopes, de Selma Santos Produções)

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