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quinta-feira, 4 de junho de 2009

Sobre "Os Sertões" e "Grande Sertão: Veredas"

Por Fernando Munaretto
Certa vez, um andarilho que ia passando pela Chapada Diamantina apareceu lá em casa e deixou-me o livro que acabara de ler. Era uma edição de bolso surrada, volumosa, parecendo uma Bíblia, escrito na capa: “Os Sertões”.
Eu já ouvira falar daquele livro, por alto, mas não sabia ao certo do que tratava. Lembro-me da sensação curiosa que me causou a leitura das primeiras dezenas de páginas; o não compreender era fascinante, e a todo o momento tinha que recorrer ao dicionário. Como em um destes modernos programas de simulação geográfica tridimensional, as descrições poéticas de Euclides da Cunha me levavam num vôo sobre a geografia brasileira, enriquecido com outras duas dimensões, de ordem temporal. A do autor e a minha.
Bem me lembro dos cheiros e das cores da minha casa naqueles dias.
No primeiro terço do livro, deparei-me com uma descrição geológica, poética, rebuscada, discorrendo desde as escarpas da serra do mar em que me criei, até as pradarias desertas do sertão, onde me habituei a deitar os olhos. Viajei em cada detalhe, mas em seguida estranhei os conceitos mal formulados sobre raças superiores ou inferiores e achei graça de algum exagero na escolha das palavras.
Depois veio a guerra, sua singularidade, seus motivos desencontrados, a loucura e a fantasia, o rosto da criança deformado pelos estilhaços das granadas, as preces para Deus ser cúmplice de quantos empalamentos e degolas precisassem de corpos. Cenas não vistas, mas que não saem da cabeça: eis o poder da literatura.
Pela leitura de meu diário da época, percebe-se o quanto me marcou a leitura de “Os Sertões”. O li muito rápido e com muito prazer, descobrindo um capítulo singularíssimo da história do Brasil e do comportamento humano, e foi essa a impressão que ficou de minha primeira leitura desta obra.
Um belo dia, um amigo, mestre em Letras, instigou-me a ler o “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa, garantindo-me que eu haveria de gostar ainda mais. Emprestei-o então na biblioteca mais próxima de minha casa, sem fazer idéia do que me esperava, e logo nas primeiras linhas percebi que havia algo estranho, realmente inusitado. A leitura linear habitualmente aplicada a outros livros, ali, não emprestava sentido às palavras, e o texto, depois de adiantadas linhas, parecia estéril, não se completava, permeado de palavras em dialeto alheio. No entanto, a força da personagem se impôs antes que eu percebesse e comecei a ler como Riobaldo falava. As frases passaram a fazer mais do que sentido, transformaram-se em uma ponte que me conduziu pelos lugares e acontecimentos narrados, proporcionando-me uma fascinante experiência intelectual.
Em minha casa, que na época funcionava como um ponto de encontro dos amigos, tínhamos adquirido o hábito da leitura em voz alta, pois muitos destes amigos eram analfabetos, e em dez sessões distintas, lemos as 150 primeiras páginas. Em quase todas as sessões, havia quatro ou cinco pessoas que se dispunham a ler, mas era o velho Rui, condutor do ônibus escolar, e eu quem melhor encarnava o narrador Riobaldo. A leitura se arrastou por meses, e daquele grupo original, enfim, só eu mesmo cheguei ao final; poucas vezes me demorei assim com a leitura de um livro, mas o deleite era tanto em ler em voz alta, que não me apressei.
De fato, ambas as obras estão entre as maiores da literatura em língua portuguesa, por diferentes motivos, e são muito singulares para serem medidas entre si. A genialidade de Guimarães Rosa supera a de Euclides da Cunha, no que diz respeito à criatividade artística. Conjuga de maneira originalíssima o ecoleto regional à sabedoria letrada do acadêmico, em uma obra de vanguarda literária e artística, que também é um instantâneo de uma época.
Em “Grande sertão: Veredas”, Guimarães Rosa rompe a caretice da bela e aristocrática língua portuguesa, e como uma criança que vai bem se divertindo com coisas sérias, obtém a complacência do velho consagrado e ensina que nossa língua é muito mais do que um conjunto rígido de regras acadêmicas diante da sabedoria iletrada de um povo. No entanto, “Os Sertões”, em minha opinião, além de ter a prioridade diante do fato histórico, é muito mais do que um documento, é a obra maior relacionada a um episódio que de outra maneira, não teria alcançado tamanha difusão além de sua época. Em certo aspecto, é o próprio epílogo daquele quadro.
Nenhuma outra guerra fratricida ou convulsão nacional, mesmo as de maior importância política, obteve a repercussão que Canudos alcançou no âmbito literário. Isso se deve em grande parte a narrativa de Euclides da Cunha, elevada aos píncaros da literatura em sua grande obra. “Os Sertões” é épico, lírico, dramático, erudito; um retrato de época do Brasil e de sua gente, desde o Rio Grande do Sul até o Amazonas, em um dos maiores divisores temporais da história nacional, que foi o início da República. Fascina pelo domínio da língua, pela riqueza da forma e o uso das palavras, pelos canais que abre ao conhecimento geral, especialmente à geografia brasileira e seu reflexo na formação da nação. Na grande obra de Euclides da Cunha, a palavra ‘sertão’, consolida com propriedade o tom mítico que lhe acompanha desde as primeiras Entradas e Bandeiras, e o sertanejo como parte dele. A referência geográfica genérica ganha com “Os Sertões”, uma personalidade lúdica, viva, singular, abrindo a vereda que a genialidade de Rosa elevaria ao nível mais alto da arte, meio século depois.
O cenário onde se desenrola o enredo de “Grande Sertão: Veredas” é separado por mais de mil quilômetros de distância do cenário de “Os Sertões”, no entanto ambos acontecem no sertão, que também é cenário para a maior marcha militar da história moderna, a Coluna Prestes, ou fenômenos sociais como o cangaço e o coronelismo, que tem seus maiores ícones em Lampião e Horácio de Matos, respectivamente. O mesmo sertão que recentemente serviu de mortalha para guerrilheiros revolucionários, como o capitão Lamarca.
Também é interessante notar que ambos os livros trouxeram em suas esteiras a moderna criação de Parques nos respectivos sítios onde se desenvolveram suas narrativas. No norte de Minas com o sudoeste da Bahia, onde se dão parte das aventuras daquele faroeste caboclo, hoje existe o Parque Nacional Grande Sertão: Veredas. Em Canudos, 300 km ao norte de Feira de Santana, o Parque Estadual de Canudos, temático, possui painéis onde se vêem transcritas partes do livro de Euclides da Cunha, em pleno sítio histórico, cuja superfície está parcialmente submersa pelas águas represadas do Vaza Barris, o chamado açude do Cocorobó.
Parece-me justo afirmar que estes dois grandes autores e suas obras referidas, emprestaram inestimável riqueza à biografia do povo brasileiro, e tiveram, ainda em vida, deste povo, o reconhecimento.
Fernando Munaretto é astrônomo amador, da Astronomia na Escola - Mil Produções

Um comentário:

Fernando Munaretto disse...

Caro Dimas,

Parabens por seu Blog, ele é muito eclético e interessante.
Fico satisfeito em ler meu texto sobre os livros referidos, publicado no Blog Demais. Se puder, dê uma olhadinha na revista Muito, do grupo A Tarde, de domingo 07.06.
A capa trás uma matéria sobre astronomia, da qual fui consultor.

Abraços.
Fernando.