Artigo de Barbara Gancia, no jornal "Folha de S. Paulo", edição de sexta-feira, 22:
Os jovens, meninas inclusive, bebem demais, comem de menos e voltam para casa em horários impensáveis.
Sinceramente, não agüento mais ver mãe sofrendo morte de filho. Na sexta-feira passada, pela segunda vez em menos de dois meses, fui ao velório do filho de uma amiga, morto aos 24 anos em um acidente de trânsito ocorrido na madrugada.
Sinceramente, não agüento mais ver mãe sofrendo morte de filho. Na sexta-feira passada, pela segunda vez em menos de dois meses, fui ao velório do filho de uma amiga, morto aos 24 anos em um acidente de trânsito ocorrido na madrugada.
A dor que presenciei chega a ser obscena de tão intensa. Minha amiga, que sempre conheci para lá de radiante, teve o coração destroçado. Em sua agonia, a todos que a abraçavam, ela só conseguia balbuciar a mesma pergunta: "Como vou viver sem meu filho?". Um dos presentes me contou que aquele era o quinto velório de jovem a que ele comparecia nos últimos tempos. Andrey, o rapaz morto, não era de beber, mas a Vespa em que trafegava foi apanhada por um Audi que não prestou socorro. Seria o caso de deduzir que o Brasil está lutando uma guerra e que, ao completar 18 anos, nossos filhos, irmãos, primos e amigos estão sendo mandados para o front de batalha.
Mas se guerra houvesse, essa meninada ao menos estaria morrendo por uma causa e não tendo a vida interrompida sempre pelo mesmo motivo estúpido. Parece haver uma conspiração contra essa geração que hoje está completando 18 anos e ganhando seu primeiro automóvel. Todos, meninas inclusive, bebem demais, todos comem de menos, todos vêm e vão em horários impensáveis de se sair e voltar para casa e todos, juntos, formam o público-alvo de uma indústria perversa, a de bebidas alcoólicas, que confunde propositalmente liberdade de expressão com permissividade a fim de criar novos consumidores (e vítimas).
Eu pergunto: como é que, até hoje, ninguém contestou em praça pública a venda de um produto indecente como aquela garrafinha de 300 ml de vodca adocicada, que é destinada exclusivamente ao consumo de gente jovem? Como podem as marcas de cerveja cooptar impunemente os ídolos da juventude para serem garotos-propaganda de seus produtos? Como pode o manobrista da casa noturna entregar, sem questionar, as chaves do carro ao jovem que está cambaleando de bêbado? Nunca entendi esse negócio de "esquenta" - o ato de começar a beber antes da festa e só chegar à tal da "balada" em horários em que, antigamente, a gente estaria voltando para casa. Como é que os pais admitem esse ritual macabro? Não será óbvio que o "esquenta" aumenta as chances de o jovem se meter em encrenca e que seis ou sete horas de festa é tempo demais para qualquer um agüentar de cara limpa?
Tem pai que é cego, e a mera existência do celular passou aos progenitores uma falsa sensação de segurança. Se sei onde meu filho está, tudo bem, pensam eles. Mas não é bem assim. Por mais jovens que sejam os baladeiros de hoje, não há cristão, judeu, muçulmano ou descrente que agüente virar a noite na balada com música eletrônica. Tanto não há, que a prefeitura agora obriga por lei as casas noturnas a ter bebedouro acessível aos freqüentadores. Alô, papai e mamãe para quem a ficha ainda não caiu! Desidratação combina com ecstasy. E bebida combina, sim, com volante e com briga. Ou será que ninguém nunca viu bêbado valentão pisar no acelerador e tímido reagir como leão quando está de cara cheia?
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