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segunda-feira, 29 de abril de 2019

"O raio do papel"

Por J R Guzzo

Deu um nó. Está sempre dando, na política brasileira, porque é mesmo da natureza da política produzir complicação, aqui e no resto do mundo. Mas desta vez parece que se formou entre governo, Congresso, partidos e o resto da nebulosa que compõe a vida pública brasileira um nó de escota duplo, ou um lais de guia holandês, ou algum outro dos muitos enigmas criados pela ciência dos marinheiros - desses que você olha, mexe, olha de novo, e não tem a menor ideia de como desfazer. É fácil para os marinheiros - mas só para eles. Como, no presente momento, não há ninguém com experiência prévia a respeito da desmontagem dos nós que apareceram desde que Jair Bolsonaro formou o seu governo, o mundo político está com um problema sério. Como se sabe, é a primeira vez na história recente do Brasil que o time inteiro de cima foi montado sem ninguém pedir licença aos políticos, ou sequer perguntar a sua opinião - e menos ainda comprar seu apoio com a entrega de cargos na administração. Há muito técnico, muito general etc. Mas não há, como a ciência política considera indispensável, nada de "engenharia política". Isso quer dizer, na prática, que ficou difícil fazer a turma da situação votar a favor do governo - pois a maior parte dela passa mal se tiver de votar alguma coisa por princípio, ou seja, de graça. É esse o nó que não desata. Por causa dele, dizem que o governo está "paralisado há 100 dias".
Vejam, para citar o exemplo mais indecente do momento, a reforma da Previdência. Nada mais natural que o PT, seus auxiliares e o resto da esquerda fiquem contra. Têm mesmo de ficar: a única escolha que faz sentido para a oposição, hoje, é ser 100% contra qualquer ideia que tenha a mínima chance de melhorar o Brasil em alguma coisa. Isso seria, em seu raciocínio, ajudar o governo Bolsona­ro a ser bem-sucedido - e um governo Bolsonaro medianamente bem-­sucedido é um desastre mortal para o consórcio Lula-PT. Que futuro vai ter essa gente na vida, a não ser que o governo acabe em naufrágio? Nenhum. É compreensível, assim, que a oposição não aprove nada que possa dar certo. Mas PT, Psol e PCdoB, somados, não chegam a 15% da Câmara dos Deputados. E o resto: por que eles demoram tanto para votar a reforma? Mesmo descontando outras facções antigoverno, daria para aprovar. Resposta: demoram porque querem cargos na máquina e não estão levando.
É isso: o sujeito quer uma diretoria, uma superintendência, uma vice-­presidência - uma boquinha gorda qualquer, Santo Deus - e não tem a quem pedir. Falam em "agilização" das nomeações. Mas nomeação, que é bom, não sai. Chegou-se a falar num "Banco de Talentos", para onde a politicalha mandaria os nomes que quer empregar - e onde as escolhas seriam feitas segundo "critérios técnicos". Também não rolou. Um deputado especialmente desesperado com a demora, Felipe Francischini, chutou o balde e pediu um emprego na estatal Itaipu para a própria madrasta. Outro, um Elmar Nascimento, do liberalíssimo DEM, disse que não quer saber de "talentos"; quer emprego mesmo, e dos bons. "Não vamos nos contentar só com marmita", ameaçou ele. Histórias como essa encheriam a revista inteira; não vale a pena ficar repetindo a mesma ladainha. O certo é que a manada quer os empregos, não está conseguindo e, pior que tudo, não sabe com quem falar para descolar a nomeação. Não adianta falar "no governo", ou "no palácio". Tem de ser com o sujeito de carne e osso que manda assinar o raio do papel que vai para o Diário Oficial. E quem é que chega até ele?
A Caixa Econômica Federal, para dar um exemplo só, trocou todos os vice-presidentes, 38 dos quarenta diretores e 75% dos 84 diretores regionais - tudo propriedade privada dos políticos. Mais: quer cortar em dois anos 3,5 bilhões de reais em despesas como aluguéis ou "prestação de serviços". Só na avenida Paulista, a CEF ocupa hoje sete prédios - nenhum outro banco do mundo chegou perto disso, mesmo na época em que bancos tinham milhares de agências. Em Brasília é pior: são quinze prédios, um deles só para tratar da admissão de funcionários, como se a Caixa tivesse de admitir funcionários todos os dias. Até uma criança de 10 anos sabe que mexer nisso é mexer diretamente no interesse material dos políticos. Eles perderam esses cargos; querem todos de volta, desesperadamente. Na CEF, no serviço contra as secas, nos portos, nos aeroportos, nos armazéns de atacado, no Oiapoque e no Chuí.
Fonte: "Veja"

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