"Não
temos palavras para também exaltar devidamente o clima da Feira de
Sant'Anna". A louvação à "Petrópolis da Bahia", em artigo na
"Gazeta Médica da Bahia", é do Dr. Joaquim Remédios Monteiro (Foto). O escrito,
em julho de 1884, foi na secção "Hygiene", intitulado "A Feira
de Sant'Anna como 'sanatorium' da tuberculose pulmonar".
O texto é
encabeçado por trecho de Clemente da Cunha Ferreira - "Phtysica
pulmonar These sustentada perante a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,
pag 361 Rio de Janeiro 1880": "De feito não é possivel ser-se
por demais exigente em matéria de climas; não há certamente refígio climatérico
perfeito, e pois compete-nos apenas escolher o melhor e na falta dele aceitar o
bom."
Remédios Monteiro descreve:
"A
cidade de Feira de Sant'Anna dista 22 léguas da cidade da Bahia.
Acha-se
colocada n'um planalto de muitas léguas de extensão.
As ruas
são em geral largas. De dez anos para cá tem se construído muitos prédios
novos.
A
temperatura mínima é de 17 cent. No inverno e a máxima no verão 30.
Com estas
duas temperaturas extremas pode-se bem considerar a Feira de Sant'Anna
apropriada a uma residência fica de verão e de inverno.
O solo é
extremamente duro e secco, de sorte que para se obter água é necessário cavar
poços de 15 metros de profundidade.
No
inverno predominam os ventos do quadrante do sul e no verão os do norte, ambos
sem impetuosidade.
A
atmosfera é pura e agradável e por vezes sente-se-á embalsamada pelas emanações
aromáticas do alecrim silvestre que viceja nos terrenos incultos das
cincumvisinhanças.
Nos mezes
de setembro, outubro e novembro há dias frescos, bonitos, agradabilíssimos e
explendidos.
A Feira de
Sant'Anna é uma estação sanitária encantadora; alegre como o sol que a doura.
Junte-se
a isto a facilidade de comunicação com a capital e a vantagem de gosar uma vida
confortável, de uma alimentação rica, de muito com leite e excelente carne.
Já em um
dos meus escriptos denominei-a - Petrópolis da Bahia.
As
mulheres, os homens, as crianças enervadas, definhadas pela malária urbana da
capital, sem moléstias caracterizadas, vigoram-se n'este clima, aliás pouco
conhecido e ainda não estudado por homens profissionais. Já se faz sentir a
necessidade de um estudo a respeito de Feira, onde tardiamente os doentes vem
procurar o restabelecimento, um estudo em que se attenda ás suas condições
thermicas, hydrometricas, anemológicas, altitude, etc."
O médico segue com sua narrativa:
"Há
5 annos vim procurar n'esta cidade lenitivo aos meus chronicos sofrimentos
pulmonares. Há 24 anos sobreveio-me a primeira hemopthyse e depois tantas,
tantas outras até o anno passado que já perdi a conta: tinha eu então 33 annos
de idade. Serei tão excepcionalmente favorecido pela sorte, terei a ventura de
Duverney, um grande anatomista da França (Fontenelle. Eloges des Savans),
que aos 30 annos sofreu de um mal violento dos pulmões, uma ulcera como então
chamavam, uma caverna na linguagem hodierna, e entretanto morreu com 82
annos?...
Algumas
vezes, posto que raras, a tuberculose pulmonar não termina pela morte senão ao
cabo de 20, 30 e 40 annos, outras vezes em dous ou três; sem falar na phtysica
aguda, invasora, de marcha rápida, continua, galopante que completa a sua acção
destruidora em poucos mezes.
Entre
estes extremos quantas variedades intermediarias!
O facto é
que os tuberculosos pulmonares são a vergonha da medicina, o desespero da
clinica diária, a macula negra do quadro therapeutico em todos os tempos
passados e presentes enquanto a moderna e importante descoberta do alemão Koch
do microgermen da tuberculose não justifique uma therapeutica consoante a nova
teoria: por enquanto esta therapeutica falta realmente.
Ele
continua seu escrito tratando sobre a doença e considera que:
"A
vereda nova por onde hade caminhar a futura therapeutica n'este morbo está
traçada: uma nova éra mais auspiciosa parece desenhar-se nos horizontes da
sciencia.
Emquanto
pelo trabalho perseverante da observação microscopica e clinica, da
experimentação dos meios antissépticos, se procura pacientemente chegar a um
tratamento menos empírico, mais proveitoso, do que o até hoje empregado,
aconselhe-se aos emfermos respirar um ar puro, em quantidade ilimitada, longe
das cidades, fora do estreito contacto, perdoe-se-me a exageração, da
humanidade.
É sabida
a poderosa influencia benéfica do ar puro e secco, em que viva-se mergulhado. A
humidade do ar é o mais terrível inimigo dos que sofrem moléstias do peito; e
n'este ponto os climas quentes e humidos, os frios e humidos assemelham-se
perfeitamente em seus desastrosos efeitos.
É
conhecida a constituição dos terrenos das savanas da América hespanhola e dos
steppes da Russia: são todos extremamente seccos e de uma dureza notável!,
oferecendo por conseguinte ao vento e aos raios solares um jogo fácil contra as
causas da humidade."
Remédios Monteiro constata em seu artigo:
"É
assim também o solo d'esta cidade como já acima expuz.
Um
circumstancia que convem fazer sobressahir é esta cidade achar-se longe da
atmosphera marítima.
As
viagens de mar ou a residência nas proximidades d'elle, recomendadas por
Gilchrist, Lennec, que morreu phthysico, e alguns outros médicos, aos
phthysicos, devem na minha fraca opinião ser consideradas como nocivas. O
testemunho valioso dos médicos da marinha não confirmam hoje este resultado
vantajoso referido pelos que aconselham taes viagens ou a residência a beira
mar: antes tendem a accelarar a marcha da moléstia em consequencia da humidade.
O ar do mar nada tem de especifico contra a tuberculose pulmonar; suas virtudes
tem o mesmo valor therapeutico do sal marinho preconizado por Amedée Latour.
O Dr.
Julio Rochard em uma memoria coroada, pela Academia de Medicina de Pariz em
1856, pronuncia-se energicamente contra a navegação como meio therapeutico da
phthysica pulmonar."
Ele segue
exaltando o clima de Feira de Sant'Anna que "só encontra rival nos Campos
do Jordão na província de S. Paulo, situados quase a dous mil metros acima do
nível do mar, cujos salutares efeitos foram demonstrados pelos Srs. Dr. Luiz
Pereira Barretto no Diario Official de 6 de março de 1884 e
Dr. Clemente da Cunha Ferreira, medico residente na cidade de Rezende em um
opúsculo e em sua monumental these para o doutorado em medicina sobre phthysica
pulmonar, sustentada no Rio de Janeiro em 1880. Estes dous colegas tecem os
maiores e os mais ardentes encômios aos Campos do Jordão."
E diz
encerrando o escrito que:
"Não
temos palavras para também exaltar devidamente o clima da Feira de Sant'Anna no
tratamento de uma moléstia que por emquanto zomba dos esforços da sciencia,
pois o tuberculoso marcha fatalmente para a sepultura. É como diz o Dr.
Samuel Warren:
'Ce n'est une maladie comme une autre, c'est la mort
debout auprès de la victim, et, come ce personage du Dante envahissant sa proie
par degrés.'
Philarete Chasles - Souvenirs d'un médecin - pag. 213 - Paris 1855.
Quando
desde cedo os tuberculosos procurem a Feira notarão que a marcha da moléstia
diminue ou para n'esta atmosfera oxigenada, n'este ar puro, secco e
refocilante. E se por acaso não se restabelecerem, os doentes gosarão ao menos
de uma cura relativa: achar-se-hão no estado que o professor Jaccoud
caracteriza nas seguintes phrases: - em état de vivre avec ses 'lésions
tuberculeuses reduites à l'impuissance de nuire.' 'Curabilitè et traitement de la
phthysie pulmonaire, pag 16 - Paris 1881.'
O clima
pode muito, mas não pode tudo, quer ela relação á pathogenia quer em relação á
hygiene prophylatica.Nenhum clima, seja o do Funchal, o de Davos, o do
Cairo, e da Sicília, o de Argel, o da Feira de Sant'Anna, como nenhum
medicamente antisséptico, quando se o descobrir para a consumpção pulmonar com
o acaso fez achar o mercúrio para a syphilis, o quinino para a infecção
palustre; fechará numerosas cavernas supurantes, substituirá o tecido pulmonar
destruído pela ulceração e desintegração progressiva, nem removerá infiltrações
disseminadas no parenchyma pulmonar.
Em taes
circumstancias o mal é irreparável como disse o poeta: Hoeret lethalis
arando."
Texto publicado na edição desta sexta-feira, 18, do jornal "NoiteDia"
Texto publicado na edição desta sexta-feira, 18, do jornal "NoiteDia"
Nenhum comentário:
Postar um comentário