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quinta-feira, 18 de abril de 2019

O clima de Feira por Remédios Monteiro


"Não temos palavras para também exaltar devidamente o clima da Feira de Sant'Anna". A louvação à "Petrópolis da Bahia", em artigo na "Gazeta Médica da Bahia", é do Dr. Joaquim Remédios Monteiro (Foto). O escrito, em julho de 1884, foi na secção "Hygiene", intitulado "A Feira de Sant'Anna como 'sanatorium' da tuberculose pulmonar".
O texto é encabeçado por trecho de Clemente da Cunha Ferreira - "Phtysica pulmonar  These sustentada perante a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, pag 361  Rio de Janeiro 1880": "De feito não é possivel ser-se por demais exigente em matéria de climas; não há certamente refígio climatérico perfeito, e pois compete-nos apenas escolher o melhor e na falta dele aceitar o bom."
Remédios Monteiro descreve: 
"A cidade de Feira de Sant'Anna dista 22 léguas da cidade da Bahia.
Acha-se colocada n'um planalto de muitas léguas de extensão.
As ruas são em geral largas. De dez anos para cá tem se construído muitos prédios novos.
A temperatura mínima é de 17 cent. No inverno e a máxima no verão 30.
Com estas duas temperaturas extremas pode-se bem considerar a Feira de Sant'Anna apropriada a uma residência fica de verão e de inverno.
O solo é extremamente duro e secco, de sorte que para se obter água é necessário cavar poços de 15 metros de profundidade.
No inverno predominam os ventos do quadrante do sul e no verão os do norte, ambos sem impetuosidade.
A atmosfera é pura e agradável e por vezes sente-se-á embalsamada pelas emanações aromáticas do alecrim silvestre que viceja nos terrenos incultos das cincumvisinhanças.
Nos mezes de setembro, outubro e novembro há dias frescos, bonitos, agradabilíssimos e explendidos.
A Feira de Sant'Anna é uma estação sanitária encantadora; alegre como o sol que a doura.
Junte-se a isto a facilidade de comunicação com a capital e a vantagem de gosar uma vida confortável, de uma alimentação rica, de muito com leite e excelente carne.
Já em um dos meus escriptos denominei-a - Petrópolis da Bahia.
As mulheres, os homens, as crianças enervadas, definhadas pela malária urbana da capital, sem moléstias caracterizadas, vigoram-se n'este clima, aliás pouco conhecido e ainda não estudado por homens profissionais. Já se faz sentir a necessidade de um estudo a respeito de Feira, onde tardiamente os doentes vem procurar o restabelecimento, um estudo em que se attenda ás suas condições thermicas, hydrometricas, anemológicas, altitude, etc."
O médico segue com sua narrativa:
"Há 5 annos vim procurar n'esta cidade lenitivo aos meus chronicos sofrimentos pulmonares. Há 24 anos sobreveio-me a primeira hemopthyse e depois tantas, tantas outras até o anno passado que já perdi a conta: tinha eu então 33 annos de idade. Serei tão excepcionalmente favorecido pela sorte, terei a ventura de Duverney, um grande anatomista da França (Fontenelle. Eloges des Savans), que aos 30 annos sofreu de um mal violento dos pulmões, uma ulcera como então chamavam, uma caverna na linguagem hodierna, e entretanto morreu com 82 annos?...
Algumas vezes, posto que raras, a tuberculose pulmonar não termina pela morte senão ao cabo de 20, 30 e 40 annos, outras vezes em dous ou três; sem falar na phtysica aguda, invasora, de marcha rápida, continua, galopante que completa a sua acção destruidora em poucos mezes.
Entre estes extremos quantas variedades intermediarias!
O facto é que os tuberculosos pulmonares são a vergonha da medicina, o desespero da clinica diária, a macula negra do quadro therapeutico em todos os tempos passados e presentes enquanto a moderna e importante descoberta do alemão Koch do microgermen da tuberculose não justifique uma therapeutica consoante a nova teoria: por enquanto esta therapeutica falta realmente.
Ele continua seu escrito tratando sobre a doença  e considera que: 
"A vereda nova por onde hade caminhar a futura therapeutica n'este morbo está traçada: uma nova éra mais auspiciosa parece desenhar-se nos horizontes da sciencia.
Emquanto pelo trabalho perseverante da observação microscopica e clinica, da experimentação dos meios antissépticos, se procura pacientemente chegar a um tratamento menos empírico, mais proveitoso, do que o até hoje empregado, aconselhe-se aos emfermos respirar um ar puro, em quantidade ilimitada, longe das cidades, fora do estreito contacto, perdoe-se-me a exageração, da humanidade.
É sabida a poderosa influencia benéfica do ar puro e secco, em que viva-se mergulhado. A humidade do ar é o mais terrível inimigo dos que sofrem moléstias do peito; e n'este ponto os climas quentes e humidos, os frios e humidos assemelham-se perfeitamente em seus desastrosos efeitos.
É conhecida a constituição dos terrenos das savanas da América hespanhola e dos steppes da Russia: são todos extremamente seccos e de uma dureza notável!, oferecendo por conseguinte ao vento e aos raios solares um jogo fácil contra as causas da humidade."
Remédios Monteiro constata em seu artigo:
"É assim também o solo d'esta cidade como já acima expuz.
Um circumstancia que convem fazer sobressahir é esta cidade achar-se longe da atmosphera marítima.
As viagens de mar ou a residência nas proximidades d'elle, recomendadas por Gilchrist, Lennec, que morreu phthysico, e alguns outros médicos, aos phthysicos, devem na minha fraca opinião ser consideradas como nocivas. O testemunho valioso dos médicos da marinha não confirmam hoje este resultado vantajoso referido pelos que aconselham taes viagens ou a residência a beira mar: antes tendem a accelarar a marcha da moléstia em consequencia da humidade. O ar do mar nada tem de especifico contra a tuberculose pulmonar; suas virtudes tem o mesmo valor therapeutico do sal marinho preconizado por Amedée Latour.
O Dr. Julio Rochard em uma memoria coroada, pela Academia de Medicina de Pariz em 1856, pronuncia-se energicamente contra a navegação como meio therapeutico da phthysica pulmonar."
Ele segue exaltando o clima de Feira de Sant'Anna que "só encontra rival nos Campos do Jordão na província de S. Paulo, situados quase a dous mil metros acima do nível do mar, cujos salutares efeitos foram demonstrados pelos Srs. Dr. Luiz Pereira Barretto no Diario Official de 6 de março de 1884 e Dr. Clemente da Cunha Ferreira, medico residente na cidade de Rezende em um opúsculo e em sua monumental these para o doutorado em medicina sobre phthysica pulmonar, sustentada no Rio de Janeiro em 1880. Estes dous colegas tecem os maiores e os mais ardentes encômios aos Campos do Jordão."
E diz encerrando o escrito que:
"Não temos palavras para também exaltar devidamente o clima da Feira de Sant'Anna no tratamento de uma moléstia que por emquanto zomba dos esforços da sciencia, pois o tuberculoso marcha fatalmente para a sepultura. É como diz o Dr. Samuel Warren:
'Ce n'est une maladie comme une autre, c'est la mort debout auprès de la victim, et, come ce personage du Dante envahissant sa proie par degrés.' 
Philarete Chasles - Souvenirs d'un médecin - pag. 213 - Paris 1855.
Quando desde cedo os tuberculosos procurem a Feira notarão que a marcha da moléstia diminue ou para n'esta atmosfera oxigenada, n'este ar puro, secco e refocilante. E se por acaso não se restabelecerem, os doentes gosarão ao menos de uma cura relativa: achar-se-hão no estado que o professor Jaccoud caracteriza nas seguintes phrases: - em état de vivre avec ses 'lésions tuberculeuses reduites à l'impuissance de nuire.' 'Curabilitè et traitement de la phthysie pulmonaire, pag 16 - Paris 1881.'
O clima pode muito, mas não pode tudo, quer ela relação á pathogenia quer em relação á hygiene  prophylatica.Nenhum clima, seja o do Funchal, o de Davos, o do Cairo, e da Sicília, o de Argel, o da Feira de Sant'Anna, como nenhum medicamente antisséptico, quando se o descobrir para a consumpção pulmonar com o acaso fez achar o mercúrio para a syphilis, o quinino para a infecção palustre; fechará numerosas cavernas supurantes, substituirá o tecido pulmonar destruído pela ulceração e desintegração progressiva, nem removerá infiltrações disseminadas no parenchyma pulmonar.
Em taes circumstancias o mal é irreparável como disse o poeta: Hoeret lethalis arando."
Texto publicado na edição desta sexta-feira, 18, do jornal "NoiteDia"

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