Por Percival Puggina
Dize-me a quem admiras. E eu te
direi que isso me basta. Muito tem sido escrito sobre as afeições do governo
brasileiro no cenário internacional. Eu mesmo já escrevi sobre a carinhosa
saudação de Lula na 10ª Reunião do Foro de São Paulo, em Havana, no ano de
2001: "Obrigado, Fidel, por vocês existirem!". E não satisfeito com tão
derretida manifestação de afeto, Lula arredondou o discurso com esta faiscante
pérola: "Embora o seu rosto esteja marcado por rugas, Fidel, sua alma continua
limpa porque você não traiu os interesses do seu povo". Que coisa horrível! E
note-se: é uma adoração coletiva. Interrogue qualquer membro do governo sobre
violações de direitos humanos, prisões de dissidentes, restrições às liberdades
individuais na ilha dos Castro. Verá que ele, imediatamente, passa a falar de
ianques em Guantánamo. Essa afinidade entre nossos governantes e os líderes
cubanos é carnal, como unha e dedo. Quando se separam, dói. Noutra perspectiva,
parece, também, algo estreitamente familiar. Filial, como quem busca a bênção
do veterano e sábio pai, fraternal na afinidade dos iguais, e crescentemente
paternal, pelo apoio político, moral e financeiro à velhice dos dois rabugentos
ditadores caribenhos. E haja dinheiro nosso para consertar o estrago que a
dupla já leva mais de meio século produzindo.
Um pouco diferente, mas ainda
assim consistente e comprometida, solidária e ativa, a relação do nosso governo
com o delirante Hugo Chávez e seu fruto Maduro. Ali também se estendeu - e
estendida permanece, resolutamente disponível - a mão solidária do governo
brasileiro. Pode faltar dinheiro para as penúrias humanas do nosso semiárido,
para um tratamento menos indigno aos aposentados e pensionistas do país, para
os portos e aeroportos nacionais, mas que não faltem recursos para pontes,
portos e aeroportos na Venezuela e em Cuba. Parece, também, que entramos num
infindável ano bíblico de perdão de dívidas. Onde houver um tiranete africano
ou ibero-americano em necessidade, lá vai o Brasil rasgar seus títulos de
crédito. Quando foi deposto o virtuoso Fernando Lugo, com suas camisas tipo
clergyman adornadas com barras verticais que lembravam estolas, nosso governo
experimentou tamanha dor que preferiu perder a amizade dos paraguaios. A
parceria se reuniu, expulsou o Paraguai do Mercosul e importou, não a
Venezuela, mas o folclórico Hugo Chávez.
Eu poderia falar sobre o silêncio
do Brasil em relação ao que a Rússia está fazendo na Criméia. Aliás, haveria
muito, mas muito mais, do mesmo. Mas isso me basta. Percebam os leitores que em
todos os casos, a reverência, o apreço, a dedicação fluem para as pessoas
concretas dos líderes políticos, membros do clube, e não para os respectivos
povos. Não são os cubanos, mas os Castro. Não são os venezuelanos, mas os
bolivarianos Chávez e Maduro. Não eram os paraguaios, mas Lugo. Não são os
bolivianos ou os nicaraguenses, mas Evo e Ortega. Não são os povos africanos,
mas seus ditadores. Há algo muito errado em nossa política externa. Tão errado
que me leva a proclamar: não é o Brasil, senhores, mas é Lula, Dilma e seus
companheiros!
Isso me basta. No entanto, ocorre-me
uma investigação adicional e para ela eu peço socorro à memória dos meus
leitores: você é capaz de identificar uma nação ou um estadista realmente
democrático, uma democracia estável e respeitável, que colha dos nossos
governantes uma consideração minimamente semelhante à que é concedida nos
vários exemplos que acabo de citar? Pois é, não tem.
Publicado no jornal "Zero Hora" Fonte: "Mídia Sem Máscara"
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