Por Luísa
Galvão Lessa
A palavra "COISA" é
um bombril do idioma.
Tem mil e uma utilidades.
É aquele tipo de termo-muleta ao qual a gente
recorre sempre que nos faltam palavras para exprimir uma ideia.
"COISAS" do português.
Gramaticalmente, "COISA" pode
ser substantivo, adjetivo, advérbio.
Também pode ser verbo: o Houaiss registra a forma "COISIFICAR".
E no Nordeste há "COISAR": Ô,
seu "COISINHA", você já "COISOU" aquela coisa
que eu mandei você "COISAR"?
Em Minas Gerais, todas as coisas são chamadas de
trem (menos o trem, que lá é chamado de "COISA").
A mãe está com a filha na estação, o trem se
aproxima e ela diz: "Minha filha, pega os trem que lá vem a "COISA"!
E, no Rio de Janeiro?
Olha que "COISA" mais
linda, mais cheia de graça...
A garota de Ipanema era COISA de
fechar o trânsito!
Mas se ela voltar, se ela voltar, que "COISA" linda,
que "COISA" louca.
COISAS de Jobim e de Vinicius, que sabiam das
coisas.
COISA não tem sexo: pode ser masculino ou feminino.
COISA também não tem tamanho.
Na boca dos exagerados, "COISA nenhuma"
vira um monte de coisas...
Mas a "COISA" tem
história mesmo é na MPB.
No II Festival da Música Popular Brasileira, em
1966, a coisa estava na letra das duas vencedoras: "Disparada", de
Geraldo Vandré: "Prepare seu coração pras 'COISAS' que
eu vou contar...", e "A Banda", de Chico Buarque: pra ver a banda passar, cantando "COISAS" de
amor...
Naquele ano do festival, no entanto, a coisa tava
preta (ou melhor, verde-oliva).
E a turma da Jovem Guarda não tava nem aí com as COISAS:
"COISA" linda, "COISA" que
eu adoro!
Para Maria Bethânia, o diminutivo de COISA é
uma questão de quantidade afinal, são tantas "COISINHAS" miúdas.
E esse papo já tá qualquer "COISA".
Já qualquer "COISA"doida dentro mexe... Essa COISA doida
é um trecho da música "Qualquer COISA", de Caetano, que
também canta: alguma "COISA" está fora da ordem! e o
famoso hino a São Paulo: "alguma COISA acontece no meu
coração"!
Por essas e por outras, é preciso colocar cada COISA no
devido lugar.
Uma COISA de cada vez, é claro,
afinal, uma COISA é uma COISA; outra COISA é
outra COISA.
E tal e COISA, e COISA e
tal.
Um cara cheio de COISAS é o
indivíduo chato, pleno de não-me-toques.
Já uma cara cheio das COISAS, vive
dando risada. Gente fina é outra COISA.
Para o pobre, a COISA está sempre
feia: o salário-mínimo não dá pra COISA nenhuma.
Coisa-ruim é o capeta, o câncer, a hanseníase, a
roubalheira no Brasil. Coisa boa é o Brad Pitt, Richard Gere,
Tom Cruise. Nunca vi coisa assim! Coisa de cinema!
Se as pessoas foram feitas para ser amadas e as COISAS,
para serem usadas, por que então nós amamos tanto as COISAS e
usamos tanto as pessoas?
Bote uma COISA na cabeça: as
melhores COISAS da vida não são COISAS.
Há COISAS que o dinheiro não
compra: paz, saúde, alegria e outras cositas mais.
Mas, deixemos de "COISA",
cuidemos da vida, senão chega a morte, ou "COISA" parecida...
Mas, finalmente, muita atenção: em ano de eleição
vai ter muita "coisa" para enganar o eleitor. Vamos ficar de olho
nessas“coisas”. Não vendam o voto por qualquer "coisa",
porque o correto é dar valor às "coisas".
Por isso, faça a COISA certa e não
esqueça o grande mandamento:
"AMARÁS A DEUS SOBRE TODAS AS "COISAS"."
Entenderam o espírito da COISA ?
Luísa Galvão Lessa é pós-doutora em Lexicologia e
Lexicografia pela Université de Montréal, Canadá; doutora em Língua Portuguesa
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Publicado no "Blog Santanópolis"
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